Renato Ramalho

O dia 18 de maio de 2022 ficou marcado pelo protagonismo do Tribunal de Contas da União (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">TCU</a>) no noticiário político brasileiro. De um lado, a imprensa divulga que o <a href="https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/05/18/tcu-privatizacao-eletrobras.ghtml">Tribunal “aprova processo de privatização da Eletrobras”</a>. De outro, que o <a href="https://g1.globo.com/politica/blog/valdo-cruz/post/2022/05/18/tcu-vai-entrar-no-debate-para-defesa-das-urnas-eletronicas.ghtml">“TCU vai entrar no debate para defesa das urnas eletrônicas”</a>.
Não se discute o mérito dos temas julgados. Mas onde eles estão sendo discutidos. A única questão aqui debatida é: teria o Tribunal de Contas competência para “aprovar” privatizações e “defender” as urnas eletrônicas?
De acordo com a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm">Constituição Federal</a>, não. As arenas política e técnica não se confundem. Segundo a Carta de 1988, o Tribunal de Contas (seja federal, estadual ou municipal) é órgão auxiliar do Parlamento, na importante função de analisar as contas de gestores públicos e de promover auditorias e inspeções de caráter contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial. Na formulação de políticas públicas, Tribunais de Contas podem contribuir, por exemplo, por meio da apresentação de estudos, dados e informações. Exerce o chamado controle técnico da Administração Pública. Por sua vez, o controle político é atribuição do próprio Parlamento.
Mas parece não haver no Brasil uma compreensão clara dos limites dos Tribunais de Contas. Até mesmo o controle exercido pelo Judiciário é melhor delimitado. Por exemplo, sua atuação depende que as partes ajuízem ações judiciais (princípio da inércia da jurisdição) e as diversas instâncias são formadas por diferentes julgadores (princípio do duplo grau de jurisdição). O mesmo não ocorre com o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">Tribunal de Contas</a>. Ele próprio instaura seus processos. Ele mesmo decide. Os mesmos julgadores apreciam eventuais recursos. Tudo isso sem um procedimento que viabilize integralmente a ampla defesa (raramente se possibilita a produção de prova testemunhal ou pericial<a href="#_ftn1" name="_ftnref3">[1]</a>, por exemplo).
As instituições devem defender as premissas que sustentam o Estado Democrático de Direito, tal como o processo eleitoral. Também devem defender o interesse público, objetivando, por exemplo, o fornecimento de energia elétrica de qualidade e com preço acessível à população. Isso é inquestionável. Contudo, essas defesas devem se dar no campo de cada competência estabelecida na Constituição.
Sobre privatizações, o Poder Executivo formula os projetos e o Poder Legislativo tem a competência de aprová-los ou rejeitá-los, ambos atuando com base na legitimidade democrática que obtiveram pelo voto popular. Na área de energia elétrica, há agência reguladora específica (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/aneel">Aneel</a>) para normatizar e fiscalizar o setor. O TCU pode colaborar com análises e estudos técnicos, mas não possui competência para “aprovar” políticas públicas sobre energia elétrica.
A respeito das urnas eletrônicas, quando parte minoritária dos militares, sem qualquer evidência, questiona o processo eleitoral, a imprensa corretamente esclarece que as Forças Armadas não possuem tal competência. Como bem disse recentemente o economista Daniel Sousa em programa televisivo, num Estado democrático de Direito, a burocracia estatal, como o Exército, <a href="https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/05/5005959-forcas-armadas-nao-dao-palpite-fala-de-comentarista-de-tv-viraliza.html">não dá palpite sobre urnas eletrônicas</a>.
Por que o mesmo entendimento não se aplica ao TCU? E se a Corte de Contas venha a decidir em sentido oposto? Teria competência para colocar em xeque a confiabilidade das urnas? Poderia dar palpite na defesa de eventual voto impresso?
O noticiário político mostra que é urgente a necessidade de se discutir os limites para atuação dos Tribunal de Contas no país. O respeito às competências previstas constitucionalmente é requisito fundamental para a preservação do Estado democrático de Direito e da separação de Poderes. Não pode haver no Brasil instituição onipresente e onipotente.<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a>
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<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[1]</a> Acórdãos 1.599/2007-Plenário, 611/2007-1ª Câmara e 1.098/2008-2ª Câmara.

TCU julgamento Eletrobras

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JOTA

Não se discute o mérito dos temas julgados, mas onde eles estão sendo discutidos

Privatização da Eletrobras e urnas eletrônicas: quais os limites do TCU?

Teria o Tribunal de Contas da União (TCU) competência para “aprovar” privatizações e “defender” as urnas eletrônicas?