Erick Kiyoshi Nakamura

Em dois episódios de outubro do Podcast do JOTA, Sem Precedentes (ep. <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/sem-precedentes/decisao-mais-problematica-caso-andre-do-rap-marco-aurelio-fux-16102020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">39 </a>e <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/sem-precedentes/sem-precedentes-a-nao-sabatina-de-kassio-nunes-marques-para-o-stf-23102020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">40</a>), Diego Werneck Arguelhes apontou a liminar de afastamento do Senador Chico Rodrigues, proferida pelo Ministro Roberto Barroso na Petição nº 9218/DF, como destaque das semanas. Primeiro, em razão dos entendimentos que o Ministro consignou na liminar. Depois, pela ausência de pronunciamento do Plenário sobre a matéria. Afinal, após o parlamentar ter se licenciado do mandato, os efeitos da decisão de afastamento foram suspensos pelo Ministro Relator, com a retirada de submissão ao Plenário na pauta do dia 21/10/2020.
Para além das particularidades do caso, Werneck fez um destaque necessário. A decisão não apenas suspende o mandato do parlamentar, utilizando-se da competência que o Supremo Tribunal Federal se atribuiu, admitindo posterior juízo da Casa Legislativa, mas afirma que há dúvida se parlamentar no exercício do mandato pode, ou não, ser preso preventivamente.
Segundo o Ministro, a dúvida se fundamenta em razão de que, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5526, “nada se decidiu, de modo claro e definitivo, sobre a possibilidade ou não de decretação da prisão preventiva”; tendo, ainda, cinco Ministros manifestado de modo expressamente desfavorável a essa possibilidade. Nesse sentido, deixou de decretar a prisão preventiva do Senador tão somente em “respeito ao colegiado da Corte”.
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
A decisão levanta uma dúvida que deve ser analisada: a Constituição autoriza a decretação de prisão preventiva de parlamentar? Para responder à questão, é necessário, primeiramente, analisar os argumentos levantados pelo Ministro Barroso na Petição nº 9218/DF, voltando-se à discussão empreendida na ADI nº 5526.
Esta ação foi proposta pelo Partido Progressista (PP), pelo Partido Social Cristão (PSC) e pelo Solidariedade (SD) após a decisão liminar do Ministro Teori Zavascki, em maio de 2016, no âmbito da Ação Cautelar nº 4070, de suspensão do então Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), pela aplicação de uma medida cautelar pessoal diversa da prisão (art. 319, VI, CPP). A decisão, referendada pelo Plenário em razão da situação de “franca excepcionalidade”, afirmava expressamente inexistir “previsão específica, com assento constitucional, a respeito do afastamento, pela jurisdição criminal, de parlamentares do exercício de seu mandato”.
<blockquote class="jota-article__eye">Até então inédito, o afastamento cautelar de parlamentar com base em disposição do Código de Processo Penal foi novamente promovido pelo Supremo Tribunal Federal em face do então Senador Aécio Neves, cujo segundo afastamento do mandato, decretado em setembro de 2017 pela Primeira Turma do Tribunal, gerou clima de alta tensão entre os poderes.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> Neste clima foi pautada e decidida a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5526.</blockquote>
Apesar de se dar maior destaque à decisão central do Tribunal, o Plenário, na referida ação, versou sobre três teses: (i) por unanimidade, julgou inconstitucional a decretação de prisões cautelares, temporárias ou preventivas, aos parlamentares por ser vedada pela Constituição a prisão dos parlamentares, salvo flagrante de crime inafiançável, a partir da diplomação (art. 53, § 2º, CRFB); (ii) vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Marco Aurélio e, em parte, Dias Toffoli, decidiu serem aplicáveis medidas cautelares penais aos parlamentares, mesmo que afetem o exercício do mandato; (iii) superados tais pontos, por apertada maioria de seis votos, entendeu que quando as medidas “impossibilitem, direta ou indiretamente, o pleno e regular exercício do mandato parlamentar e de suas funções legislativas, serão remetidos dentro de vinte e quatro horas a Casa respectiva, nos termos do §2º do artigo 53 da Constituição, para que, pelo voto nominal e aberto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão ou a medida cautelar”.
Nesse sentido, a ementa da decisão proferida em controle concentrado contradiz a existência da fundada dúvida a que o Ministro Barroso faz referência. De forma inequívoca, dispõe que “a imunidade formal prevista constitucionalmente somente permite a prisão de parlamentares em flagrante delito por crime inafiançável, sendo, portanto, incabível aos congressistas, desde a expedição do diploma, a aplicação de qualquer outra espécie de prisão cautelar, inclusive de prisão preventiva prevista no artigo 312 do Código de Processo Penal”.
A divergência apontada pelos cinco Ministros vencidos não diz respeito à possibilidade de decretação de prisão preventiva, mas sim em relação à necessidade, ou não, de envio da decisão de aplicação de medidas cautelares penais para ulterior deliberação pela Casa Legislativa.
Portanto, a dúvida levantada não se sustenta na argumentação disposta pelo Ministro. A seu turno, a Constituição é cristalina com relação à matéria, dispondo, no § 2º do artigo 53, que desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Neste caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. Protege-se, dessa forma, o parlamentar, sem qualquer diferenciação em relação à prisão-pena e à prisão-cautela.
Referida previsão constitui parte das imunidades formais parlamentares, que foram garantidas em todas as Constituições brasileiras, ainda que em menor grau em momentos autoritários. Por certo, a doutrina há muito discute a necessidade de adequação da garantia aos limites de sua finalidade<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> – a de garantir um parlamento que possa ser livre para tomar decisões na esfera democrática, observados os limites constitucionais.
Ainda que, por isso, exista a defesa de que a prisão preventiva do parlamentar deve ser promovida pela jurisdição, por uma leitura das imunidades formais à luz do princípio republicano,<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> é necessária clareza argumentativa por parte da doutrina e da jurisprudência. Não há, pois, espaço para dúvida: não é cabível prisão preventiva de parlamentar federal (art. 53, § 2º, CRFB) ou estadual (art. 27, § 1º, CRFB), à exceção da prisão em flagrante por crime inafiançável, hipótese em que deverá ser seguido o rito do § 2º do artigo 53 da Constituição.
O desrespeito às normas expressamente postas se demonstra do caso Delcídio do Amaral, em sede da Ação Cautelar nº 4039. Apesar de a Procuradoria-Geral da República ter requerido a prisão preventiva de Senador, o Ministro Teori Zavascki negou-a, pois inadmissível constitucionalmente, decretando a prisão do senador por flagrante de crime inafiançável – mediante uma argumentação heterodoxa que fez com que se considerasse decretada, na prática, uma prisão preventiva.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
De igual forma, em decisão na Reclamação nº 32540, a Ministra Cármen Lúcia deixou de conceder de imediato a liberdade de parlamentares estaduais presos preventivamente, determinando a remessa dos autos à Casa Legislativa para deliberação, alegadamente em aplicação do entendimento consolidado na ADI nº 5526; sem considerar, contudo, todas as teses ali formadas.
Assim, há que se considerar que, mesmo que sejam apresentadas críticas ao instituto das imunidades formais, a atividade da jurisdição constitucional não pode se pautar como equivalente ao exercício de reforma constitucional. Tais mudanças jurisprudenciais, além de ultrapassarem os limites do texto normativo, são incertas em sua argumentação e inconstantes em sua aplicação.
Neste caminho, pode-se moldar um cenário em que apenas as particularidades do caso importam; mais, inclusive do que as decisões proferidas anteriormente e do que a própria Constituição. O afastamento, ora sem previsão constitucional, passa a tê-lo; a prisão, expressamente vedada pela Constituição e pelo entendimento consolidado à unanimidade pelo Plenário do STF, passa a ser discutível, haja vista fundada dúvida.
É preciso que o Supremo Tribunal Federal respeite o seu papel de intérprete da Constituição e de garantidor dos direitos fundamentais. Caso queira desvirtuá-lo afastando norma expressa da Constituição, é preciso que diga claramente para que arque, pelo menos, com os ônus de suas decisões.
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O episódio 42 do podcast <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/sem-precedentes" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Sem Precedentes</a> analisa as acusações de Donald Trump questionando a legalidade do pleito eleitoral nos EUA. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=xRgH-5h1gH8&feature=emb_title
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Sobre o contexto desta decisão, ver: RECONDO, Felipe; WEBER, Luiz. Os onze: O STF, seus bastidores e as suas crises. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 252-256.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Nesse sentido, interessante a visão de Pedro Aleixo (ALEIXO, Pedro. Imunidades parlamentares. Belo Horizonte, Minas Gerais: Ed. UFMG, Revista Brasileira de Estudos Sociais e Políticos, nº 18, 1961).
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> TEIXEIRA, Marcelo Santos. Prisão preventiva de parlamentares: ativismo ou republicanismo? Jota, 20 abr. 2018. Disponível em: &lt;https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/prisao-preventiva-de-parlamentares-ativismo-ou-republicanismo-20042018&gt;. Acesso em 27 out. de 2019.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Sobre a fundamentação da decisão, ver, dentre outros: SALGADO, Eneida Desiree. Populismo judicial, moralismo e o desprezo à Constituição: a democracia entre velhos e novos inimigos. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, nº 117, pp. 208-209, jul./dez. 2018. Sobre os bastidores desta decisão, ver: RECONDO, Felipe; WEBER, Luiz. Os onze: O STF, seus bastidores e as suas crises. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 48-49; p. 53-58.

barroso

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JOTA

Para responder à questão, é necessário analisar os argumentos levantados pelo Ministro Barroso na Petição nº 9218/DF

É possível a decretação de prisão preventiva de parlamentar?

É possível a decretação de prisão preventiva de parlamentar? Para responder, é necessário analisar argumentos do Ministro Barroso na Petição nº 9218/DF