Paulo Fernando Pinheiro Machado

<blockquote class="jota-article__quote">“Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.”
<footer class="jota-article__quote-cite">Ruy Barbosa</footer>
</blockquote>
A prerrogativa de indicar medidas provisórias vem se tornando um dos aspectos centrais da competência contenciosa da Corte Internacional de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cij">CIJ</a>). No último dia 22 de fevereiro, a corte emitiu duas ordens a respeito de dois pedidos adicionais de medidas provisórias, protocolados pelas partes nos casos conexos opondo a Armênia e o Azerbaijão sobre a Aplicação da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CEDR).
Os fatos do caso já foram objeto de análise <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/medidas-provisorias-da-corte-internacional-de-justica-08102021">nesta coluna</a>. No dia 7 de dezembro de 2021, a CIJ já havia emitido duas ordens, indicando medidas provisórias iniciais para cada uma das partes. Em relação à reclamação da Armênia, a CIJ indicou as seguintes medidas:
<blockquote class="jota-article__citation">“(1) A República do Azerbaijão deverá, de acordo com suas obrigações sob a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial,</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">(a) Proteger de violência e danos corporais todas as pessoas capturadas em relação ao Conflito de 2020 que permanecem detidas e garantir sua segurança e igualdade perante a lei;</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">(b) Tomar todas as medidas necessárias para prevenir o incitamento e a promoção do ódio racial e da discriminação, inclusive por parte de seus funcionários e instituições públicas, direcionados a pessoas de origem étnica ou nacional armênia;</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">(c) Tomar todas as medidas necessárias para prevenir e punir atos de vandalismo e profanação que afetem o patrimônio cultural armênio, incluindo, entre outros, igrejas e outros locais de culto, monumentos, pontos de referência, cemitérios e artefatos;</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">(2) Ambas as Partes devem abster-se de qualquer ação que possa agravar ou estender a controvérsia perante a Corte ou torná-la mais difícil de resolver”.</blockquote>
Já em relação à reclamação do Azerbaijão, a CIJ indicou as seguintes medidas provisórias:
<blockquote class="jota-article__citation">“(1) A República da Armênia deve, de acordo com suas obrigações sob a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, tomar todas as medidas necessárias para prevenir a incitação e promoção do ódio racial, inclusive por organizações e pessoas privadas em seu território, direcionado a pessoas de origem nacional ou étnica do Azerbaijão;</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">(2) Ambas as Partes devem abster-se de qualquer ação que possa agravar ou estender a disputa perante a Corte ou torná-la mais difícil de resolver.”</blockquote>
No dia 28 de dezembro de 2022, a Armênia protocolou um novo pedido de indicação de medidas provisórias, com base no fato de que em 12 de dezembro do mesmo ano, o Azerbaijão teria “orquestrado um bloqueio da única estrada que conecta os 120 mil armênios étnicos em Nagorno-Karabakh com o mundo exterior.” Yerevan solicitou da CIJ a indicação das seguintes medidas provisórias adicionais:
<blockquote class="jota-article__citation">“O Azerbaijão cessará sua orquestração e apoio aos supostos 'protestos' que bloqueiam o livre movimento ininterrupto ao longo do Corredor de  Lachin em ambas as direções;</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">O Azerbaijão deve garantir a livre circulação ininterrupta de todas as pessoas, veículos e cargas ao longo do Corredor de Lachin em ambas as direções; e “</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">O Azerbaijão deve restaurar imediatamente e abster-se de interromper ou impedir o fornecimento de gás natural e outros serviços públicos a Nagorno-Karabakh.”</blockquote>
O Azerbaijão, por sua vez, também protocolou um novo pedido de medidas provisórias no dia 4 de janeiro deste ano, com base em alegações de que “novas evidências surgiram de que a Armênia, contradizendo as representações feitas à Corte em 2021, continuou deliberadamente a colocar minas terrestres em ou após 2021 em zonas civis para as quais os azerbaijanos deslocados estão programados para retornar”. Baku, em suma, solicitou à CIJ a indicação das seguintes medidas provisórias adicionais:
<blockquote class="jota-article__citation">“que a Armênia tome todas as medidas necessárias para permitir que o Azerbaijão empreenda o desmantelamento rápido, seguro e eficaz das minas das cidades, aldeias e outras áreas para as quais os civis do Azerbaijão retornarão; e que</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">Cesse e desista imediatamente de quaisquer esforços adicionais para plantar ou patrocinar ou apoiar a implantação de minas terrestres e armadilhas nessas áreas”.
&nbsp;
No dia 22 de fevereiro, a CIJ emitiu as suas Ordens com relação aos pedidos adicionais de indicação de medidas provisórias. A Corte deixou claro que um pedido de modificação de uma medida provisória já indicada ou de uma indicação de medidas adicionais necessita estar fundamentado em uma mudança nas circunstâncias que justifique o novo pedido, de acordo com o art. 76 do Regulamento da CIJ. A decisão da Corte, ainda que negativa, obviamente não preclui a parte de fazer um novo pedido no mesmo caso, mas baseado em fatos novos, conforme o art. 75(3) do Regulamento da CIJ.</blockquote>
É importante ressaltar que a CIJ, nesse momento dos procedimentos, não faz um julgamento de mérito com relação à materialização ou não de ofensas à CDER, mas apenas avalia se as circunstâncias atuais demandam a indicação de medidas provisórias para proteger direitos consagrados na convenção. Por isso, tanto o Estatuto da CIJ quanto o seu Regulamento dão ampla margem de discrição à Corte para conceder o pedido de medidas provisórias no todo ou em parte, ou mesmo indicar outras medidas não solicitadas pelas partes mas que, no entender da Corte, melhor se adequam a resguardar os direitos em risco.
No que se refere, assim, ao pedido da Armênia, a Corte entendeu que a sua natureza era distinta da do pedido anterior, que se referia a situação de prisioneiros de guerra e questões de incitamento racial. A CIJ entendeu que o bloqueio da via de acesso feria potencialmente os direitos consagrados nos arts. 2 e 5 da CDER, notadamente o direito de liberdade de movimento e residência dentro das fronteiras do Estado em questão. A CIJ, assim, por 13 votos a 2, indicou a seguinte medida provisória:
<blockquote class="jota-article__citation">A República do Azerbaijão deverá, enquanto se aguarda a decisão final no caso e de acordo com suas obrigações sob a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, tomar todas as medidas ao seu alcance para garantir o livre movimento de pessoas, veículos e cargas ao longo o Corredor de Lachin, em ambas as direções.</blockquote>
Já no que se refere ao pedido de medidas provisórias do Azerbaijão, a Corte entendeu que novo pedido era similar ao primeiro, que já havia sido negado por falta de provas de que a alegada conduta da Armênia com relação às minas terrestres tinha objetivos de restringir direitos baseados na origem nacional ou étnica de azerbaijanos. A CIJ, assim, por unanimidade, rejeitou o pedido adicional de medidas provisórias do Azerbaijão.
Os pedidos adicionais de medidas provisórias e as respectivas manifestações da Corte demonstram claramente que o procedimento cautelar vem se tornando cada vez mais central no sistema de adjudicação internacional. Como todo o bom advogado forense sabe, o processo cautelar possui uma dinâmica distinta, especialmente com relação à administração do tempo em face da necessidade de se proceder a um balanço entre a urgência do pedido e a necessidade de se oferecer à CIJ uma instrumentalização probatória sólida.
Do lado dos juízes, por sua vez, uma ênfase cada vez maior em sucessivos pedidos de indicação de medidas provisórias deverá levar a CIJ a focar cada vez mais no nível de detalhe necessário para que essas medidas possam ser auferidas e acompanhadas na prática. Essa preocupação, aliás, foi registrada pelo próprio juiz ad hoc Kenneth Keith em seu voto dissidente, considerando vagas as medidas provisórias indicadas pela corte: “o Azerbaijão 'deve tomar todas as medidas à sua disposição' para garantir um movimento desimpedido ao longo do Corredor. Como o Azerbaijão cumprirá essa obrigação vagamente formulada e como serão determinadas as violações?” Eis a questão. In dubio pro reo.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> “Em caso de dúvida, a favor do acusado.”

direito internacional

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JOTA

Isso deve levar juízes da Corte Internacional de Justiça a focar cada vez mais no nível de detalhe necessário

Prerrogativa de indicar medidas provisórias vem se tornando central na CIJ

Novos pedidos de medidas provisórias no caso entre a Armênia e o Azerbaijão na Corte Internacional de Justiça (CIJ)