Daniel de Paiva Gomes

Eduardo de Paiva Gomes

Natalia Ciongoli

Sarah Tockus

A fim de que o direito possa orientar condutas e cumprir com seus objetivos básicos, ninguém duvida de que é preciso reduzir a sua indeterminação.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Sob a perspectiva processual, esse intento pode encontrar no sistema de decisões vinculantes do Código de Processo Civil de 2015 um poderoso instrumento de apoio, sobretudo no que se refere ao desejável efeito “orientador” que pode propiciar.
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Para que assim seja, um aspecto deve ser ressaltado – e que vai bem além da mera nomenclatura: por “decisão judicial em sentido amplo” devemos entender a tutela jurisdicional expressa sob forma monocrática ou colegiada por qualquer órgão, tanto os ordinários com os superiores; o termo “precedente”, por sua vez, remete às decisões judiciais dotadas de efeito vinculante, proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nas sistemáticas de julgamento dos recursos repetitivos e da repercussão geral, respectivamente, ou ainda, no caso do Supremo, no controle concentrado de constitucionalidade.
Nesse esquema conceitual, é fácil notar que todos os precedentes são decisões judiciais – acrescidas do atributo da vinculabilidade –, mas nem todas as decisões judiciais são precedentes. O mesmo se diga em relação à jurisprudência: como conjunto de decisões judiciais, pode ou não ser formada a partir de precedentes.
Evidentemente destacados pelo atributo especial que os revestem, os precedentes prestam-se à especial tarefa de reduzir o âmbito de equivocidade própria ao direito, pois, além de não existir uma única resposta correta para todo e qualquer problema interpretativo, a atual dinâmica das relações sociais impõe o reconhecimento de que o direito “de hoje” talvez não seja o “mesmo direito” a ser aplicado futuramente – ainda que analisada a mesma base legal.
Guia de interpretação e aplicação do direito, o precedente constitui, ao fim e ao cabo, verdadeira norma jurídica e, por assim dizer, fonte do direito – daí, aliás, sua correlação com a almejada estabilidade da ordem jurídica.
As Cortes que os emanam – STJ e STF – respondem, nessa linha, pela outorga de unidade ao direito a partir da solução de casos que sirvam como bússola de interpretação futura. Deles se espera, frente a tão importante missão, natural coerência, o que pressupõe julgadores, por um lado, com capacidade de implementar sofisticados processos de apreensão e universalização de razões e, por outro, com sensibilidade e atenção quanto às particularidades de cada caso.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Instrumento da instituição, o julgador deve seguir as razões de decidir vinculantes já exaradas em casos anteriores, ainda que contrárias a seu entendimento pessoal – ser fiel ao precedente significa respeitar as razões necessárias e suficientes empregadas pelas Cortes Supremas na solução da questão principal decidida de um caso.
Vistos como espécie de decisões judiciais – como de fato são –, os precedentes teriam seus elementos estruturantes revelados pela interpretação conjunta dos artigos 489, incisos I a III e 1.038, §3º do CPC/2015: (i) o relatório, a conter os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; (ii) os fundamentos, em que o julgador analisa as questões de fato e de direito; (iii) o dispositivo, fração em que se resolve as questões principais que as partes suscitaram; (iv) a súmula da tese jurídica fixada, à luz dos fundamentos relevantes então assumidos.
Destacados por sua natureza vinculativa, para mais dessa referência (geral, válida para todas as decisões), os precedentes devem, entretanto, ser vistos sob um ângulo adicional, que nos leva à distinção entre ratio decidendi e obiter dictum.
O que irradia efeito vinculante – e, portanto, fará despontar o precedente como tal – são os motivos determinantes da decisão tomada pela Corte: a ratio decidendi, definível como os fundamentos jurídicos relevantes que compõem o caso examinado e que determinaram a decisão tal como foi prolatada, além da criação da respectiva tese.
Essa parcela da decisão, por sua definição, exclui as razões expostas tangencialmente ou os fundamentos que são endereçados à solução de questões de maneira não essencial ou determinante ao alcance do resultado. Essas questões, “ditas de passagem”, é que constituem o que se denomina obiter dictum, diferenciando-se eficacialmente da ratio decidendi devido à ausência de força vinculante. Assim, é possível afirmar que o conceito de obiter dictum está atrelado ao de ratio decidendi, na medida em que é preciso separar aquilo que realmente dá significado à decisão (e à tese) daquilo que não lhe diz respeito ou não lhe é essencial.
Só há ratio decidendi quando o fundamento que determinou o resultado do recurso na Corte é sustentado pela maioria do colegiado, ou seja, é preciso que a questão de direito resolvida através da ratio decidendi esteja no caso sob julgamento, exigindo solução.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
Além disso, só é possível identificar se do julgamento deflui ratio decidendi quando se delimita com exatidão as razões de cada um dos votos, considerando-se, ainda, o número que firmou um ou outro entendimento – hoje, no direito brasileiro, ainda nos ressentimos dessa preocupação no momento da definição do resultado do julgamento: definir qual é a ratio decidendi.
Ter-se-ia, a nosso ver e em suma, uma taxonomia própria da fundamentação de decisões judiciais: (i) a fundamentação “em sentido amplo”, que se refere a todas as decisões judiciais, e (ii) a fundamentação de “precedentes”.
Na primeira classe, da decisão judicial em sentido amplo, é irrelevante a distinção entre ratio decidendi e obiter dictum, à medida que tal categoria não produz efeito vinculante no âmbito do Poder Judiciário ou de forma erga omnes – daí, justamente, sua fundamentação “em sentido amplo”.
Por outro lado, analisando um precedente, somos obrigados a reconhecer que a distinção entre ratio decidendi e obiter dictum é relevantíssima (por isso, a propósito, usamos a expressão “fundamentação de precedentes”): considerando que somente a ratio decidendi produz efeito vinculante, é indispensável, não só para os julgadores integrantes da Corte, mas do próprio jurisdicionado, ter clareza quando à parcela da decisão que é ratio decidendi, em contraposição à parcela que se refere a obiter dictum, sob pena de a litigância continuar assumindo níveis indesejados, frustrando-se o efeito supressor de indeterminação que o regime tende(ria) a propiciar.
De modo a ilustrar a necessidade de os Tribunais Superiores definirem com exatidão a ratio decidendi que se extrai de um determinado julgamento, podemos mencionar dois precedentes emanados do STF que conflitam nesse sentido.
No julgamento do RE 559.937, em sede de repercussão geral, o tribunal reconheceu a inconstitucionalidade do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins-Importação, diante da previsão do valor aduaneiro como base econômica das contribuições, de modo a adotar como fundamento o fato de o rol de bases de cálculo previsto no art. 149, § 2º, III, alínea “a”, da CF/88<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> comportar interpretação taxativa.
No entanto, no RE 603.624, julgado em momento posterior ao leading case mencionado, a Corte declarou a constitucionalidade da contribuição devida ao Sebrae, à Apex e à ABDI, incidente sobre a folha de salários, sob o fundamento de que o mesmo art. 149, § 2º, III, alínea “a”, da Constituição Federal de 1988 ostentaria um rol meramente exemplificativo de bases de cálculo a ser tributadas, sem exarar razões para justificar o overruling do entendimento.
Os julgadores que “supostamente mudaram de entendimento” limitaram-se a afirmar que, nos autos do RE 559.937, a posição pela taxatividade teria sido adotada como obiter dictum e, portanto, não possuiria efeito vinculante – daí derivando evidente frustração quanto aos limites daquele julgamento.
Diante disso, entendemos que alteração pontual da legislação poderia trazer desejável clareza e segurança quanto ao real objeto de vinculação quando da emanação de precedentes, tal como sugerido abaixo:
Art. 489. (...)
<ul>
<li>4º. No caso de decisão judicial dotada de efeito vinculante, emanada do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal sob a sistemática dos recursos repetitivos ou da repercussão geral, a Corte respectiva deverá distinguir, na parcela referente aos fundamentos do precedente, as razões de decidir vinculantes, no contexto da tese fixada, daquelas que não produzirão o indigitado efeito.</li>
</ul>
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<hr />
&nbsp;
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 60.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p.120.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 6. ed. ver, atual. e ampl. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2019. p. 336.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (...) III - poderão ter alíquotas: a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro.

precedentes ratio decidendi

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JOTA

A transparência quanto aos elementos de uma decisão vinculante

Precedentes: ratio decidendi e obiter dictum

A transparência quanto aos elementos de uma decisão vinculante