Cláudio de OIiveira Santos Colnago

A despeito de algumas polêmicas envolvendo sua aprovação (com pleitos de veto integral advindos de algumas entidades de controle) é certo que a publicação da Lei 13.655, de 25 de abril de 2018, vem trazer pragmaticidade e concretude a um dos valores mais basilares do sistema: a segurança jurídica. Esse movimento de valorização da segurança e previsibilidade do Direito, porém, não é algo isolado, mas fruto de todo um contexto de devidas evoluções em textos legislativos, buscando privilegiar a boa-fé e a confiança do cidadão nos atos do Poder Público.
Com efeito, não são poucas nem episódicas as referências legislativas à segurança jurídica. Em tempo de voluntarismos e decisões com referência a princípios abstratos (muitas vezes mal fundamentadas) cumpre fazer um breve retrospecto dessa jornada em prol da prevalência da segurança jurídica não somente pelo Legislativo (plano geral e abstrato), mas também no plano das tomadas de decisões concretas - Poder Executivo e Judiciário.
O Código Tributário Nacional, Lei 5.172/1966, já previa em seu artigo 146 que “A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”. Isso significava que o sujeito passivo que tivesse observado a interpretação do Fisco (“critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa”) sobre um tema não poderia ser penalizado em caso de mudança de entendimento. O mesmo código já dispunha em seu artigo 100, parágrafo único, que a observância das chamadas “normas complementares” impediria a aplicação de penalidades, cobrança de juros de mora e a atualização do valor da base imponível do tributo.
Essa preocupação com eventuais “viradas hermenêuticas” também se manifestou com a Lei 9.784/99, cujo artigo 2º, XIII garantia ser critério cogente a “interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação”.
Mais recentemente, a aludida preocupação também passou a se manifestar no que toca ao Poder Judiciário. Consolidou-se, cada vez mais, uma “normatividade jurisprudencial”, à qual podemos remontar até a Lei 9.756/98 que, introduzindo várias reformas no CPC/73, atribuiu competência ao julgador para dar provimento a recursos “Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior” (§ 1º-A do artigo 557 do CPC/73). Ademais, não se há de questionar que mudanças súbitas na interpretação do Direito, sobretudo pelas Cortes Superiores, implicam em grave traição aos mandamentos constitucionais de proteção da confiança e observância da boa-fé, implícitos que são ao direito fundamental de segurança (artigo 5º, caput).
Justamente pautados por tais reflexões, os institutos de Recursos Repetitivos e Repercussão Geral implicaram em clara evolução diante de uma “normatividade jurisprudencial”, seguidos pela promulgação do novo CPC/2015, que valoriza sobremaneira não somente os precedentes, como as suas modificações, que agora se sujeitam expressamente ao poder-dever de modulação de efeitos, no interesse social e no da segurança jurídica.
É neste contexto normativo que se promulga a Lei 13.655, que veicula importantes atualizações à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, trazendo para a clareira temas espinhosos como decisões com base em valores jurídicos abstratos, invalidação de ato ou norma administrativa, aplicação de sanções e a assunção de novas interpretações.
Destaca-se, sobre o tema, o quanto disposto no novel artigo 23: “A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais”. A nosso ver, uma forma de regime de transição consiste justamente na modulação dos efeitos da mudança de interpretação, algo que, longe de ser novidade, já vinha previsto no Código Tributário Nacional, citado acima. O que a lei nova faz é justamente criar novas possibilidade com o “regime de transição” para além da modulação de efeitos.
Assim, verifica-se que, longe de criar novidades, a Lei 13.655 trata somente de concretizar normas constitucionais de direitos fundamentais, em especial relacionadas à segurança jurídica e à proteção de confiança. Ela chega em boa hora, como forma de concretizar o respeito à integridade do Direito - cuja aplicação deve ser previsível, sob pena de localizarmo-nos todos no conhecido jogo da Katchanga - em que acaba por imperar a falta de sentido e o arbítrio.

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JOTA

A consolidação da segurança jurídica como valor primordial do Direito


Primeiras impressões sobre a Lei 13.655/2018

A consolidação da segurança jurídica como valor primordial do Direito