Carolina Fidalgo

Fabiana Topini

Larissa Camargo Costa

Paulo Samico

De acordo com levantamento realizado pela Anvisa em 2022,<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> foram encontradas mais de 23 mil possíveis irregularidades na oferta e publicidade de produtos sujeito à vigilância sanitária na internet. Os principais produtos envolvidos nessas irregularidades são produtos como suplementos alimentares, produtos para queda de cabelo e estimulantes sexuais.
Recentemente, um produto intitulado “Pau de Mendigo”, cuja finalidade seria a de estimulante sexual, entrou na mira da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/anvisa">Anvisa</a>. Tendo como garoto propaganda um homem em situação de rua, que ficou conhecido no Brasil por ter sofrido lesões corporais de um outro homem que o flagrou tendo relações sexuais com sua esposa em meio a um surto psicótico, o produto não possui registro no órgão regulador.
Na rotulagem do produto em questão, constaria ainda a informação de que ele seria isento de registro pela Resolução RDC nº 27/2010 da Anvisa, com as alterações da RDC nº 240/2018<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
A RDC nº 27/2010 (resolução que estabelece categorias de alimentos isentos de registro sanitário), contudo, não se aplica ao produto em questão, eis que este contém alegações terapêuticas (estimulante sexual). Produtos com alegações terapêuticas são considerados, pela Anvisa, como medicamentos conforme indica o art. 4º da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5991.htm">Lei 5.991/1973</a>. Empresas fabricantes de medicamentos devem obter autorização de funcionamento junto à Anvisa (AFE), licenças sanitárias no âmbito municipal/estadual, além de certificado de boas práticas de fabricação.
Além disso, tanto o nome quanto a publicidade de medicamentos são sujeitos a uma série de restrições regulatórias, sendo pouco provável que a agência deferisse pedido de registro com a utilização do nome mencionado<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Atualmente, de acordo com a RDC nº 44/2009 da Anvisa, “somente farmácias e drogarias abertas ao público, com farmacêutico responsável presente durante todo o horário de funcionamento, podem realizar a dispensação de medicamentos solicitados por meio remoto, como telefone, fac-símile (fax) e internet” (art. 52).
E essa é só uma amostra das questões básicas a serem consideradas antes da colocação de um produto como esse no mercado.
O exemplo aqui examinado serve de alerta para empresas que queiram oferecer novos produtos ou serviços.
Neste caso, a Anvisa instaurou processo administrativo sancionador para apurar o cometimento de infração sanitária em razão: (i) da suposta venda de medicamento sem registro, feita por pessoa sem licença ou autorização das autoridades sanitárias, na forma do art. 19, IV da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6437.htm">Lei 6.437/1977</a>, além (ii) da suposta realização de propaganda irregular de produto sujeito à vigilância sanitária. Ainda que seja um caso oriundo de uma situação lamentável, serve de exemplo para startups e jovens empreendedores que almejam inserir novos produtos no mercado brasileiro.
Antes de lançar qualquer produto, é absolutamente essencial verificar se o mesmo é regulado e quais são os requisitos regulatórios necessários para que seja licitamente inserido no mercado consumidor.
<blockquote class="jota-article__eye">Produtos como alimentos, medicamentos, cosméticos, produtos para higiene, agrotóxicos, saneantes, derivados do tabaco, equipamentos e materiais médico-hospitalares, odontológicos e hemoterápicos e de diagnóstico laboratorial, são sujeitos à regulação sanitária, nos termos da Lei 9.782/99, por exemplo.</blockquote>
Nesse rol, incluem-se desde fraldas para bebês até uma tinta de parede com ação repelente, passando pelas vacinas, medicamentos e softwares utilizados na área da saúde.
Mas a lista é exemplificativa. Qualquer produto que possa trazer risco à saúde pode ser sujeito à regulação sanitária. E a evolução da tecnologia só aumenta as incertezas quanto ao que pode ou não ser enquadrado com um produto regulado.
Nem todo produto listado pela <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9782.htm">Lei 9.782/99</a> é sujeito a registro, mas todos são sujeitos à regulação sanitária, podendo haver normas sobre boas práticas de fabricação, publicidade, comercialização, embalagens, entre outros aspectos.
Há algumas categorias de produtos para as quais existe assimetria regulatória baseada no risco. Como já apontado acima, há alimentos que são isentos de registro na Anvisa, nos termos da RDC nº 27/2010, mas há outros que dependem de avaliação prévia pela agência. É o caso dos novos alimentos, alimentos infantis ou suplementos alimentares contendo enzimas ou probióticos. Além disso, a Anvisa deve aprovar todos os constituintes de suplementos alimentares (mesmo aqueles dispensados de registro) e as alegações que serão realizadas com relação a eles.
O mesmo se passa com outros setores. A regulação sanitária é complexa, sendo importante que a empresa interessada em colocar novos produtos no mercado seja assessorada por advogados especialistas no setor, a fim de que possa entender todos os requisitos necessários à fabricação, importação e/ou comercialização do produto no Brasil, além das restrições aplicáveis à publicidade e oferta. O descumprimento das normas sanitárias pode ensejar, entre outras medidas, a suspensão da comercialização do produto no Brasil e aplicação de multas.
Não se pode deixar de considerar, ainda, que a categoria regulatória pode influenciar a categoria tributária do produto, embora isso não seja uma garantia<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Uma classificação regulatória equivocada pode acarretar riscos que transbordam a esfera puramente sanitária.
Em matéria regulatória, para os produtos ou serviços que requerem autorização da vigilância sanitária antes do oferecimento ao público consumidor, é necessário observar a classificação de risco e os prazos para a resposta aos requerimentos de atos públicos de liberação. Tais atos foram simplificados para atividades e produtos de menor complexidade, mas existem.
A <a href="http://portal.anvisa.gov.br/legislacao#/visualizar/431105">RDC nº 416/2020</a> da Anvisa é a resolução que prevê os prazos máximos para a emissão de autorizações, registros e outros atos públicos de liberação no âmbito da Anvisa, em cumprimento ao Decreto nº 10.178/2020, chamado de “Licenciamento 4.0”, norma regulamentadora da Lei 13.874/2019, a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-liberdade-economica">Lei da Liberdade Econômica</a>.
A RDC nº 416 possui três categorias de risco (leve/irrelevante/inexistente, moderado e alto risco) que classificam os atos de liberação, permitindo que a agência concentre esforços nas situações de maior risco ao consumidor, como, por exemplo, agroquímicos, vacinas, material de implantes e produtos fumígenos. Para melhor entendimento, é necessário consultar a <a href="https://www.gov.br/anvisa/pt-br/arquivos-noticias-anvisa/34json-file-1">Nota Técnica nº 47/2020</a> que possui as matrizes técnicas que ajudam a entender a classificação de risco e os devidos enquadramentos.
Pensando nesse cenário, reunimos seis questionamentos que um empreendedor deve se fazer antes de oferecer seus produtos ou serviços ao consumidor:
<ol>
<li>Em que categoria se enquadra o produto (alimento, medicamento, produto de higiene pessoa, cosmético, etc)?</li>
<li>Qual a finalidade do produto? O produto possui alguma finalidade terapêutica, funcional ou de melhoria das funções metabólicas ou fisiológicas?</li>
<li>O produto pode acarretar algum risco à saúde?</li>
<li>O produto ou serviço se assemelha a algo já existente no Brasil? Se sim, esse produto já existente no Brasil possui registro junto à Anvisa? Sob que categoria?</li>
<li>Existe algo próximo sendo oferecido em outros países? Se sim, qual é o órgão que regula esse produto nos países em que ele existe e já é comercializado?</li>
<li>Em qual NCM o produto encontra-se classificado?</li>
</ol>
Caso a empresa enfrente alguma dificuldade para responder aos questionamentos acima elencados, ou caso surja qualquer dúvida relacionada aos requisitos regulatórios para produção, importação, exportação e comercialização de determinado produto, é indispensável procurar assessoramento jurídico.
Importante ressaltar que a desatenção às normas setoriais pode ensejar consequências que sobrepujam a esfera de atuação do órgão regulador. A sociedade empresária que lança no mercado produtos e serviços em desacordo com as regras regulatórias pode ser responsabilizada administrativamente (pela Anvisa, por exemplo), civilmente (pelos próprios consumidores, no âmbito judicial, caso algum dano se perfaça) e, em última análise, até penalmente (eis que o desrespeito a normas setoriais, em alguns casos, pode resultar no cometimento de um crime).
Uma empresa bem assessorada dificilmente será surpreendida com medidas sancionatórias ou restritivas de direitos e gozará de todo o conforto necessário para ingressar no mercado com um produto inovador, porém lícito e corretamente licenciado. E caso o produto seja similar a outro, sabidamente regulado, o apoio jurídico adequado definitivamente evitará possíveis atrasos no licenciamento da atividade.
Lembre-se: inovação não deve ser um sinônimo de imprudência.
E vale ressaltar que startups e empreendedores não devem se atentar somente para a regulação sanitária. Antes de oferecer produtos e serviços ao consumidor, é importante entender as regras que potencialmente se aplicam ao produto ou serviço em questão — especialmente se inovador. A atenção às normas setoriais não só evita que a empresa já inicie sua operação respondendo a autuações, mas especialmente protege a saúde de seus consumidores, que deixam de se submeterem aos riscos decorrentes do descumprimento das leis em vigor no país.<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a>
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Notícia disponível em: <a href="https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2022/produtos-irregulares-resultados-do-projeto-de-fiscalizacao">https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2022/produtos-irregulares-resultados-do-projeto-de-fiscalizacao</a>. Acesso em 26 jun. 2022.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: <a href="https://www.metropoles.com/brasil/ex-sem-teto-givaldo-alves-vende-pau-de-mendigo-sem-aval-da-anvisa">https://www.metropoles.com/brasil/ex-sem-teto-givaldo-alves-vende-pau-de-mendigo-sem-aval-da-anvisa</a>. Acesso em 26 jun. 2022.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> A Lei nº. 6.360/1976 proíbe a utilização de nomes que possam induzir o consumidor em erro. De acordo com o art. 15 da RDC nº. 59/2010, são vedados nomes de medicamentos que utilizem “(...) IV – designações que não correspondam à forma farmacêutica do medicamento em questão; V – palavras ou expressões que possam induzir ao entendimento de que o medicamento seja inócuo, natural, isento ou com reduzidos efeitos colaterais, ou possua potência e qualidade superiores, propriedades especiais não comprovadas; ou VI – palavras ou expressões que valorizem uma ação terapêutica, sem comprovação mediante estudos clínicos, e possam induzir o consumidor a entender que tal medicamento teria efeito terapêutico superior a outro medicamento de igual composição”.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Por exemplo, no processo nº. 5007649-32.2013.4.04.0708, a Genoma Laboratories do Brasil Ltda informou que importava no México o sabonete Asepxia, produto classificado pela ANVISA como “cosmético”, enquadrado no código NCM 3401.11.90 e que as autoridades fiscais de Itajaí manifestaram entendimento no sentido de que o produto deveria ser classificado como medicamento, sob o código NCM 3401.11.10. O entendimento ensejou a lavratura de auto de infração para exigência da diferença dos tributos decorrentes da reclassificação fiscal e de multa. Foi proferida sentença de procedência que reconheceu como correta a definição do sabonete da marca Asepxia como cosmético. O tribunal reformou a decisão entendendo que a ANVISA não teria competência para estabelecer normas acerca de classificação fiscal de mercadorias. A decisão, contudo, foi revista pelo STJ que prestigiou a competência da ANVISA para classificar o produto, restabelecendo a sentença exarada pelo juízo de primeiro grau.
Não obstante isso, em 2018, a Receita Federal do Brasil reafirmou o seu posicionamento, por meio do Parecer Normativo COSIT/RFB nº 6, no sentido de que “para fins tributários e aduaneiros, os entendimentos resultantes da aplicação da legislação do Sistema Harmonizado devem prevalecer sobre definições que tenham sido adotadas por órgãos públicos de outras áreas de competência, como, por exemplo, a proteção da saúde pública ou a administração da concessão de incentivos fiscais”, mas que cabe lembrar que incumbe à Anvisa, ‘respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública’ (art. 8º da Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999). 57. Assim, a RFB e a Anvisa são órgãos que administram matérias completamente diferentes, sendo natural que existam alguns casos em que a OMA/RFB e a ANVISA adotem entendimentos distintos sobre uma mesma mercadoria. Para defesa da saúde pública, deve prevalecer o entendimento da Anvisa. Para a definição de classificação fiscal, deve prevalecer o entendimento da OMA e da RFB.”

medicamentos

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JOTA

A inovação não deve ser um sinônimo de imprudência

Primeiros cuidados regulatórios ao lançar novo produto ou serviço

Inovação não deve ser um sinônimo de imprudência. Saiba mais sobre regulação sanitária e entenda o que dizem as resoluções da Anvisa