Angela Barbarulo

Pedro Hartung

A má gestão socioambiental e climática no Brasil exige de todos, inclusive da Justiça, ações concretas e contundentes. Especialmente quando se sabe que são as crianças as mais afetadas por suas consequências, como têm ocorrido em Petrópolis (RJ) e outras cidades do Amazonas, de Minas Gerais e de São Paulo. No próximo dia 30/3, quando o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">Supremo Tribunal Federal</a> (STF) analisará sete processos que procuram garantir medidas efetivas de preservação socioambiental, será a hora de garantir que as crianças possam ser protegidas com absoluta prioridade contra os efeitos nefastos do desmatamento da floresta amazônica, da poluição do ar que mata e danifica a saúde, e de toda a má gestão governamental no cuidado da natureza, nossa fonte de vida.
O cenário climático e socioambiental no Brasil é alarmante. A <a href="https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2021/11/18/desmatamento-na-amazonia-passa-de-13-mil-km-entre-agosto-de-2020-e-julho-de-2021-apontam-dados-do-prodes.ghtml">taxa de desmatamento da Amazônia</a>, divulgada no final de 2021, alcançou a inaceitável marca de 13.235 km2 entre agosto de 2020 e julho de 2021, representando um aumento de 75% em relação a 2018. No nosso país, entre as principais fontes de  emissão de gases do efeito estufa está a alteração do uso da terra, com desmatamento associado a queimadas que intensificam a poluição do ar e provocam a desestabilização do clima, <a href="https://www.hrw.org/pt/report/2020/08/26/376135">impactando a saúde e a vida das crianças</a>.
A paralisação do Fundo Amazônia, a partir de 2019, principal fonte de financiamento de projetos da execução do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), evidencia a omissão do governo federal no cumprimento de suas obrigações constitucionais de proteção da Floresta Amazônica. Essa paralisação e inexecução impedem que o Brasil cumpra as metas climáticas que assumiu, mesmo tendo depositado e disponível, no Fundo, o valor de <a href="http://www.fundoamazonia.gov.br/export/sites/default/pt/.galleries/documentos/rafa/RAFA_2020_port.pdf">R$ 3,028</a><a href="http://www.fundoamazonia.gov.br/export/sites/default/pt/.galleries/documentos/rafa/RAFA_2020_port.pdf"> bilhões</a>.
No que se refere à poluição atmosférica, nos encontramos em verdadeiro atraso com relação aos padrões de qualidade do ar definidos pela <a href="https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/09/22/oms-lana-diretrizes-para-limitar-emisso-de-poluentes-atmosfricos-mais-perigosos.ghtml">OMS</a> (Organização Mundial da Saúde). A cada ano, cerca de 7 milhões de mortes prematuras são atribuíveis à poluição do ar – 800 pessoas a cada hora ou 13 a cada minuto no mundo, de acordo com a <a href="https://www.who.int/health-topics/air-pollution#tab=tab_1">OMS</a>. Globalmente, 93% das crianças respiram ar com concentrações mais elevadas de poluentes do que a organização considera seguras. No <a href="https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/190240">Brasil,</a> conforme <a href="https://saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/analise-do-monitoramento-de-qualidade-do-ar-no-brasil-2019/">relatório do ISS</a> (Instituto Saúde e Sustentabilidade), em 2019, das 27 unidades federativas, 20 (74%) não realizavam sequer monitoramento; ou deixaram de realizar; ou realizam de forma obsoleta ou ineficiente. Apenas 26% (6 estados e o DF) atendem o regulamento <a href="https://wribrasil.org.br/sites/default/files/wri-o-estado-da-_qualidade-do-ar-no-brasil.pdf">vigente</a>.
Todas as discussões que serão enfrentadas pelo STF no próximo dia 30 têm relação direta com a emergência climática e a proteção de direitos fundamentais e humanos, especialmente dos mais vulneráveis, como o direito à vida, à saúde e bem-estar (incluindo acesso à saneamento básico), à alimentação, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à segurança no núcleo familiar. Proteger a natureza para garantir os direitos de crianças e adolescentes é urgente e necessário. <a href="https://www.unicef.org/reports/climate-crisis-child-rights-crisis">Relatório do Unicef</a> lançado em agosto do ano passado revelou que quase todos os meninos e meninas na Terra estão expostos a pelo menos um risco climático e ambiental. Nesse documento, o Unicef classificou a crise climática como uma crise dos direitos das crianças. Hoje, <a href="https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/um-bilhao-de-criancas-estao-extremamente-expostas-aos-impactos-da-crise-climatica">1 bilhão das crianças </a>vulneráveis ​​do mundo estão em risco. Se nada for feito, amanhã serão todas.
De 163 países no ranking elaborado pelo <a href="https://www.unicef.org/reports/climate-crisis-child-rights-crisis">Unicef</a>, o Brasil encontra-se em 70º lugar, apresentando um indicador elevado e muito preocupante de 7,3 (até 10) de fatores de riscos ambientais e climáticos. São as crianças e adolescentes mais vulneráveis – como as meninas negras e periféricas – que sofrem de forma ainda mais grave os efeitos perversos da falta de enfrentamento e gestão efetiva dos desafios socioambientais e climáticos em nosso país. Por isso, a emergência climática e seus impactos levantam questões intergeracionais e de direitos fundamentais e humanos. À medida que as autoridades públicas abordam as complexidades desse problema, elas farão escolhas que terão efeitos profundos sobre a robustez e integridade da Terra e sobre o bem-estar das presentes e futuras gerações.
A equidade entre gerações é central para essas escolhas e, portanto, se torna imperativo que o princípio da equidade intergeracional esteja no centro do debate jurídico do Supremo. Somando-se a ele, é importante evocar o princípio constitucional da precaução, que revela a responsabilidade para com as futuras gerações e coloca todos os indivíduos vivos no presente, como guardiões do tempo e das vidas futuras. A dimensão intergeracional do princípio da solidariedade aponta também para um complexo de responsabilidades e deveres das gerações contemporâneas em resguardar condições existenciais para as pessoas que virão, bem como da solidariedade de adultos para com as crianças.
Tudo isso encontra suporte constitucional no próprio caput dos artigos 225 e 227 da Constituição, ao estabelecerem, respectivamente, que se impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o ambiente para as presentes e futuras gerações e de todos solidariamente – os adultos em famílias, sociedade e Estado –, garantirem os direitos fundamentais de crianças e adolescentes com absoluta prioridade.
Por esses mesmos artigos, todos nós temos, mas as crianças com prioridade absoluta, o direito ao meio ambiente saudável e estável, conceito que foi também adotado recentemente pelo <a href="https://news.un.org/en/story/2021/10/1102582">Conselho de Direitos Humanos da ONU,</a> na Resolução 48/13 de 2021. Trata-se de um direito fundamental basilar e estruturante, diretamente relacionado a todos os outros direitos fundamentais, como o próprio direito à vida: não há vida sem ar e não há ar sem a vida da natureza e de suas árvores. Por isso, a importância da observação da proteção da integridade da Natureza como bem jurídico autônomo, como dever do Estado de “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais” por meio da previsão do inciso I do artigo 225 da Constituição Federal. Assim, a tutela dos direitos fundamentais de terceira dimensão está intrinsecamente vinculada ao cumprimento de deveres fundamentais de proteção ambiental.
Não é por outro motivo que crianças do mundo inteiro, em nome do "direito ao futuro" agora no presente, levantam bem alto a bandeira da justiça climática, cobrando dos líderes ações rápidas e decisivas contra aquela que já é, hoje, a mais grave violação dos direitos intergeracionais da história. A análise dessas ações pelo Supremo deve obrigatoriamente estar baseada nos direitos das crianças e adolescentes previstos no artigo 227 da Constituição, o que significa, também, partirmos de uma visão de direitos humanos pautada na justiça e solidariedade intergeracional. As múltiplas infâncias brasileiras – indígenas, ribeirinhas, quilombolas, rurais, urbanas etc. – <a href="https://criancaenatureza.org.br/acervo/24271">precisam da floresta em pé</a>. Deparamo-nos  com um desafio civilizacional em favor do  bem comum  e de uma mudança de perspectiva que situa a  dignidade humana diretamente relacionada com a natureza. Bem como a prioridade absoluta das crianças, seus direitos e interesses,  no centro de toda e qualquer ação e decisão jurídica e política.
Para garantir a vida e saúde da nossa casa comum, dos nossos filhos, filhas, netos, netas e toda descendência vindoura, os riscos climáticos e socioambientais apontados nas 7 ações pautadas devem ser levados em urgente consideração. Caberá ao STF garantir esperança e solidariedade às presentes e futuras gerações. A Justiça tem nas mãos o presente e o futuro das infâncias.

O meio ambiente ‘nas mãos’ do STF

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Justiça climática e socioambiental como efetivação do princípio da equidade intergeracional

Proteger a natureza é cuidar das crianças brasileiras com absoluta prioridade

Justiça climática para efetivar princípio da equidade intergeracional; STF analisa 7 processos que buscam garantir preservação socioambiental