Guillermo Glassman

Daniela Guarita Jambor

Benny Spiewak

O mercado de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cannabis">cannabis</a> tem crescido significativamente em todo o mundo. Na América Latina, diversos países já legalizaram o uso da planta para fins terapêuticos. No entanto, a participação da região ainda é pequena no contexto global, o que pode ser explicado pela existência de maiores restrições regulatórias.  
No Brasil, as discussões sobre a ampliação da liberdade de uso do produto vêm ganhando força, apesar da existência de uma legislação bastante conservadora mesmo para o uso medicinal da cannabis, quando comparada à de países da Europa e aos Estados Unidos, por exemplo. Apesar das barreiras regulatórias, a esperança de pacientes e associações é a de que a produção e comercialização de produtos à base de cannabis avance com a criação de novas regulamentações para o setor, considerando que a lista de produtos autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/anvisa">Anvisa</a>) vem aumentando. Tais expectativas positivas para os próximos anos apontam para boas oportunidades para as empresas que atuam nesse mercado.  
No entanto, no curto prazo, a publicação da <a href="https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2023/copy_of_NT35.pdf">Nota Técnica 35/2023</a> da Gerência de Produtos Controlados da Anvisa (GPCON) no último dia 19, alterando entendimento anterior e proibindo a importação da cannabis in natura, indica que esse caminho de abertura não será feito rapidamente, o que causa preocupação às partes interessadas. Além disso, a Anvisa se posicionou, informalmente, sobre quais profissionais de saúde estariam autorizados a prescrever alguns produtos da cannabis. A posição da agência foi em sentido restritivo: apenas médicos e dentistas podem prescrever tais produtos.  
<h3>Mercado de cannabis no Brasil  </h3>
A Anvisa regula e fiscaliza os produtos à base de cannabis no Brasil para uso medicinal, tendo como principais normas a Resolução 327/19 e a Resolução 660/22. Desde 2015, algumas substâncias derivadas da cannabis – tetrahidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD) – são permitidas para uso médico sob algumas restrições. O uso medicinal de produtos à base de cannabis está em constante crescimento, com números impressionantes, principalmente quanto à receita gerada e ao número de autorizações excepcionais concedidas pela Anvisa para importação de produtos à base de cannabis por pacientes.  
Por outro lado, continuam as proibições para 1) o uso recreativo; e 2) o cultivo, colheita, importação, extração, manejo ou uso no Brasil. Existem alguns projetos de lei nas casas legislativas brasileiras para remover a cannabis da lista de plantas proibidas, mas não há estimativa de quando isso possa se concretizar. Na área veterinária, também é proibido o uso de produtos à base de cannabis, no entanto, o Ministério da Agricultura e Pecuária já sinalizou que a situação pode mudar em breve.  
<h3>Produtos à base de cannabis</h3>
Os produtos de cannabis permitidos no Brasil são:  
<ul>
<li>Medicamentos à base de cannabis registrados na Anvisa. A composição desses produtos deve observar a regra da Portaria 344/98: os medicamentos devem ter no máximo 30mg de THC por mililitro e 30mg de CBD por mililitro.</li>
<li>Produtos à base de cannabis, inclusive óleos, registrados pela Resolução 327/19. A composição desses produtos é determinada pelo artigo 4º da Resolução 327/19: devem conter predominantemente CBD e não mais que 0,25% de THC. Excepcionalmente, os produtos à base de cannabis podem ter mais de 0,2% de THC se forem indicados para cuidados paliativos e em situações clínicas irreversíveis ou terminais;</li>
<li>Produtos derivados da cannabis são produtos estrangeiros, listados pela Anvisa sob a Resolução 660/22. A Resolução 660/22 não impõe requisitos técnicos detalhados para produtos derivados da cannabis, somente que devem ser industrializados, para uso medicinal (artigo 2º, V, da Resolução 660/22).</li>
</ul>
Cosméticos, produtos de tabaco, produtos de saúde ou alimentos à base de cannabis e seus derivados são proibidos no Brasil.  
<h3>Autorização Sanitária  </h3>
A empresa que pretende produzir, importar e/ou comercializar produtos à base de cannabis no Brasil deve obter uma Autorização Sanitária prévia da Anvisa com validade improrrogável de cinco anos, nos termos da Resolução 327/19. Após esse período, o produto deve ser registrado como medicamento. Se não for registrado, a produção, importação e/ou comercialização do produto à base de cannabis é ilegal. Ou seja, o produto à base de cannabis deve ser transformado em medicamento para estar no mercado por mais de cinco anos. O cultivo de cannabis ainda é proibido no Brasil, portanto a empresa produtora deve importar o princípio ativo como derivado vegetal, fitofármaco, produto a granel ou industrializado.  
Por outro lado, as empresas não podem desenvolver atividades com produtos derivados da cannabis, nos termos da Resolução 660/22, em razão do objetivo da norma: a Resolução 660/22 regulamenta apenas a importação de produtos para uso pessoal. Quando um paciente necessita de um produto derivado da cannabis, prescrito por um profissional de saúde, deve importá-lo para seu uso, ficando impossibilitado de comercializar o produto no Brasil.   
<h3>Importação de flores de cannabis para uso medicinal  </h3>
Uma questão que se apresentava até a publicação da Nota Técnica 35/2023 é se seria legal a importação de flores da cannabis, inclusive flores com baixo teor de THC e para uso medicinal. Textualmente, a Resolução 660/22 é lacunosa quanto ao tema, abrindo espaço ao debate e a interpretações diversas.  
Em atendimento ao §3°, artigo 5°, da Resolução 660/2022, a Nota Técnica 35 apresenta lista de produtos derivados de cannabis cuja importação e uso são autorizados no Brasil. Entretanto, para além disso, o documento indica expressamente que não é permitida a importação de produtos que contenham partes da planta in natura, inclusive de flores, mesmo que pulverizadas e apresentadas em forma farmacêutica.   
Como mitigação dos impactos da mudança, a Nota Técnica 35 indica período de transição de 60 dias (com termo final em 20/07/2023), após o que não serão concedidas novas autorizações para a importação de partes da planta in natura. O argumento principal utilizado na Nota Técnica 35 para a guinada de entendimento da Anvisa sobre o tema é o alto potencial de desvio para fins ilícitos quando a importação se dá na forma in natura (i. e., para uso recreativo), bem como a suposta ausência de evidências científicas que comprovem a segurança desse tipo de produto.  
Os pacientes que fazem uso da flor de cannabis deverão buscar alternativas terapêuticas. Entretanto, apesar do período de transição conferido pela Anvisa, é provável a judicialização da matéria, com base no histórico anterior de autorizações de importação. De fato, empresas se estruturaram e investiram para o atendimento dessa demanda (via importação) no mercado brasileiro e a recomendação dos médicos aos seus pacientes, como melhor tratamento aplicável a seu caso, pode ser a utilização in natura, já que os demais produtos à base de cannabis (industrializados) também não tiveram sua qualidade, eficácia e segurança avaliados pela Agência (nos termos da própria Nota Técnica 35), o que torna questionável, do ponto de vista jurídico, a discriminação entre uns e outros.   
<h3>Prescrição de produtos derivados da cannabis</h3>
Outra restrição imposta pela Anvisa: a agência, agora, entende que os produtos derivados da cannabis só podem ser prescritos por médicos ou dentistas, esses últimos desde que no âmbito de tratamento odontológico. A publicidade do posicionamento se deu via <a href="https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/controlados/cannabis/etapa1">atualização do site da agência</a> no item “Consulta médica ou odontológica e prescrição” de perguntas e respostas sobre a importação excepcional no âmbito da Resolução 660/22.  
A lacuna legal discutida é a de que a Resolução 660/22 não define, expressamente, qual o profissional de saúde estaria autorizado a prescrever produtos derivados da cannabis, mas apenas “profissional legalmente habilitado” (artigo 1º). Quem seria esse profissional?  
Aproveitando a lacuna, alguns conselhos de classe, especialmente dos fisioterapeutas e biomédicos, emitiram, respectivamente, parecer e resolução autorizando tais profissionais a prescrever produtos derivados da cannabis. O Conselho Federal de Medicina (CFM), então, manifestou-se contrariamente a tais documentos. Ciente da questão, a Anvisa entendeu por restringir o âmbito da prescrição aos médicos, mas a competência da agência para deliberar sobre a matéria é duvidosa.  
De fato, não há dispositivo legal que expressamente que proíba ou restrinja a prescrição desses produtos a médicos e dentistas. Com efeito, a Lei do Ato Médico (<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12842.htm">Lei 12.842/13</a>) não determina que é competência privativa do médico a prescrição – o que estaria em linha com a “autorização” aos dentistas no âmbito de sua competência profissional. Assim, parece haver outra discriminação, restrição, passível de questionamento judicial.

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JOTA

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