Camilla Cavalcanti Rodrigues Cabral

A população brasileira é composta por 48,2% de homens e 51,8% de mulheres, conforme dados da PNAD Contínua 2019 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua). No mundo, há um relativo equilíbrio entre a quantidade de pessoas do sexo feminino e do masculino. Você já parou para pensar que cerca de metade da população mundial menstrua? Afinal, a menstruação é fato biológico que acompanhará meninas e mulheres cisgênero, homens trans e pessoas não binárias ao longo de toda a idade reprodutiva, estimada em 30 anos.
Embora seja um fenômeno natural, por que ainda existe tanto tabu ao falar sobre menstruação? Quando adolescente, lembro o quão embaraçoso era menstruar na escola e não ter um absorvente. Pedir emprestado a alguma colega de turma era feito aos sussurros (“ei, você tem um absorvente para me emprestar?) e o absorvente era escondido ao máximo para que ninguém reparasse que ali estava uma adolescente em idade reprodutiva simplesmente vivenciando uma etapa do seu ciclo.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Em pesquisa realizada em 2018 pela marca Sempre Livre, da Johnson &amp; Johnson, constatou-se que 54% das mulheres entre 14 e 24 anos não sabiam ou tinham poucas informações sobre menstruação no momento da menarca (primeira menstruação). A pesquisa ainda apontou que 39% das mulheres pediam um absorvente emprestado e muitas tentavam esconder que estavam menstruadas. Ainda segundo o estudo, 57% das brasileiras sentiam-se sujas durante a menstruação e mais de 40% ficavam inseguras e se sentiam pouco atraentes quando em seus períodos.
Em outras culturas, o estigma é ainda maior. Na Índia, por exemplo, as mulheres são consideradas sujas e afastadas do completo convívio social nos seus períodos, como bem retratado no filme Pad Man e no documentário Absorvendo o Tabu, disponíveis nas plataformas de streaming.
A omissão em falar sobre a menstruação demonstra o preconceito em torno de um fenômeno natural. Quando deixamos de nomear a menstruação e utilizamos eufemismos como “estar naqueles dias”, “estar de chico”, “regras” como se fosse algo ofensivo, retroalimentamos os ciclos transgeracionais de desigualdade de gênero. Consequentemente, deixa-se de debater abertamente sobre o tema e de exigir a criação de políticas públicas para a garantia da dignidade menstrual. Para as crianças e adolescentes, encarar a menstruação como um tabu pode limitar as brincadeiras, a socialização e o acesso à escola, atividades importantes para o desenvolvimento cognitivo e emocional.
Não bastasse a vergonha quanto à menstruação, há pessoas do sexo feminino que sequer possuem condições salubres de higiene e até mesmo de acesso aos produtos menstruais. A pobreza menstrual é o termo cunhado para designar uma condição que afeta pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social que não possuem acesso a saneamento básico, água, produtos de higiene pessoal e tampouco conhecimento para lidar com a menstruação ao redor do mundo. Em função disso, precisam recorrer a meios inseguros, muitas vezes insalubres, para a contenção do fluxo menstrual, a exemplo do uso de pedaços de pano, papel higiênico, folhas de árvore e até miolo de pão.
A falta de higiene menstrual ou a sua insuficiência pode acarretar complicações de saúde, a exemplo de alergias e irritação da pele e mucosas, além das infecções do aparelho reprodutor feminino. Adicionalmente, a pobreza menstrual impacta a saúde mental e o exercício das atividades cotidianas. A ONU estima que 12% da população feminina do planeta vive a situação de pobreza menstrual, sobretudo as pessoas em situação de rua, refugiadas e presidiárias, e uma em cada dez meninas perdem aula quando menstruadas. Conforme levantamento “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, publicado pela UNICEF em 2021, 713 mil meninas vivem sem banheiro ou chuveiro em casa no país, 4 milhões sofrem com pelo menos uma privação de higiene nas escolas, o que inclui falta de acesso a absorventes e banheiros com sabonetes.
Um dos fatores que podem contribuir para a dificuldade de acesso aos absorventes em muitos países é a elevada carga tributária incidente sobre o produto, situação que provoca um acréscimo no preço final repassado às consumidoras e aos consumidores. Várias campanhas são realizadas no mundo para discutir a necessidade de não tributar um item essencial à dignidade humana, a exemplo do movimento “Igualdade Menstrual”, da advogada Jennifer Weiss-Wolf, ao argumento que os absorventes não são artigos de luxo e não devem ser tributados como tal<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
A Alemanha tributava os absorventes na alíquota de 19% do IVA, imposto sobre o valor agregado, até o final de 2019, uma das maiores dentre os países da União Europeia, mas no final do mesmo ano, reduziu para 7%, a mesma incidente sobre os alimentos.  No mesmo sentido, França, Portugal, Quênia, Colômbia, Malásia, Nicarágua, Jamaica, Nigéria, reduziram ou zeraram alíquotas.
No entanto, até o momento não se verificam iguais iniciativas no Brasil. Apesar de atualmente sujeitos à alíquota zero do IPI, os absorventes higiênicos sujeitam-se a uma tributação, em média, de 25% sobre o valor do item e é um dos países que mais o tributam, conforme levantamento realizado pelo Jornal Nexo e já destacado aqui no JOTA por Tathiane Piscitelli, Andréa Mascitto, Raquel Preto, Betina Grupenmacher, Catarina Rodrigues, Daniela Silveira Lara, Fernanda Ramos Pazello, Renata Correia Cubas e Renata Ferreira Leite, entre tantas outras.
Em 2013, a Medida Provisória 609, posteriormente convertida na Lei nº 12.839/2013, reduzia a zero a alíquota do PIS/PASEP e COFINS dos produtos da cesta básica, como o papel higiênico, sabonetes e pasta de dentes, mas a inclusão dos absorventes foi vetada, situação que só reforça a necessidade de uma discussão maior sobre o tema.
O estudo do grupo de pesquisas Tributação e Gênero da FGV Direito SP<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> elaborou propostas em 2020 para uma reforma tributária com foco na redução das desigualdades de gênero e sugeriu a concessão de isenção de PIS/ COFINS e IPI sobre absorventes, calcinhas absorventes, coletores menstruais, fraldas higiênicas infantil e adulto, além da inclusão dentre os itens da cesta básica.
Não se ignoram os argumentos contrários, no sentido de que não há certeza se a redução ou isenção de alíquotas será efetivamente repassada aos consumidores na aquisição dos absorventes.
<blockquote class="jota-article__eye">A desoneração tributária deve vir acompanhada também da fiscalização dos órgãos de defesa do consumidor para que haja a efetiva redução dos preços repassados pelas indústrias e pelo varejo.</blockquote>
O que não se pode tolerar é que no Brasil, na contramão de diversos países, os absorventes ainda sejam tributados como itens supérfluos, como se fosse um luxo simplesmente menstruar.
Além da concessão de isenção ou redução da carga tributária incidente sobre os absorventes como medida salutar ao acesso das pessoas do sexo feminino a itens biologicamente indispensáveis, a condição de extrema pobreza pode fazer com que, ainda assim, não seja possível a aquisição de absorventes, mesmo com o seu custo reduzido.
Necessário discutir, adicionalmente, a necessidade da implementação de políticas públicas para universalizar o acesso aos itens. A Escócia foi pioneira, ao fornecer produtos menstruais gratuitos em escolas e universidades em 2018. Em 2020, tornou-se o primeiro país do mundo a fornecer absorventes gratuitos.
Em âmbito nacional, no final de 2019, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou a Lei nº 6.603/2019, que instituiu o fornecimento gratuito de absorventes higiênicos para estudantes das escolas da rede pública municipal. Na justificativa do projeto de lei, destacou-se que a falta de acesso ao produto pelas estudantes em situação de hipossuficiência social e econômica resulta em aproximadamente 45 (quarenta e cinco) faltas de aula por ano, situação que prejudica o desempenho escolar, razão pela qual os absorventes deveriam estar incluídos no orçamento da rede municipal de ensino. Posteriormente, o Estado do Rio de Janeiro sancionou a Lei Estadual nº 8.924/2020, para incluir os absorventes e fraldas descartáveis infantis e geriátricas dentre os itens da cesta básica.
Ainda em 2020, a deputada Tabata Amaral apresentou o Projeto de Lei nº 428/2020, com a previsão da distribuição gratuita de absorventes femininos nos espaços públicos. Recentemente, diante do maior debate sobre o tema, diversos Estados anunciaram iniciativas para a distribuição dos produtos em escolas da rede pública e/ou Unidades Básicas de Saúde (UBS), a exemplo do Distrito Federal, São Paulo e, recentemente, Ceará.
Embora se verifiquem alguns avanços nos debates sobre a menstruação e a pobreza menstrual no Brasil nos últimos anos, urge discutir ainda mais o tema, primeiramente para romper o tabu geracional. Também para fiscalizar se as atuais políticas públicas de fornecimento do produto serão efetivamente implementadas e quais medidas adicionais podem vir a ser instituídas. Como é possível demandar a criação de políticas públicas se temos vergonha de falar abertamente sobre a questão?
É necessário disponibilizar todos os mecanismos de acesso a um produto cujo consumo se deve a uma condição biológica, medida salutar para garantir a plena saúde da mulher, benefício que reverte para toda a coletividade e, sobretudo, é questão de dignidade.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> SANTOS, Manuela Britto Matos dos. Tampon Tax: uma questão absorvente. Disponível em: &lt; https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/women-in-tax-brazil/tampon-tax-uma-questao-absorvente-22112019&gt;. Acesso em 10.03.2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> FGV Direito São Paulo. Reforma Tributária e desigualdade de gênero. Disponível em: &lt; https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/reforma_e_genero_-_final_1.pdf&gt;. Acesso em 15/03/2021.

menstruação

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JOTA

Embora seja um fenômeno natural, por que ainda existe tanto tabu ao falar sobre menstruação?

Precisamos falar sobre a pobreza menstrual

Embora seja um fenômeno natural, por que ainda existe tanto tabu ao falar sobre menstruação?