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Precisamos falar sobre polarização

Disseminação de fake news não seria fenômeno endógeno à comunicação, mas também sintoma de sociedades polarizadas

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Crédito: Unsplash

Dizer que não há bala de prata contra as fake news já virou um mantra, que repetimos diariamente, no Redes Cordiais. Muito se fala dos caminhos regulatórios ou autorregulatórios, da cobrança por mais transparência e responsabilização das plataformas, do jornalismo, das agências de checagem, da educação midiática para o pensamento crítico e de novas ferramentas tecnológicas como soluções para reduzir os danos que a desinformação causa na nossa saúde pública, física e mental. Estudos recentes mostram que também a polarização da sociedade é fator determinante que não pode ser deixado de lado nessa equação.

A pesquisa Partisan Polarization Is the Primary Psychological Motivation behind Political Fake News Sharing on Twitter, publicada pela American Political Science Review, em agosto do ano passado, revela que o grau de polarização do indivíduo é o principal fator psicológico por trás do compartilhamento de notícias falsas.

Ao raspar dados de mais de 2,4 milhões de tuítes de 2.300 americanos, descobriu-se que o compartilhamento de notícias falsas tem menos a ver com grau de escolaridade e mais com convicções político-partidárias e a busca constante dos usuários para difamar e atacar seus oponentes. Os indivíduos que relatam odiar seus oponentes políticos são os mais propensos a compartilhar notícias políticas falsas e conteúdo seletivo útil para atacar rivais políticos.

Segundo a mesma pesquisa, embora os apoiadores do Partido Republicano sejam mais propensos a compartilhar notícias falsas do que os do Partido Democrata, o compartilhamento de tal material é um fenômeno bipartidário. O artigo levanta a hipótese — sem confirmá-la — de que a diferença está nas fontes de informações disponíveis para os partidários de cada lado do espectro político. Tanto democratas quanto republicanos buscam material para confirmar seus vieses e atacar seu oponente político. No entanto, nessa busca, os republicanos seriam forçados a buscar o extremo das notícias falsas para confirmar seus pontos de vista. Já os democratas não precisam recorrer tanto a canais hiperpartidarizados pois encontram na imprensa tradicional, de viés majoritariamente progressista, conteúdo para confirmar seus pontos de vista.

Vista dessa perspectiva, a disseminação de notícias falsas não seria um fenômeno endógeno à comunicação humana (ou não apenas), mas também um sintoma de nossas sociedades polarizadas — o que complexifica nossa busca por soluções e políticas públicas.

O problema é que, enquanto tentamos resolver em tempo real os efeitos nocivos da desordem da informação, os agentes desinformantes atuam de maneira exitosa para dividir e intensificar a polarização da sociedade. Ou seja, tiram proveito da tendência nata do ser humano de polarizar. Dessa forma, fazem não só com que todos fiquemos mais vulneráveis, mas também mais propensos a compartilhar peças desinformativas. Não à toa, os agentes da desinformação começam a espalhar as fake news dentro de grupos partidários que já concordam com aquelas ideias e não irão contestá-las.

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A estratégia é certeira, pois a desinformação precisa de grupos receptivos para viralizar. E mais do que isso, ela viraliza em redes “peer-to-peer”, em que a confiança no mensageiro é alta. Ou seja, o fator humano é fundamental para criar as cascatas de viralização das fake news. Robôs sozinhos não são capazes de viralizar informação falsa. Se fosse possível, ao menos no mundo virtual, o presidente russo, Vladimir Putin, já teria vencido a guerra de narrativas com seu exército de trolls. Mas, como lembra Christine Bragale, do News Literacy Project, organização dedicada a ensinar estudantes a distinguir fatos de mentiras, “as pessoas pensam que a informação falsa é espalhada por pessoas ruins, robôs, mas são pessoas comuns, como eu e você, que espalham a desinformação. São nossos pais, tios, colegas de trabalho”.

E engana-se quem pensa que nossa relação com os fatos é racional. Se fosse o caso, bastaria fazer o esclarecimento das fake news e ensinar a todos como identificar as notícias falsas e o problema estaria resolvido. Mas os fatos não nos fazem mudar de ideia porque nossa relação com a informação é emocional. Só que o ser humano, quando está tomado por emoções, não toma boas decisões. Nosso senso crítico fica falho e nessa somos mais facilmente enganados. Os agentes da desinformação sabem disso e nos manipulam por meio de nossos sentimentos e tendência inata para polarizar. As notícias falsas são criadas para provocar raiva, surpresa, revolta, nojo ou alegria para levar ao compartilhamento impulsivo e, portanto, irrefletido, daquele conteúdo.

Por isso, para combater a desinformação não adianta nos determos apenas em projetos de lei, checagens ou soluções tecnológicas. Faz-se necessário incluir nos programas de educação midiática a reflexão sobre a natureza humana e o ceticismo emocional. Precisamos ensinar as pessoas a ter consciência sobre suas reações instintivas e seus vieses de confirmação. Se você se sentir incrivelmente irritado com um conteúdo ou se sentir muito orgulhoso (porque seu ponto de vista foi reafirmado), desconfie e dê outra olhada.

Qualquer ação que busque resolver o problema da desinformação de maneira não multidisciplinar e que exclua a natureza humana da equação, e sua tendência inata para engajar com assuntos polarizantes, estará fadada ao fracasso.