Patrícia Tuma Martins Bertolin

Edith Maria Barbosa Ramos

Artenira da Silva e Silva

Bhauer Bertrand de Abreu

Whaverthon Louzeiro de Oliveira

O primeiro julgamento de advogado acusado de perpetrar violência processual de gênero deveria ter ocorrido no dia 14 de agosto último, na sede da Seccional da OAB-MA, tendo sido adiado para esta quarta-feira (11/9), a pedido do relator, durante a sessão.
São duas ações em questão que, apesar de inéditas, apontam para a urgência dos Tribunais de Ética e Disciplina da OAB atentarem para o enfrentamento de um tipo de violência cada vez mais comum: a violência processual de gênero perpetrada por parte dos representantes da advocacia nacional, quer por litigância abusiva, quer por ataques diretos a mulheres em processos, configurando violência moral e psicológica contra as mesmas.
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Apesar da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-maria-da-penha">Lei Maria da Penha</a> ser reconhecida como uma das melhores leis protetivas de mulheres no mundo, havemos que considerar a forma de atuação da advocacia a partir dela, tendo em vista o crescimento da violência familiar contra mulheres no país, bem como o aumento da violência processual de gênero. Essas duas constatações definem a necessidade urgente das instituições do sistema de justiça apresentarem posicionamento claro, firme e transparente acerca dessa questão.
A Lei Maria da Penha chegou à maioridade, mas com frequência se atesta o medo de mulheres denunciarem a violência que sofrem por serem transformadas de vítimas em rés nos processos ajuizados junto às varas especializadas brasileiras.
Apesar dessas práticas serem frequentemente focos de escândalos junto à mídia, a OAB-MA está diante dos dois primeiros processos éticos brasileiros que levam a questão da violência processual de gênero a julgamento, no âmbito do seu Tribunal de Ética e de Disciplina (TED).
Faz-se importante explicitar os limites que devem caracterizar o exercício da advocacia para que não haja desvirtuamento da profissão em seu fim último, qual seja, o alcance da justiça e, por conseguinte, da paz social.  Para tanto consideramos fundamental mesclar a reflexão que se segue à voz de sessenta e duas mulheres vítimas de violência familiar, integrantes do sistema de justiça brasileiro, a saber: desembargadoras, procuradoras de justiça, juízas, promotoras de justiça, advogadas, delegadas, policiais civis e policiais militares  entrevistadas entre janeiro de 2018 e junho de 2024.
A promulgação da Lei Maria da Penha configurou o tipo penal “violência doméstica contra mulheres”, antes caracterizado como “crime de menor potencial ofensivo”, julgado nos juizados especiais criminais, que passou a ser espécie penal normatizada por lei específica, pelo menos, em tese, com o novo status de violação de direitos humanos. Também, pelo menos em tese, as instituições do sistema de justiça pátrio estão intensificando esforços para enfrentar a violência institucional de gênero, de modo a favorecer um percurso processual menos violento e revitimizador para as mulheres.
Utilizamos o termo “em tese”, nas assertivas acima, tendo em vista, que na prática, mulheres, não raro, continuam a ser revitimizadas nas instituições do sistema de justiça quando o acessam. Apenas a título de exemplo, das sessenta e duas mulheres vítimas de violência doméstica e familiar e integrantes do sistema de justiça entrevistadas, apenas seis delas decidiram realizar boletim de ocorrência ou pedir medidas protetivas de urgência contra seus agressores, por entenderem, entre outras razões, que: “o sistema não funciona’, “eu só vou me expor e ser massacrada” ou, ainda, “meu agressor é inteligente, conhece bem o sistema e vai conseguir distorcer tudo contra mim”.
Adicionalmente, considerando outras 48 entrevistadas entre janeiro de 2018 e junho de 2024, dentre as quais profissionais de saúde, empresárias e professoras vítimas de violência doméstica e familiar, todas financeiramente independentes, destacamos o que se segue.
As vítimas em questão possuíram ou  possuem medidas protetivas de urgência deferidas ou ações penais em curso em varas brasileiras, em diferentes estados, mas quando instadas a definir como se sentiram ou se sentem desde que acionaram o sistema de justiça, os sentimentos referidos, na ordem com que se apresentaram de maior à menor frequência foram: humilhação, revitimização, medo, indignação e desesperança. Os dados apresentados dispensam explicações maiores, pois não apenas falam, mas gritam por si.
A seccional da OAB na Bahia foi a primeira a se manifestar, em voto consultivo, sobre as diversas infrações éticas às quais um advogado pode responder ao fazer uso da advocacia para cometer violência processual de gênero, detalhou punições severas e passíveis de serem aplicadas, caso a seccional seja demandada para analisar casos concretos.
No entanto, está no âmbito da seccional da OAB no Maranhão os dois primeiros casos de denúncias brasileiras sobre violência processual de gênero contra mulher, patrocinados pelo advogado paulista  Bhauer Bertrand de Abreu. O patrono tem experiência de já ter ocupado cargos de gestão junto Ordem dos Advogados do Brasil, o que vem se mostrando absolutamente relevante para estar à frente desta empreitada pioneira, uma vez que, em última instância, as ações visam esclarecer como a advocacia brasileira de fato deve se posicionar frente à violação de direitos humanos de mulheres, definindo claramente o que é ou não tolerável na atuação de advogados, no que toca à violência processual de gênero.
A atuação de Bhauer Bertrand nesta Representação foi recentemente objeto de artigo científico aprovado e defendido junto ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (Conpedi), sob o título "Infração disciplinar na advocacia por litigância abusiva: violência processual de gênero". A pesquisa demonstra como essas duas ações possuem o condão de explicitar que diretrizes a OAB do Maranhão entende que devem ser assumidas pelos Tribunais de Ética e de Disciplina, no contexto da violência processual de gênero contra a mulher, em todo o território nacional (Silva; Oliveira, 2024), uma vez que está julgando e processando os dois primeiros processos éticos brasileiros que enfrentam diretamente a referida matéria.
A violência contra a mulher em ambiente doméstico e familiar cresce de forma avassaladora em todo o território brasileiro, e, segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, no primeiro semestre de 2022, a central de atendimento registrou 31.398 denúncias, sendo que nos primeiros cinco meses de 2024, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foram registrados mais de 380 mil casos.
A Ordem dos Advogados do Brasil Federal lançou, em 2022, a Campanha Nacional de Combate às Violências contra a Mulher, contando com a adesão do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho Nacional de Justiça (Brasil, 2022). Mais recentemente, no último 19 de agosto, o Conselho Federal da OAB aprovou a criação de um protocolo para julgamento de processos ético-disciplinares com perspectiva de gênero no Sistema OAB.
Assim, o combativo manifesto da Ordem dos Advogados do Brasil conclama a todos, indistintamente, a se unirem e a colaborarem para a efetiva proteção das mulheres, em especial, às seccionais e subseções da OAB em todo o país.
Os casos concretos junto à Seccional OAB-MA possuem como Representante a psicóloga A.S.S. frente a seu ex-marido, o advogado maranhense H.M.L.S. O uso da advocacia para cometimento de violência processual de gênero levado a julgamento restou explicitado em parecer do Ministério Público Maranhão, de forma transparente em passagem de autos em processo judicial cujo Parquet afirma:
“No entendimento deste Órgão Ministerial, o autor vem descumprindo as cláusulas do acordo, vem ingressando com queixas-crimes, Boletins de Ocorrência e Ações em Plantão Judiciário contra a Requerida, caracterizando uma perseguição desenfreada em forma de assédio processual”.
Cabe ainda destacar que, em processos judiciais entre as partes, houve 36 suspeições por motivo de foro íntimo de magistrados, situação tão inusitada e inédita que determinou o acionamento da Comissão Interamericana de Diretos Humanos em 2019. O Estado brasileiro apresentou defesa prévia em 2023.
Há ainda, a título de exemplos adicionais  de conteúdos que gritam por si, a aplicação do “perdão do ofendido” em ação penal contra o Representado, cuja prova de calúnia é material, ou seja, um boletim de ocorrência inverossímil,  a extinção de processo por faltas injustificadas do Representado a audiências, alegando estar em aulas na Universidade de São Paulo, tendo a instituição declarado expressamente por e-mail ser inverídica a alegação, conforme já noticiado em reportagem da Folha de S.Paulo em dezembro de 2019.
Adicionalmente,  dentre os vários escândalos recentes que investigam magistrados e advogados maranhenses, amplamente noticiados, o Conselho Nacional de Justiça, <a href="https://www.cnj.jus.br/cnj-determina-aposentadoria-compulsoria-de-juiz-do-tjma/">publicamente em seu site</a>, através do conselheiro José Lúcio Munhoz, relator do processo que recomendou a aposentadoria compulsória do magistrado L.C.N.F., ao proferir seu voto, determinou que a seccional da OAB no Maranhão submetesse o Representado a processo investigatório, em face de sua atuação suspeita  junto à vara na qual atuava o juiz, cuja aposentadoria compulsória foi, repita-se, determinada pelo CNJ.
Resta, nos casos concretos, destacar a importância máxima de se identificar e de se definir posicionamentos institucionais frente a atividades contrárias ao   exercício probo da advocacia, em afronta às tratativas internacionais de proteção à mulher, uma vez que a OAB é identificada como um espaço democrático e constitui a instituição do sistema de justiça mais bem avaliada pela população, em geral.
Primar pela devida consideração do Código de Ética e Disciplina e do Estatuto da Advocacia, na prática, concorre para que as ações julgadas junto às varas especializadas de proteção à mulher não sigam definindo revitimização de mulheres e impunidade de agressores.
Que os julgamentos das ações em questão inspire uma nova era no exercício do direito para o seu fim legítimo e não mais para materializar distorções irrazoáveis, de modo que o uso do direito jamais sirva para a obtenção do torto, em especial por vias ilegítimas.
<hr />
SILVA, Artenira da Silva; OLIVEIRA, Whaverthon Louzeiro. título “INFRAÇÃO DISCIPLINAR NA ADVOCACIA POR LITIGÂNCIA ABUSIVA: VIOLÊNCIA PROCESSUAL DE GÊNERO”. VII Encontro Virtual. Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. 2024. Disponível em: http: www//efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/http://site.conpedi.org.br/publicacoes/v38r977z/0r1tfdq0/Z0fW1s13Vr2l0QbQ.pdf Acesso em 10 de Agosto de 2024.
BRASIL. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Campanha de Combate às Violências Contra a Mulher. 2022. Disponível em <a href="https://www.oab.org.br/util/print/60040?print=Noticia">https://www.oab.org.br/util/print/60040?print=Noticia</a> Acesso em 16 de agosto de 2024.

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