Hugo Henry Martins de Assis Soares

Marcus Vinícius de Freitas Teixeira Leite

Em outra oportunidade, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/participacao-contraditorio-construcao-processo-legislativo-30092020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">escrevemos neste mesmo JOTA</a>, acerca de participação e contraditório na construção do processo legislativo.
Naquela ocasião, discorremos sobre o percurso metódico a envolver o ato de legislar e, principalmente, imprescindibilidade de abertura do processo para “incorporação das vozes daqueles potencialmente afetados pela proposição e também por todos aqueles agentes (inclusive políticos) que possam de alguma forma trazer elementos para a construção de uma solução normativa para um problema real”.
Nesse sentido, Ulrich Karpen apresenta um “pentágono mágico” de fatores para o desenvolvimento, portador de facetas econômicas, sociais, culturais, políticas e legais, quais sejam: i) economia; ii) crescimento econômico; iii) coesão social (mudanças estruturais, educação, distribuição justa de riqueza, governo eficaz e administração; iv) participação e, v) independência política e econômica (KARPEN, 2016).
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Percebam que participação é um dos elementos cruciais (uma das arestas do pentágono) para o desenvolvimento, bem como núcleo da democracia a fortalecer direitos civis e liberdade (KARPEN, 2016, p. 152).
Então, dando continuidade ao tema ora tratado, trazemos alguns exemplos ilustrativos ao que previamente mencionado.
Em meados de julho deste ano, a Assembleia Nacional de Portugal aprovou uma mudança quanto aos debates promovidos entre o Governo e o Parlamento (destaca-se, composto por representantes do povo). Historicamente, entre meio de 2007 e início de 2008, restou acertado que o Primeiro-Ministro compareceria à Assembleia quinzenalmente, a fim de prestar esclarecimentos e ser arguido sobre temas que os parlamentares julgassem pertinentes, como forma de ampliação da racionalidade, a refletir no processo legislativo e, por óbvio, na própria execução das políticas públicas pelo Governo.
Após as alterações capitaneadas neste ano pelo Partido Socialista (PS) e Partido Social-Democrata (PSD), os debates entre Parlamento e Governo passaram a ser mensais, havendo, ainda, alternância no comparecimento do próprio Primeiro-Ministro com outros membros do Executivo, em que, de forma geral, caberá àquele ir à Assembleia Nacional uma vez a cada dois meses.
Partidos de oposição se colocaram frontalmente contrários à medida, justamente por tornar mais opaca a relação entre Legislativo e Executivo, além de inviabilizar um controle mais acurado dos atos e ações advindas do Governo, a refletir, repita-se, no processo decisório legislativo. Assim, ao invés de maior contraditório, tem-se fechamento dos espaços institucionais de interação entre agentes e população.
O segundo exemplo a ser trazido é de público e notório conhecimento da população brasileira.
Desde o início do mandato, o presidente da República Jair Bolsonaro substituiu as coletivas de imprensa e pronunciamentos formais, pelos encontros com seus correligionários e alguns repórteres presentes na entrada do Palácio do Alvorada (espaço denominado por “cercadinho”). Além das entrevistas no “cercadinho”, há ainda as transmissões semanais via redes sociais em que o presidente fala sobre assuntos diversos e por vezes ataca as nossas instituições, como Judiciário, Parlamento e imprensa, principalmente.
Não obstante toda a quebra institucional, dificultando o acesso da população brasileira às ações governamentais, em muitas ocasiões questionado sobre temas sensíveis, o presidente Bolsonaro demonstrou-se seletivo quanto aos seus interlocutores, sem abertura ao dissenso, com ataques aos e às repórteres formuladores(as) dos questionamentos.
O que se constata é a ausência de fiscalização e controle por parte das instituições e da população, justamente por não haver um canal de comunicação a partir da Presidência da República, caracterizando um evidente retrocesso democrático.
Os fatos acima elencados ilustram uma tentativa generalizada de inviabilização do contraditório em diversos países e instituições, com o fechamento de espaços e de possibilidades historicamente envoltos por deliberação, discussão, divergência, dissenso etc., o que influencia não só no ambiente político-partidário, em sentido mais estrito, mas também nas atividades exercidas nesse contexto, como a produção legislativa.
Afeta-se sobremaneira, portanto, o processo de elaboração normativa, enquanto lócus de exigência de participação dos destinatários no processo de elaboração, possibilidade de escuta de grupos representativos da sociedade civil, abertura a informações e a pontos de vista distintos a fim de buscar as melhores decisões, transparência e legitimidade do procedimento, ainda que se veja a participação como problema, devido ao maior tempo gasto no processo decisório, maior burocracia e forte pressão de grupos de interesse.
Para Karpen (2016, p. 156), a qualidade da lei depende de cinco critérios: i) nível de legislação; ii) qualidade processual; iii) qualidade formal; iv) qualidade substantiva; e, v) custos da lei. No que se refere à qualidade processual contabiliza-se, dentre outros elementos, deliberação, linguagem, transparência, bem como a acessibilidade pelos cidadãos a todo o processo e resultado.
Em sentido diametralmente oposto aos exemplos ora tratados, é imprescindível que se busque normatizar e efetivar abertura dos espaços, por exemplo através de consultas públicas, com a inclusão no ordenamento jurídico de mecanismos de participação e controle, a visar maior incremento dos espaços públicos e institucionais de deliberação e discussão, circunstância esta que contribuirá para a fixação de boas práticas normativas.
A Lei 74/98 da Assembleia da República de Portugal, sobre “publicação, identificação e formulário de diplomas” estabelece que “Quando no procedimento tiverem participado, a título consultivo ou deliberativo, por força da Constituição ou da lei, outro ou outros órgãos além do órgão de aprovação final, ou tenha decorrido uma consulta aos cidadãos eleitores, faz-se referência expressa a tal facto”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Traz-se ao procedimento legislativo a participação via consultas, e inclui-se no formulário da norma tal fato.
No Brasil, o Decreto 9.191 de 1º de novembro de 2017<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, que “estabelece as normas e as diretrizes para elaboração, redação, alteração, consolidação e encaminhamento de propostas de atos normativos ao Presidente da República pelos Ministros de Estado” dispõe em seu Capítulo VI sobre “Consulta Pública”, com procedimento próprio de participação, a incluir divulgação da consulta, com o resultado da proposta final de ato normativo ou justificativa da desistência.
Na literatura sobre o tema, Flückiger considera que as consultas públicas, especificamente realizadas em fase pré-parlamentar, são essenciais para a melhor aceitação da lei. Para o autor, as consultas encontram-se em estágio intermediário: entre o processo de informação unilateral vindo da administração pública e a democracia direta (2011, p. 186), na medida em que a consulta não redunda necessariamente em uma deliberação e decisão por aqueles que dela participam e tampouco serve como mero informativo à sociedade.
Como exemplo, podemos citar o caso da Suíça, em que o Office Fédérale de la justice traz em seu site uma série de documentos que orientam a realização das consultas públicas<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Assim, o relatório desenvolvido pela consulta deve demonstrar de maneira clara vários fatores essenciais, tais como: o objeto específico da consulta; quem elaborou o projeto alvo da consulta; onde é possível acessar os documentos; quem organizou o processo de consulta; quantos posicionamentos foram declarados, bem como quem optou por não se posicionar; argumentos contra e a favor da aprovação, ressalvas feitas, soluções alternativas apresentadas, críticas e comentários complementares, dentre outros aspectos relevantes.
A própria OCDE, inclusive, recomenda a integração sistemática de processos de consulta ao público, como forma de encorajar a participação das partes interessadas nos processos de regulamentação<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Tais processos de consulta, portanto, não apenas trazem a perspectiva dos potenciais afetados por uma proposição, como também abrem ao debate e ao dissenso as ideias que estão sendo deliberadas em contextos institucionais.
Para Flückiger, a consulta não chega a contribuir para a redução de conflitos e, na verdade, alonga os processos de tomada de decisão (2011, p. 188). De fato, a ideia das consultas não é exatamente reduzir conflitos, mas trazê-los ao processo de produção normativa, incorporando-os e tornando-os fonte de informação e participação para uma melhor regulamentação. Isso pode ajudar, inclusive, a uma melhor aceitação política da proposição adotada, mesmo que contrariamente ao que determinados grupos da sociedade pensam, já que a participação no processo pode elevar o grau de legitimidade das normas promulgadas.
A maior racionalização do processo normativo, portanto, nos moldes acima apresentados, deve considerar os efeitos e consequências para os diversos setores da sociedade, a ressaltar as <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/elaboracao-legislativa-do-executivo-precisamos-falar-sobre-avaliacao-legislativa-27102019" target="_blank" rel="noopener noreferrer">avaliações</a> de impacto prévia (ex ante) e <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/legislativo-no-diva-avaliar-para-melhor-legitimar-09082019" target="_blank" rel="noopener noreferrer">posterior</a> (ex post), e também as<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-caso-da-cannabis-porque-uma-legislacao-experimental-07122019" target="_blank" rel="noopener noreferrer"> legislações experimentais</a>, temas estes já tratados por nós, e a serem mais bem explorados na sequência desta “Série Observatório para a Qualidade da Lei”.
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O episódio 42 do podcast Sem Precedentes analisa as acusações de Donald Trump questionando a legalidade do pleito eleitoral nos EUA. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=xRgH-5h1gH8&feature=emb_title
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REFERÊNCIAS
FLÜCKIGER, Alexandre. Consulter pour mieux légiférer : Utilité des procédures de
consultation pré-parlementaires. LeGes : Législation &amp; évaluation, 2011, p. 185-190.
KARPEN, Ulrich. Improving democratic development by better regulation. Drafting legislation: a modern approach. Ed. Constantin Stefanou e Helen Xanthaki. Londres: Routledge, 2016.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: <a href="https://dre.pt/pesquisa/-/search/234316/details/normal?q=74%2F98">https://dre.pt/pesquisa/-/search/234316/details/normal?q=74%2F98</a>;
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9191.htm">http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9191.htm</a>;
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Disponível em: <a href="https://www.bj.admin.ch/bj/fr/home/staat/legistik/hauptinstrumente.html">https://www.bj.admin.ch/bj/fr/home/staat/legistik/hauptinstrumente.html</a>. O documento acesso é intitulado: Procedure de consultation: proposition pour structurer le rapport.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em: https://www.oecd.org/fr/gov/politique-reglementaire/41574101.pdf.

Presidente Jair Bolsonaro

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JOTA

Consultas públicas como mecanismo de participação e abertura no processo decisório

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