Mariana Saragoça

Julia Barker

Para enfrentar o desafio de universalizar os serviços até 2033, garantindo que 99% da população tenha acesso a água tratada e 90% tenha rede de esgoto disponível, o Novo Marco Legal do Saneamento (Lei nº 14.026/2020) estabeleceu diversos instrumentos para alavancar os investimentos no setor, incluindo aprimoramentos no tema da prestação regionalizada.
De acordo com dados divulgados pelo IBGE (2019/2020), 68,2% dos Municípios brasileiros possuem até 20 mil habitantes, ao passo que, quanto menor a densidade populacional, menor a disponibilidade de serviços de esgotamento sanitário – Municípios com até 20 mil habitantes apresentaram uma média de 68,8%, enquanto municípios acima de 500 mil habitantes apresentam taxas de coleta de esgoto em torno de 97%<a href="applewebdata://AF8285A9-CAD0-416A-AD46-357E22968716#_edn1" name="_ednref1">[i]</a>i. Se, por um lado, resta claro que o setor de saneamento se beneficia de economias de escala, por outro, a realidade é de que muitos Municípios no país são constituídos por poucos habitantes.
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Tendo em vista o diagnóstico acima, a  prestação regionalizada – definida pelo Novo Marco como a modalidade de prestação integrada de um ou mais componentes dos serviços públicos de saneamento básico em determinada região cujo território abranja mais de um Município –, surge como instrumento para superação dos desafios associados ao evidente atraso na implementação dos serviços em virtude das correspondentes limitações financeiras e organizacionais.
De forma geral, a  prestação regionalizada pode ser estruturada em: a) região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião: unidade instituída pelos Estados mediante lei complementar, de acordo com o § 3º do artigo 25 da Constituição Federal, composta de agrupamento de Municípios limítrofes e instituída nos termos do Estatuto da Metrópole (Lei nº 13.089/2015); b) unidade regional de saneamento básico: unidade instituída pelos Estados mediante lei ordinária, constituída pelo agrupamento de Municípios não necessariamente limítrofes, para atender adequadamente às exigências de higiene e saúde pública, ou para dar viabilidade econômica e técnica aos Municípios menos favorecidos; e c) bloco de referência: agrupamento de Municípios não necessariamente limítrofes, estabelecido pela União de forma subsidiária aos Estados, formalmente criado por meio de gestão associada voluntária dos titulares.
A prestação regionalizada constitui, certamente, uma diretriz orientativa no âmbito do Novo Marco, estando presente em diversos dispositivos (introduzidos ou modificados) pela Lei nº 14.026/2020. Assim, pela definição trazida pela Lei, percebe-se que, embora a prestação regionalizada já fosse possível antes de sua edição, o Novo Marco ampliou o leque de possibilidades, permitindo o agrupamento de Municípios, inclusive não limítrofes, como forma de assegurar a viabilidade econômica, o que é uma grande oportunidade para aqueles Municípios que, sozinhos, não teriam condições de realizar (ou atrair) os investimentos necessários para alcançar a universalização no prazo previsto<a href="applewebdata://AF8285A9-CAD0-416A-AD46-357E22968716#_edn2" name="_ednref2">[ii]</a>. Nessa linha, para as unidades regionais e blocos de referência, não há exigência de lei complementar nem de que os Municípios envolvidos sejam limítrofes, estando o fundamento de validade na própria Lei nº 14.026/2020.
Nesse sentido, embora, naturalmente, seja facultativa a adesão dos titulares às estruturas de prestação regionalizada, é razoável afirmar que a decisão sobre aderir ou não deve ser cuidadosamente analisada por cada titular, tendo em vista os potenciais ganhos e benefícios que poderão advir dessa modalidade. Isto é, não se vislumbra imposição à regionalização ou ofensa à Constituição Federal, constituindo os desenhos das unidades regionais e blocos de referência  ferramentas para o alinhamento de interesses e para a superação de obstáculos que surgiriam na hipótese de os Municípios escolherem a quem se associar (ou não), de forma isolada e descoordenada do contexto regional.
Além da universalização, que serve como bússola para o setor de saneamento como um todo, a viabilidade técnica e econômico-financeira dos serviços, a geração de ganhos de escala e a uniformização do planejamento, da regulação e da fiscalização podem ser elencados como alguns dos principais objetivos buscados com a prestação regionalizada. Como ocorre em outros setores de infraestrutura em que ativos mais rentáveis são licitados com ativos menos rentáveis em um modelo “filé com osso”, no setor de saneamento, tal modelo também pode ser utilizado nos casos de prestação regionalizada<a href="applewebdata://AF8285A9-CAD0-416A-AD46-357E22968716#_edn3" name="_ednref3">[iii]</a>.
Ainda, cabe ressaltar que a alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da União serão condicionados, dentre outros aspectos, à estruturação de prestação regionalizada. O Novo Marco busca, portanto, combinar o incentivo à regionalização com a manutenção da autonomia federativa.
<blockquote class="jota-article__eye">No contexto das possíveis formas de implementação da prestação regionalizada, os Estados têm até 15 de julho de 2021 para aprovar as unidades regionais de saneamento básico. Caso não o façam tempestivamente, a União poderá atuar para suprir essa lacuna.</blockquote>
Estados como Minas Gerais e São Paulo já tomaram iniciativas no sentido de obter a aprovação das correspondentes leis ordinárias e espera-se que os demais Estados também busquem discutir o tema na maior brevidade possível. A título de incentivo, essa semana espera-se que o leilão para a concessão da prestação regionalizada dos serviços públicos de fornecimento de água e esgotamento sanitário de diversos Municípios do Rio de Janeiro seja mais um exemplo exitoso de como essa modelagem é robusta e capaz de atrair investimentos para o setor.
Apesar de não haver dúvidas de que o arcabouço jurídico-regulatório vigente prevê expressamente a possibilidade de prestação regionalizada, pelas discussões que estão acontecendo no contexto do leilão do Rio de Janeiro – em especial, aquela em torno do prazo da concessão em que foi alegado que o prazo de 35 anos previsto na modelagem da licitação estaria em desacordo com o prazo máximo de 25 anos admitido pela legislação estadual<a href="applewebdata://AF8285A9-CAD0-416A-AD46-357E22968716#_edn4" name="_ednref4">[iv]</a> –, nota-se que ainda falta compreensão sobre as consequências da adoção de um modelo de prestação regionalizada que pressupõe a colaboração dos titulares nos estudos e na tomada de decisões.
Com efeito, nos modelos de prestação regionalizada, as leis estaduais e municipais não prevalecem sobre a decisão de caráter interfederativo e intergovernamental tomada pelo conjunto de titulares, observadas as regras de governança aplicáveis e o interesse comum. Admitir o predomínio de uma determinada lei de âmbito local, seja ela estadual ou municipal, para disciplinar matérias cuja competência cabe aos titulares conglomerados, violaria a autonomia federativa de tais entes.
A comunhão de esforços e a colaboração entre os diversos titulares por meio da prestação regionalizada parece ser a chave para destravar os investimentos relevantes no setor de saneamento, sendo uma importante ferramenta. O desafio predominante para o sucesso da prestação regionalizada está na evolução da governança interfederativa.
Dada a proximidade do prazo fixado para que os Estados aprovem suas respectivas leis ordinárias, o momento revela-se propício para que essa pauta avance e os debates sejam aprofundados para que haja uma melhor compreensão do modelo da prestação regionalizada por todos.
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<a href="applewebdata://AF8285A9-CAD0-416A-AD46-357E22968716#_ednref1" name="_edn1">[i]</a> De acordo com o estudo divulgado pelo IBGE (<a href="https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/28326-quatro-em-cada-dez-municipios-nao-tem-servico-de-esgoto-no" target="_blank" rel="noopener noreferrer">https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/28326-quatro-em-cada-dez-municipios-nao-tem-servico-de-esgoto-no</a> pais), para municípios com até 5000 habitantes, a rede de esgoto alcançava em torno de 44% da população em 2017, sendo de 51% para os municípios com até 10.000 habitantes e de 97% nos municípios com mais de 500.000 habitantes.
<a href="applewebdata://AF8285A9-CAD0-416A-AD46-357E22968716#_ednref2" name="_edn2">[ii]</a> Ainda nesse contexto, é importante lembrar que o Novo Marco, atento às disparidades gritantes existentes entre os diversos Municípios brasileiros, prevê a possibilidade de dilação do prazo previsto para a universalização “quando os estudos para a licitação da prestação regionalizada apontarem para a inviabilidade econômico-financeira da universalização (...) mesmo após o agrupamento de Municípios de diferentes portes”, desde que o novo prazo não ultrapasse 1º de janeiro de 2040 e haja anuência prévia da agência reguladora.
<a href="applewebdata://AF8285A9-CAD0-416A-AD46-357E22968716#_ednref3" name="_edn3">[iii]</a> O Novo Marco ainda estabelece que, na aplicação de recursos não onerosos da União, devem ser priorizados os investimentos de capital que viabilizem a prestação de serviços regionalizada, por meio de blocos regionais, quando a sua sustentabilidade econômico-financeira não for possível apenas com recursos oriundos de tarifas ou taxas, mesmo após agrupamento com outros Municípios do Estado, e os investimentos que visem ao atendimento dos Municípios com maiores déficits de saneamento cuja população não tenha capacidade de pagamento compatível com a viabilidade econômico-financeira dos serviços.
<a href="applewebdata://AF8285A9-CAD0-416A-AD46-357E22968716#_ednref4" name="_edn4">[iv]</a> Na semana passada, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, ao avaliar o tema reafirmou a jurisprudência no sentido de que autonomia municipal não é esvaziada pela criação de uma região metropolitana, razão pela qual uma lei estadual não seria apta para limitar o prazo de concessão dos serviços no caso concreto (cf.<a href="http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/SL1446.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/SL1446.pdf</a>. Acesso em 26.04.2021).

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JOTA

Estados têm até 15 de julho para aproveitar a oportunidade trazida pelo Novo Marco de avançar rumo à prestação regionalizada

Prestação regionalizada: a colaboração para destravar investimentos

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