Ivan Candido da Silva de Franco

Haderlann Chaves Cardoso

Não é novidade que a interceptação telefônica, ao tempo em que configura relevante meio de obtenção de prova, carrega rígidos e delimitados parâmetros legais. A Constituição da República de 1988 dispôs, em seu inciso XII de seu artigo 5º, sobre a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, cuja ressalva ficou a cargo de decisão judicial para investigação criminal ou instrução processual penal, na forma da lei [1]. 
Com o advento da Lei nº 9.296/1996, a matéria foi regulamentada e o legislador ordinário delimitou as ocasiões nas quais tal medida excepcional poderia ser implementada, sendo que eventuais lacunas foram sanadas pela jurisprudência, tal como a possibilidade de o prazo de quinze dias para duração da medida ser sucessivamente renovado, sempre mediante autorização judicial fundamentada [2].
Embora seja mais exigente quanto aos critérios legais de sua aplicação em relação a outras quebras de sigilo, com possibilidade de emprego válida apenas quando os demais meios de obtenção de prova tenham se mostrado infrutíferos, sabe-se que a interceptação telefônica é largamente utilizada nas investigações criminais. Daí porque o respeito às restrições existentes e a interpretação sobre as hipóteses de quebra de sigilo são matérias que merecem atenção.
<ul class="jota-article__internal-links">
<li>+JOTA: <a href="https://www.jota.info/assine">Assine o JOTA e não deixe de ler nenhum destaque!</a></li>
</ul>
Se as dificuldades quanto ao controle da interceptação telefônica já se mostravam desafiadoras, o avanço da tecnologia e a proliferação de meios de comunicação que possuem dinâmicas distintas de envio e recebimento de mensagens colocaram novos pontos de atenção nos operadores do direito. 
Ou seja, há cada vez mais formas de serem feitas comunicações interpessoais e a legislação de regência para as investigações criminais não sofreu modificações substantivas. Daí porque situações fáticas não previstas expressamente em lei são levadas ao Poder Judiciário, ente estatal responsável por conferir interpretações da aplicação da lei aos casos concretos e, assim, estabelecer as balizas aceitáveis em matéria de quebra de sigilo.
Apesar das problemáticas que surgem com o avanço da tecnologia, a efetiva proteção aos direitos fundamentais deve ser protagonista num ambiente persecutório no qual remanescem inadequadas práticas investigativas empreendidas às margens das previsões normativas. No entroncamento desses assuntos, o papel dos Tribunais Superiores assume especial relevância. 
O caso objeto do presente artigo se refere à discussão acerca de quebra de sigilo de informações que transitam por meio do aplicativo de comunicação instantânea WhatsApp, popular meio de comunicação interpessoal, que evidentemente guarda características distintas das comunicações telefônicas. 
Isso porque, nas conversas telefônicas ocorre o método clássico: seja em aparelhos fixos ou móveis, as comunicações entre os interlocutores podem ser interceptadas no ato da comunicação e armazenadas em sistemas próprios. Já nas comunicações por aplicativos, além da possibilidade de chamadas, há tecnologia de comunicação por diferentes formatos (mensagens escritas, fotos, vídeos, documentos, localização geográfica) e que podem ser acessadas após o ato de interação. 
Mais do que isso, todas essas funcionalidades também podem ser acessadas pelo computador com o download do aplicativo ou por meio do navegador com o WhatsApp Web, que permite o emparelhamento por Qr Code. Até por tal abrangência, e em consonância com os regramentos internacionais e domésticos acerca da proteção à privacidade, o envio de mensagens pelo aplicativo está sob a criptografia de ponta a ponta, que basicamente não permite o armazenamento de conversas por parte da empresa que o administra, bem como a possibilidade de exclusão de mensagens enviadas.
Sobre o perfil desse aplicativo, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça apreciou recentemente recurso ordinário e, por unanimidade, decidiu não ser cabível usar a analogia para equiparar a interceptação telefônica com o espelhamento de conversas operadas por intermédio do WhatsApp, que ocorre por meio do recurso WhatsApp Web [3]. O julgamento é de interesse na medida em que sinaliza a extensão do alcance da interceptação telefônica envolvendo uma nova forma de comunicação: aquela realizada por meio de aplicativo de comunicação instantânea [4]. 
O caso concreto tratava sobre pedido para cassação de decisão que permitiu que policiais apreendessem o aparelho celular do indivíduo alvo da investigação e o restituísse após conseguir espelhar as conversas do aplicativo WhatsApp com a utilização do WhatsApp Web. Como se sabe, tal recurso permite o acesso a todas as conversas já registradas no citado aplicativo, bem como enviar, receber, acompanhar ou apagar definitivamente qualquer mensagem.
O ponto crucial que apontou a direção do julgamento foi o fato de que não há semelhança entre os dois meios de comunicação que pudesse permitir, de plano, tais analogias. Conforme o voto da relatora, Min. Laurita Vaz, enquanto no curso da interceptação telefônica existe apenas a observação das conversas efetuadas e recebidas após a quebra do sigilo (ex nunc), o espelhamento via WhatsApp Web permite o acesso a toda e qualquer mensagem, encaminhada ou recebida, antes e depois da decisão judicial (ex tunc), bem como autoriza que o agente público participe das conversas ou até mesmo as exclua. 
Outra questão importante enfrentada pela Ministra Relatora foi o fato de que, ao ter feito tal analogia, a decisão judicial recorrida não apontou os períodos sobre os quais essas quebras de sigilo deveriam recair. Tal ponto seria importante tendo em vista que o acesso via WhatsApp Web permitiria visualizar todas as conversas já registradas no aplicativo, o que concederia à autoridade policial acesso ilimitado a qualquer comunicação já realizada pelo indivíduo alvo da investigação.
Certamente, a decisão vem na esteira de outros julgados da corte que não admitem a validade de provas coletadas a partir de conversas em WhatsApp de aparelho celular apreendido, sem que houvesse prévia decisão judicial [4] [5]. Destaca-se que, no caso acima descrito, houve ainda mais particularidades, tendo em vista que, embora existisse decisão judicial, sua fundamentação não foi válida em razão da indevida analogia empregada.
O tema é importante porque o STJ sinaliza o entendimento sobre a impossibilidade de se implementar analogias para permitir o acesso ao WhatsApp Web como se tal instrumento fosse uma mera conversa telefônica. Por outro lado, o caso demonstra que a legislação atual sobre quebra de sigilo não contempla a possibilidade de acesso e acompanhamento de conversas por meio de WhatsApp Web. Por certo, ao tempo em que isso cria desafios às investigações criminais, precisa gerar movimentos para que a legislação e sua interpretação possam evoluir e atingir esses novos meios de comunicação amplamente utilizados, sem descuidar da proteção aos direitos dos cidadãos. 

-------------------------------------
[1] BRASIL. Constituição Federal (1988) “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;   <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9296.htm">(Vide Lei nº 9.296, de 1996)</a>.”
[2] <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9296.htm">http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9296.htm</a>
[3] Recurso em Habeas Corpus 99.735/SC
<a href="https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&amp;sequencial=1777437&amp;num_registro=201801533498&amp;data=20181212&amp;formato=PDF">https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&amp;sequencial=1777437&amp;num_registro=201801533498&amp;data=20181212&amp;formato=PDF</a>
[4] <a href="https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=rhc98250&amp;aplicacao=processos.ea&amp;tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&amp;chkordem=DESC&amp;chkMorto=MORTO">https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=rhc98250&amp;aplicacao=processos.ea&amp;tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&amp;chkordem=DESC&amp;chkMorto=MORTO</a>
[5] <a href="https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=resp1701504&amp;aplicacao=processos.ea&amp;tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&amp;chkordem=DESC&amp;chkMorto=MORTO">https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=resp1701504&amp;aplicacao=processos.ea&amp;tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&amp;chkordem=DESC&amp;chkMorto=MORTO</a>

internet-3113279_1920

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

O caso dos aplicativos de comunicação instantânea

Problemáticas da interpretação extensiva da Lei de Interceptação Telefônica

O caso dos aplicativos de comunicação instantânea