Rafael Wallbach Schwind

Recentemente, em licitação de grande relevância, levantaram-se dúvidas acerca da possibilidade de utilização de precatório para pagamento de outorga em concessão e para a aquisição de participação acionária da empresa estatal que estava sendo privatizada. Afinal, quais os limites dessa possibilidade e como ela deve funcionar na prática?
Os precatórios possuem duas funções em nosso ordenamento jurídico. A primeira delas é servir como uma sistemática de organização dos pagamentos devidos pelo Estado em função de condenações judiciárias. A ideia é que a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/administracao-publica">administração pública</a>, até certa data limite, saiba exatamente quais valores deverá pagar no exercício fiscal seguinte e, com isso, organize seu orçamento de modo a cobrir esses pagamentos. A segunda função é garantir o respeito à isonomia. A Administração não pode simplesmente escolher para quem vai pagar primeiro. Ainda que haja certas exceções (todas previamente estabelecidas, como as dos precatórios de natureza alimentícia e outros que merecem um tratamento específico), a regra geral é a do pagamento segundo sua ordem de apresentação.
Contudo, são conhecidas situações de atrasos bastante significativos no pagamento de precatórios. Por isso, desenvolveu-se um mercado secundário de pessoas interessadas em adiantar o recebimento mediante certo deságio no valor de face dos precatórios.
Nesse contexto, foi editada a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc113.htm">Emenda Constitucional 113, de dezembro de 2021</a>. A EC 113 passou a permitir que a própria Administração Pública receba precatórios em pagamento por outorgas em concessões e pela alienação de participações acionárias em empresas estatais em processos de privatização ou desinvestimento. Nessas hipóteses, o que ocorre é uma compensação: em vez de a Administração receber moeda em caixa, fará o abatimento de uma dívida por ela reconhecida.
É inegável que a apresentação de um precatório em lugar do pagamento de um valor pode gerar complexidades do ponto de vista orçamentário para o ente que está promovendo a concessão ou alienando sua participação na empresa estatal. Em termos orçamentários, receber um valor em caixa é muito diferente de abater uma dívida previamente existente. Em certos casos, um dos objetivos buscados com a concessão ou privatização é justamente a obtenção de caixa para o Estado. Entretanto, é preciso ter cuidado para que essas dificuldades não sejam compreendidas como óbices que, no limite, inviabilizem a própria aplicação das alterações introduzidas pela EC 113.
Em primeiro lugar, a EC 113 textualmente previu que a apresentação de precatório para as finalidades nela previstas é uma faculdade do credor do precatório. Além disso, a EC 113 foi além e estabeleceu que essa possibilidade é autoaplicável à União – ou seja, independe de previsão em lei. Assim, quando está promovendo uma concessão ou alienando uma participação societária em empresa estatal, a Administração Pública deve estar ciente da possibilidade de não ocorrer um imediato ingresso de recursos no seu caixa. A apresentação de um precatório não será uma surpresa e a Administração deverá estar preparada para esse cenário.
Em segundo lugar, é evidente que, no caso de haver o pagamento por meio da apresentação de um precatório, a Administração Pública terá a liberação dos recursos que originalmente seriam utilizados para o pagamento do credor. Logo, apesar de não haver um ingresso de recursos no caixa do Estado, haverá a liberação de outros recursos exatamente no valor do precatório apresentado.
Em terceiro lugar, e como decorrência dos fatores acima, deve-se observar com ressalvas eventuais restrições que se pretenda criar ao recebimento de precatórios em cada caso concreto. Por exemplo, restringir a aceitação de precatórios a uma pequena parcela da outorga ou da participação acionária objeto da privatização será questionável. No limite, poderá configurar negativa de aplicação da própria regra prevista na EC 113.
Em quarto lugar, parece-nos evidente que os precatórios deverão ser aceitos pelo seu valor de face. Além de só essa possibilidade fazer sentido lógico, a consideração de qualquer valor diferente disso geraria discussões intermináveis sobre qual o montante justo, com elevados riscos à própria isonomia do processamento da licitação.
Como se vê, a utilização de precatórios para o pagamento de outorgas em concessões e para a aquisição de participações acionárias em processos de privatização ou desinvestimento provoca algumas complexidades. Mas esses complicadores não podem tornar sem efeito as regras da EC 113. Da mesma forma, eventual regulação do tema deverá observar a eficácia da norma constitucional.

precatórios

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JOTA

Quais os limites dessa possibilidade e como ela deve funcionar na prática?

Precatórios nas concessões e privatizações

É possível se utilizar de precatório para pagamento de outorga em concessão e para a aquisição de participação acionária da empresa estatal