Fernando Antônio Ribeiro Soares

Publicamos no JOTA os artigos “<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/como-se-privatiza-uma-empresa-estatal-mitos-e-verdades-21062022">Como se Privatiza uma Empresa Estatal: Mitos e Verdades – Partes I e II</a>”, ambos em junho de 2022. Nestes artigos foram explicitadas toda a processualística e a complexidade de operacionalização de uma privatização. Porém, antes de processar ou operacionalizar uma privatização, deve ser realizada a análise de contexto e de cenário para tomada desta decisão. Nesse mesmo aspecto, é importante demonstrar ou, pelo menos, sugestionar que isso pode ser realizado fora de um ambiente ideológico. De outra forma, gostaria de detalhar que esta é uma decisão que pode ser tomada a partir de preceitos jurídicos, econômicos e de políticas públicas, minimizando, dessa forma, o subjetivismo de correntes políticas, por vezes antagônicas.
Pretende-se, portanto, sair do debate às vezes estéril entre “liberais” e “intervencionistas”. Tais grupos, em determinadas situações, atuam numa oferta e demanda de regulação tal como trata a Teoria da Escolha Pública (Public Choice). De fato, há o atendimento de determinados grupos de pressão organizados ao invés de fazer as citadas análises jurídicas, econômicas e de políticas públicas das reais necessidades da sociedade. No entanto, como sabemos, a sociedade, apesar de um grupo extremamente mais numeroso, é difuso e praticamente incapaz de estabelecer sua demanda enquanto eleitor mediano.
Sucessivamente nos vemos à volta do discurso do “entreguismo” versus “corporativismo”. Creio que tal disputa, em termos de sociedade, não nos garantirá um melhor bem-estar social, mas tão somente atenderá à chamada disputa de grupos de interesse, que, conforme já dito, devidamente organizados, e não à sociedade. Diante desses preceitos, pode-se determinar que a intervenção direta do Estado na economia (a intervenção empresarial) só deverá se dar em casos específicos, em exceções. Não se trata de fazer apologia à minha vontade, mas do “Título da Ordem Econômica e Financeira” e, em especial, do art. 173 da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm">Constituição Federal</a>. Caso a vontade seja hoje, pode-se propor uma emenda constitucional. Porém, este é ordenamento jurídico que impera no momento.
Sempre volto ao art. 173 para fundamentar meu raciocínio: “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo.”
Como em outras oportunidades, observei que os casos de segurança nacional se associam a atividades tipicamente de Estado em que optou-se por uma forma organizacional empresarial. São, de fato, exceções que não demandam maior elaboração neste artigo. Me comprometo, caso demandado, a explorar num artigo apenas este elemento e suas nuances.
Concentraremos nossas atenções para o “relevante interesse coletivo”, que, de fato, abarca a grande maioria das estatais brasileiras. Somando-se ao fato de as estatais serem constitucionalmente uma exceção e o relevante interesse coletivo, podemos concluir que a provisão estatal só poderia se dar onde não há uma oferta de bens privados ou esta oferta é insuficiente, nacional ou importada. Não é o momento de tratar esta questão, mas, em grande medida, estaria associado às falhas de mercado e, consequentemente, com a execução de políticas públicas demandadas pela população.
Este seria o principal critério para desestatizar ou manter uma empresa estatal e não a execução de argumentos retóricos. Aliás, não estou defendendo algo inusitado, mas apontando metodologias da própria OCDE. Atende ou oferta algo importante que a sociedade não pode obter no mercado? Se sim, temos suficientes argumentos para a existência e manutenção da empresa estatal.
Por outro lado, também é importante avaliar a manutenção da estatal por outro prisma. Há estatais, sejam federais, estaduais, do DF ou municipais constituídas há décadas. A configuração de mercado ou da indústria quando elas foram criadas era uma. Agora, em alguns caos, pode ser muito diferente. Isso por si só sugestiona a necessidade de reavaliar a necessidade da estatal. Esta é uma importante pergunta que não pode ser respondida se sim ou se não. Precisa da devida análise e mais ainda a devida motivação da decisão.
Como dito, condições de mercado – composição de custos, tecnologia, preferências da sociedade ou dos consumidores etc. – se alteram ao longo do tempo. Consequentemente, também pode se alterar a necessidade de manutenção do Estado empresário em determinado setor. Como exemplos podemos citar facilmente os setores (ou indústrias) da siderurgia, a mineração,<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> as telecomunicações (telefonia, dados etc.) e, mais recentemente, o setor elétrico.
Em havendo esta substituição pela provisão privada é efetivamente a hora de se pensar na desestatização ou, em termos mais simples, na privatização. Vamos explorar um pouco mais? E se a população ou parte da população não tiver recursos monetários para adquirir esses bens ou serviços? Ora, não está aqui se defendendo que não haja a provisão do bem ou do serviço pelo Estado. Está somente se dizendo que esse bem ou serviço não precisa ser produzido pelo Estado, o que, por si só, já minimiza custos de transação. Na mesma linha, a oferta de bens privados pelo Estado mediante a contratação ou a adequada regulação do mercado pode tornar esta oferta mais barata, não? Em outros termos, não é questão de sim ou não, mas de fazer conta! Alocar eficientemente recursos públicos que por definição são escassos. Não podemos também confundir a provisão estatal com a produção estatal.
Vamos voltar a este último ponto: alocação eficiente de recursos que por definição são escassos, sendo ainda mais escassos no setor público. Caso contrário, nem teríamos a necessidade das Ciências Econômicas – não precisaria preocupar com a alocação de recursos, porque estes simplesmente abundariam, seriam infinitos. Ainda em relação à maior escassez no setor público, somos ainda um país em desenvolvimento com enormes desigualdades sociais. Portanto, as demandas sociais, não necessariamente clientelistas, ainda são quase infinitas. Nesse cenário, a realocação dos recursos públicos, inclusive aqueles obtidos mediante a realização de processos de desestatização, torna-se uma desconfortável, mas verdadeira realidade, porém, reitero, isso deriva de uma decisão motivada, mas não de preconceitos preconcebidos.
*Este texto não reflete o pensamento dos órgãos e entidades aos quais o escritor é vinculado.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A mineração de minerais radioativos precisaria de um grande parênteses. Acho que é válido abrir a discussão, mas esta estaria tão somente iniciando.

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JOTA

Decisão pode ser tomada a partir de preceitos jurídicos, econômicos e de políticas públicas

Privatização: uma opção ideológica? Não!

Decisão sobre privatização pode ser tomada a partir de preceitos jurídicos, econômicos e de políticas públicas