Bernardo Pires

Pedro Garcia

Dalton Cesar Cordeiro de Miranda

Neste espaço e sob o título <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/normatizacao-global-contra-desmatamento-ilegal-09022022">“A normatização global contra o desmatamento ilegal”</a> [1], face às propostas legislativas globais que se apresentavam sob o escudo de proteção ao meio ambiente e endereçando os notórios impactos para o agronegócio nacional, manifestamos no ano de 2022 que: 
<blockquote class="jota-article__citation">"A nova palavra de ordem é o risco de um produto conter desmatamento. Países que ainda desmatam, pois possuem florestas e outros tipos de vegetação nativa, naturalmente terão esse risco atribuídos a si, diferentemente de países que não mais desmatam. O desafio do Brasil, que é um país que ainda desmata, é fazer com que suas abordagens de risco e rastreabilidade sejam adotadas pelos importadores que querem eliminar desmatamento das suas aquisições. O que assistimos hoje, e nos preocupa muito, é que as abordagens de risco e rastreabilidade estão sendo definidas pelos importadores de forma unilateral. Precisamos olhar para dentro e pensar porque não temos sido capazes de inverter essa lógica".</blockquote>
De lá para cá, este cenário apresentou movimento de intensificação, principalmente agora que a regulamentação de Due Diligence para produtos com Desmatamento e Degradação Florestal foi oficialmente publicada pela União Europeia.  
A legislação, que teve a primeira proposta de minuta apresentada pela Comissão Europeia em novembro de 2021, chega a sua versão final um ano e meio depois, proibindo a entrada e movimentação de produtos no mercado europeu que estejam associados a desmatamentos recentes. Apenas uma seleção de commodities entraram para o escopo em primeiro momento, sendo estas gado, cacau, café, soja, óleo de palma, madeira e borracha, e seus produtos derivados, que sejam produzidos em áreas identificadas com cobertura vegetal degradada ou desmatada após dezembro de 2020. 
Retomando o contexto histórico da legislação aprovada e tornada oficial, temos que seu objeto é reduzir a participação da União Europeia do fluxo de desmatamento global e, para isso, propõem métodos para endereçar esta questão ambiental, promovendo o consumo de produtos provenientes de cadeias de abastecimento livres de desmatamento no bloco. Inclusive, há justificativa para formulação do texto da legislação de que o próprio cidadão europeu faz essas exigências. Entretanto, uma medida dessas reverbera no atingimento de operações comerciais relacionados ao Agronegócio em sua essência. 
Na história da evolução das leis ambientais no mundo, o Brasil possui um papel de destaque: poucos países têm uma legislação tão ampla quanto a brasileira. Temos um grande arsenal de leis ambientais vigentes: novo Código Florestal brasileiro, Lei de Crimes Ambientais, Política Nacional do Meio Ambiente, Lei de Proteção à Fauna, Política Nacional de Recursos Hídricos, Sistema Nacional de Unidades de Conservação e a despeito destas recebemos uma imposição unilateral de uma regulamentação europeia que ignora as mesmas e impõe uma adicionalidade “desmatamento zero” sem nenhuma sinalização de pagamento por um “produto especial”, que ainda precisa ser segregado e rastreado da fazenda ao porto. 
Cabe ressaltar que as últimas três décadas foram marcadas por um crescimento de leis ambientais no mundo. Atualmente 176 países têm alguma legislação na área e qualquer imposição adicional à estas pode ser interpretada como uma questão de afronto à soberania. 
Com sua publicação ocorrida em veículo oficial, a regulamentação europeia, agora com força de lei, entrará em vigor ao final deste mês de junho. Entretanto, é previsto um período de 18 meses para que a legislação tenha efeitos práticos para os operadores, aumentando para 24 meses no caso de pequenas e microempresas europeias. Este período será utilizado pela Comissão Europeia para desenvolvimento da plataforma de due diligence e determinação da classificação de risco dos países. 
Movimento semelhante e levado a efeito nos Estados Unidos, por nós tratado naquele mencionado expediente, não ganhou a mesma tração comparado ao modelo normativo europeu aprovado; mas a proposta intitulada “Prohibition on importation of covered commodities produced on illegally deforested land” [2], de autoria do senador democrata Brian Schatz, não pode ser dada como "favas contadas" ou "fadada ao insucesso", pois é agenda deste estado avançar em agendas ambientais, e o referido congressista americano pelo Havaí é um entusiasta desta emblemática pauta. 
A propósito, quando da confirmação da eleição do atual presidente da República brasileiro, a este enviou carta congratulando-o pela vitória, mas também reclamando a união de esforços na realização de trabalhos colaborativos pela proteção e reflorestamento de nossas florestas [3], entre outros temas dessa ordem abordados na missiva.  
Mas, o referido senador parece ter incentivado outros colegas congressistas à apresentação de projetos desta mesma natureza, ou seja, de caráter ambientalista, e, a nosso sentir, com uma forte inclinação a criar dificuldades para os negócios comerciais realizados com estados alienígenas, em especial com grandes exportadores de produtos relacionados ao agronegócio. 
Só para não perdermos o fio da meada, ou deixarmos alguma ponta desatada no raciocínio em desenvolvimento, o Brasil alcançou uma liderança de destaque e comercialmente invejável na produção e exportação de alimentos, impactando de modo significativo o negócio dos demais atores e agentes globais atuantes neste setor. A produção brasileira de soja, produto veemente impactado pela nova legislação, foi a maior mundialmente nos últimos anos, e a tendência ainda é de crescimento. 
E fez escola o senador norte-americano, pois recentemente foi divulgado que os também senadores democratas Alex Padilla e Sheldon Whitehouse apresentaram, por ocasião das comemorações ao Dia Mundial dos Oceanos, proposta legislativa para o combate à poluição atmosférica causada pela indústria naval global [4]; visando estimular as indústrias navais ao redor do mundo à redução de emissão de combustíveis pesados, isto, em alinhamento às tecnologias de transporte sustentável que estão sendo desenvolvidas na América. 
Tais exigências legais em proposição poderão impactar, caso aprovadas, as exportações de produtos – com atenção para os originários do agronegócio – para os Estados Unidos. 
Apesar de continuarmos a reconhecer que o Brasil é um país que ainda desmata, não podemos olvidar os esforços empenhados pelo agronegócio em promover boas práticas para expansão da produção que tem impacto não só o fluxo comercial local, como também internacional. Desta forma, há uma linha de interpretação de parte destas propostas globais de natureza sustentável, estão sendo sim empregadas como verdadeiras barreiras comerciais protecionistas. 
E não sejamos ingênuos para o desconhecimento de tais práticas, pois a história nos ensina [5]: 
<blockquote class="jota-article__citation">“(...) cortaó, e arrazaó as arvores chamadas Mangues, fó a fim de as venderem para lenha, sendo que a caída das mefmas arvores he a única no Brafil, com que fe póde fazer o curtimento dos Couros para Atanados, (...): E querente Eu favorecer o Commercio, em comum feneficio dos meus Vaffallos, especialmente as manufacturas, e Fabricas, de que refultaõ argumentos á Navegaçaõ, e fe multiplicaçaõ as exportaçoens dos generos: Sou fervido ordenar, que da publicaçaõ defta em diante, fe naõ cortem as arvores de Mangues, que naõ eftiverem já defecafdas, debaixo da pena de cincoenta mil reis, que ferá paga da cadeia, onde eftaraõ os culpados pelo tempo de tres mezes, (...)”.</blockquote>
Neste sentido, aliás, observa-se recentemente posicionamento da França que apresentou veto ao acordo União Europeia-Mercosul, por decisão parlamentar, condicionando sua posição favorável a uma revisão que considere "o cumprimento das normas europeias de produção". Preconiza também cláusulas suspensivas em caso de descumprimento dos acordos de Paris; dessa forma protegendo os subsidiados produtores agropecuários franceses [6]. 
Não seria esta a primeira vez que o Estado francês se posiciona de maneira opositiva ao agronegócio sul-americano, principalmente o brasileiro, frente ao acordo UE-Mercosul, quando temos declaração do seu presidente, em 2021, afirmando que importar soja brasileira seria um endosso ao desmatamento da Amazônia [7]. 
Em reforço às colocações feitas acima e em fechamento a este artigo, temos que sobre uma rede normativa protecionista comercial posta, erigida com a imposição de obstáculos de cunho ambiental, os próprios europeus reconhecem que alterações climáticas são inevitáveis– em tradução livre e mesmo soando contraditório –, especialmente pela também constatação inevitável da obrigação do setor agrícola evoluir para garantia da segurança alimentar mundial. 
<blockquote class="jota-article__citation">"Ne pas céder à la nostalgie ou au fatalisme</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">Ce travail collectif – fruit d’une mobilisation de tous les services de la rédaction pour donner la vision la plus complète en variant les angles et les modes de traitement – dessine une France qui ne sera plus jamais celle que nous avons connue, à la fois visuellement, culturellement, économiquement. Très rapidement maintenant, l’identité de nos territoires va se trouver bouleversée. Au gré du réchauffement, les paysages seront profondément remaniés, notamment par une agriculture contrainte d’évoluer" [8].</blockquote>
<hr />
[1] JOTA.Info. <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/normatizacao-global-contra-desmatamento-ilegal-09022022">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/normatizacao-global-contra-desmatamento-ilegal-09022022</a> , acessado em junho de 2023 
[2] Bill S.2950 - FOREST Act of 2021 
[3] <a href="https://www.schatz.senate.gov/imo/media/doc/letter_to_lula_re_deforestation.pdf">https://www.schatz.senate.gov/imo/media/doc/letter_to_lula_re_deforestation.pdf</a> , acessado em junho de 2023 
[4] <a href="https://www.padilla.senate.gov/wp-content/uploads/Clean-Shipping-Act-of-2023.pdf">https://www.padilla.senate.gov/wp-content/uploads/Clean-Shipping-Act-of-2023.pdf</a> , acessado em junho de 2023 
[5] ‘Alvará com força de lei’ transcrito por BRANDÃO, Ignácio de Loyola em ‘Não verás país nenhum’ – [28 ed.] – São Paulo: Global, 2019 
[6] Le Monde - <a href="https://www.lemonde.fr/economie/article/2023/06/13/l-assemblee-nationale-adopte-une-resolution-contre-le-projet-d-accord-ue-mercosur_6177501_3234.html">https://www.lemonde.fr/economie/article/2023/06/13/l-assemblee-nationale-adopte-une-resolution-contre-le-projet-d-accord-ue-mercosur_6177501_3234.html</a> , acessado em junho de 2023 
[7] G1 - <a href="https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/01/12/depender-da-soja-brasileira-e-endossar-o-desmatamento-da-amazonia-diz-macron.ghtml">https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/01/12/depender-da-soja-brasileira-e-endossar-o-desmatamento-da-amazonia-diz-macron.ghtml</a>, acessado em junho de 2023 
[8] Em tradução livre: Não ceda à nostalgia ou ao fatalismo - Este trabalho coletivo - fruto da mobilização de todos os departamentos editoriais para dar a visão mais completa, variando os ângulos e os métodos de tratamento - desenha uma França que nunca mais será a que conhecemos, tanto visualmente, culturalmente, economicamente. Muito rapidamente agora, a identidade de nossos territórios será abalada. Com o aquecimento do clima, as paisagens vão sendo profundamente alteradas, nomeadamente por uma agricultura que é obrigada a evoluir. Le Monde – Éditorial - Réchauffement climatique : faire évoluer nos territoires et nos visions du monde - <a href="https://www.lemonde.fr/idees/article/2023/06/12/rechauffement-climatique-faire-evoluer-nos-territoires-et-nos-visions-du-monde_6177272_3232.html">https://www.lemonde.fr/idees/article/2023/06/12/rechauffement-climatique-faire-evoluer-nos-territoires-et-nos-visions-du-monde_6177272_3232.html</a> , acessado em junho de 2023

DESMATAMENTO MT

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JOTA

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