Adriana Carvalho

Regina Madalozzo

As grandes perguntas em relação à <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Mpv/mpv1116.htm">Medida Provisória do Programa Emprega + Mulheres e Jovens</a> são: está abordando um tema relevante? Está contribuindo para as grandes causas raízes do problema? Suas soluções são relevantes para muitas pessoas?
Sobre a primeira pergunta: a pandemia da Covid-19 visibilizou problemas estruturais do nosso país e do mundo, como as desigualdades entre homens e mulheres não só na vida privada, como no mercado de trabalho. Muito foi falado sobre o excesso da carga de trabalho doméstico sobre as mulheres, a desigual distribuição de tempo de mães e pais no cuidado com as crianças e a consequente maior responsabilização das mulheres com os trabalhos de cuidado em geral. Ao mesmo tempo, de 2019 para 2020, tivemos o maior retrocesso da participação das mulheres no mercado de trabalho das últimas três décadas. Então, sob esse aspecto, definitivamente a MP endereça um problema importante. Mas será que as boas intenções realmente se transformam em ações efetivas?
Começando pelas estatísticas, segundo o IBGE, em 2021, 40% das pessoas empregadas estavam em posições informais ante 60% em posições formais. Até a data de publicação deste artigo, menos de 1% das empresas brasileiras aderiram ao programa Empresa Cidadã, que permite à empresa descontar de sua base para tributação de Imposto de Renda o valor utilizado para apoio da extensão de licença parental. Mesmo dentre as mulheres em trabalho formal que usufruem de licenças, segundo pesquisa da FGV, cerca de metade abandona o emprego após 47 meses após a saída. As estatísticas de educação mostram que as mulheres brancas são as que mais estudam, seguidas pelos homens brancos, depois, mulheres negras e homens negros. Já as estatísticas de desemprego têm mostrado que as mulheres negras são as mais afetadas, seguidas pelas mulheres brancas, depois homens negros e brancos. Embora o número de pessoas desempregadas venha crescendo, algumas áreas específicas – como tecnologia e construção civil – não encontram pessoas qualificadas em quantidade suficiente.
Diante das estatísticas acima e de inúmeros estudos sobre as desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho – que destacam a importância do acesso a creches, melhor distribuição dos trabalhos do cuidado não remunerado, maior participação das mulheres, incluindo mulheres negras, na liderança das empresas e instituições –, voltamos a olhar a MP em si para entender se está endereçando problemas estruturais de maneira relevante.
A primeira observação é que ela pensou apenas nas mulheres no emprego formal, portanto, deixou de fora mais de 20 milhões de mulheres (trabalhadoras informais ou desempregadas), um contingente importante.
E para as mulheres que ocupam trabalhos formais, será que a MP resolve? A questão do incentivo para que a flexibilização de regime de trabalho seja focada em pessoas (pais e mães) com filhos pequenos endereça uma questão relevante, em especial para as mulheres. A pandemia ajudou a quebrar barreiras e mostrar às empresas que sim, é possível trabalhar de forma remota. E, por isso, em 25 de março deste ano foi publicada uma <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/trabalho/361307-28032022">MP sobre o teletrabalho</a> que regulamentou esse tipo de trabalho.
Muitas pessoas que exercem o papel de pai ou mãe podem se beneficiar de menos tempo em deslocamento e ficar mais perto de seus filhos pequenos, mas, definitivamente, não é possível fazer ao mesmo tempo o trabalho produtivo e o do cuidado. Não à toa, muitas mães e pais esperavam ansiosamente para que os escritórios reabrissem e pudessem separar essas tarefas. Portanto, é importante que essa política leve em consideração sempre a vontade da pessoa em questão. Não menos importante é que a empresa pratique essas políticas de flexibilização para todas as pessoas, pois, assim, evita que pais e mães fiquem rotulados como pessoas menos presentes ou produtivas. E, mais do que tudo isso, é importante que empresas e governo criem estruturas que deem conta do cuidado de bebês e crianças.
Já em relação ao usufruto da licença-maternidade adicional – somente para funcionários e funcionárias de empresas aderentes ao programa Empresa Cidadã –, tanto melhor dividindo a licença entre pais e mães como permitindo o retorno em período parcial por um período maior. Embora a prática em si pareça interessante, considerando que menos de 1% das empresas aderem ao programa e somente quando ambos os genitores trabalharem em empresas aderentes ao programa serão beneficiados, não nos parece relevante para mudar os indicadores. Para esse ponto, faltam medidas que incentivem mais empresas a adotarem o período estendido em si e também medidas que considerem um aumento da licença-paternidade, que responsabiliza ainda mais fortemente os homens pelo cuidado, já adotadas em outros países.
Com relação às questões de uso do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para o pagamento de parte das despesas com creche e qualificação técnica, parecem haver distorções tanto do problema como da solução. Sabemos da importância de creches e pré-escolas, em especial em tempo integral, para possibilitar o trabalho de mães e pais de crianças pequenas. Também temos consciência que, dada nossa configuração social patriarcal, quando faltam vagas em escolas ou creches geralmente é a mulher, mãe da criança, a excluída do mercado de trabalho. Raramente os pais são penalizados em seu emprego pela falta de disponibilidade de escola. Dessa forma, creches são essenciais para o trabalho, principalmente das mães.
A preocupação do governo em possibilitar acesso a creches e pré-escola é louvável, mas assumir que em todas as localidades existem creches particulares, não pensar em arranjos onde pessoas físicas (vizinhas, avós, tias, entre outros) podem ajudar e dar um uso indevido ao FGTS para o pagamento de parte das despesas não parece efetivo nem justo.
Importante lembrar aqui a legislação existente de que empresas com mais de 16 anos de existência e 30 trabalhadoras mulheres devem prover espaço para amamentação ou auxílio-creche e que vários sindicatos já regularizam essa questão. E é nesse ponto que a boa vontade contrasta com a iniciativa mais adequada: os recursos do FGTS não deveriam ser destinados ao pagamento de despesas correntes (como é o caso de creches). Ao mesmo tempo em que desvia a função da poupança do FGTS, a MP tira parte da responsabilidade do governo em prover creches e escolas públicas de qualidade e em quantidade suficiente para a população que delas necessita.
Outro ponto crítico da MP 1.116/2022 é o que trata da qualificação de mulheres em áreas estratégicas. Como já apontamos por meio de estatísticas, não parece que é a falta de estudo que explica o maior desemprego entre as mulheres. Os obstáculos para permanência e promoção das mulheres no trabalho são muito mais ligados ao preconceito, à discriminação e ao reforço de estereótipos – inclusive por parte dos atuais governantes – do que pela falta de qualificação. E mesmo ao pensarmos em baixa qualificação de mulheres em certas áreas, é muito mais provável que estejamos falando de mulheres que não estão no mercado formal. E, infelizmente, para essas, nada será feito.
Pelo exposto acima, embora a MP trate de um tema relevante, ela se limita ao universo do trabalho formal e, mesmo dentro desse universo, não trata de problemas estruturais. Ao mesmo tempo, as soluções apresentadas correm o risco de desvirtuar benefícios e /ou ficar restrita a empresas de médio para grande porte, excluindo funcionárias de pequenas e microempresas, a maior parte das pessoas empregadas no país.
Deixamos um pedido final para que empresas, governos e grupos da sociedade civil que estudam o tema possam se unir e pensar políticas públicas e privadas que realmente façam a diferença em um mundo do trabalho com mais igualdade entre mulheres e homens e que apoie seus talentos e a produtividade dos ambientes de trabalho para um Brasil mais competitivo.

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JOTA

MP é limitada ao universo do trabalho formal e, mesmo dentro dele, não trata de problemas estruturais

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