Rodrigo Fracalossi de Moraes

<p>A política externa brasileira se transformou, em grande medida, em uma justaposição de pautas que não cumprem requisitos mínimos de racionalidade e visão de longo prazo. Diversas agendas passaram a se basear na chamada “política do barulho”, ou seja, políticas de pouco conteúdo, mas cuja mensagem é transmitida em alto volume. Os efeitos deste tipo de política foram explorados, dentre outros, por Glenn Morgan, Christian Ibsen e Pepper Culpepper.</p>
<p>Exemplos de pautas deste tipo são o combate ao “comunismo”, a rejeição ao “globalismo”, a defesa do cristianismo, a abertura comercial para o setor de armas leves e munições, e a ausência de apoio à saúde sexual e reprodutiva em organizações multilaterais. Nenhuma dessas propostas traz qualquer benefício tangível ao país e a maioria implica custos materiais ou reputacionais.</p>
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<p>Diferentemente, ao se colocar a promoção do desenvolvimento como o foco da política externa, tem-se um instrumento para a melhoria efetiva das condições de vida da população. Isso ocorre por meio de ao menos cinco mecanismos, todos interrelacionados: integração regional, comércio e investimento, combate à pobreza, diversificação das relações internacionais, e sustentabilidade ambiental.</p>
<p>Primeiro, uma maior integração com países vizinhos a partir dos anos 1980 trouxe ao Brasil um crescimento significativo da participação de países latino-americanos (especialmente do Cone Sul) como fonte e destino de produtos, serviços e investimentos. Contudo, o peso econômico da região para o Brasil tem se reduzido, o que decorre não apenas da expansão nas relações econômicas com outros países (China, sobretudo), mas também da menor prioridade atribuída à integração regional. Como exemplo, a integração regional em infraestrutura encontra-se praticamente paralisada (à exceção do corredor rodoviário bioceânico entre Porto Murtinho e portos do norte do Chile), ainda que possua impacto significativo sobre a redução de custos e eliminação de gargalos.</p>
<p>Segundo, os ganhos oriundos da ampliação de trocas comerciais e investimentos diretos externos são múltiplos: ampliação de mercados, promoção do crescimento econômico, ampliação de empregos, aumento da competitividade e produtividade, dentre outros. Acordos de comércio preferencial podem contribuir para maiores taxas de crescimento econômico e melhoria do bem-estar da população. Como exemplo, um acordo comercial com a China (feito de forma criteriosa e com análises de impacto sobre diferentes setores no país) provavelmente traria ganhos líquidos e ampliaria o potencial de crescimento econômico do Brasil. Uma diplomacia do desenvolvimento enfatizaria ainda as desigualdades sociais e econômicas entre o norte e o sul globais, buscando acordos bilaterais, regionais e multilaterais, assim como regimes de comércio e investimento que favoreçam países em desenvolvimento, especialmente aqueles com mais dificuldades de se adaptar a uma economia globalizada.</p>
<p>Terceiro, relações diversificadas reduzem a exposição do Brasil a choques negativos e ampliam as possibilidades de ganhos econômicos. Uma política pautada pelo distanciamento em relação a países considerados “comunistas” faria pouco sentido para o Brasil mesmo na Guerra Fria (a não ser em casos de potenciais sanções). E o faz muito menos agora, em um contexto de elevada interdependência econômica. Ao lutar contra o “comunismo”, as potenciais consequências são todas negativas: alocam-se recursos escassos para o enfrentamento de inimigos imaginários; perde-se influência em instituições multilaterais; perde-se acesso a líderes políticos e empresariais na China; e arrisca-se a colocar o Brasil no fogo cruzado de conflitos ou disputas entre terceiros (China versus Estados Unidos, sobretudo). Mesmo o Japão, um dos mais importantes aliados dos Estados Unidos, busca não tomar lados nas disputas entre China e Estados Unidos, ciente da importância da interdependência econômica com a China.</p>
<h3>China</h3>
<p>O fato de a China ser o principal parceiro comercial do Brasil conta muito, mas é parte de uma equação com mais variáveis. A China é um dos principais motores do desenvolvimento econômico nas últimas décadas, respondendo atualmente por 18% do PIB mundial. O PIB chinês cresceu de US$ 991 bilhões em 1989 para US$ 14,3 trilhões em 2019 (a preços de 2015). Como referência, o PIB brasileiro cresceu de US$ 976 bilhões para US$ 1,8 trilhão no mesmo período (também a preços de 2015), sendo atualmente cerca de 8 vezes inferior ao chinês. A China é também um celeiro de inovação tecnológica e ponto nodal em cadeias regionais e globais de valor. Sua experiência de desenvolvimento reduziu níveis de pobreza em uma extensão e velocidade sem precedentes. Ainda assim, uma política externa astuta não deveria alinhar o Brasil à China (nem aos Estados Unidos ou a qualquer outro país), mas sim buscar um equilíbrio nas relações com ambos, explorando os dividendos da interdependência econômica entre eles.</p>
<p>Quarto, uma agenda voltada ao combate à pobreza poderia não apenas trazer recursos materiais ao país (oriundos de ajuda oficial ao desenvolvimento de governos estrangeiros, instituições regionais e multilaterais, ou organizações privadas), mas também ganhos reputacionais, dadas as diversas políticas adotadas no Brasil e que efetivamente reduziram os níveis de pobreza no país. O combate à pobreza pode ainda ser combinado com outras agendas de interesse do país. Como exemplo, o tema foi incluído nas discussões da Rio+20 em função de uma proposta do governo brasileiro, buscando ligar as pautas da sustentabilidade ambiental e da erradicação da pobreza. Também passou a ser central na agenda de direitos humanos: para além de liberdades civis e políticas, a concepção de direitos humanos incorpora hoje um conjunto mais amplo de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.</p>
<blockquote class="jota-article__eye"><p>Por fim, a sustentabilidade ambiental se tornou uma política pública essencial ao desenvolvimento, e que crescerá em importância ao longo das próximas décadas. Rejeitar a importância de políticas ambientais sólidas e transparentes cria, assim, uma série de problemas de política externa – tanto diretos como indiretos.</p></blockquote>
<p>E um baixo interesse por soluções multilaterais enfraquece a posição de países em desenvolvimento, para os quais negociações devem ter como base o princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas.</p>
<p>Quanto aos seus efeitos diretos, a desregulação ou desrespeito às leis ambientais reduz o apoio internacional à participação ou maior influência do Brasil em organizações e acordos internacionais (acordo Mercosul-União Europeia, por exemplo). Ademais, amplia as chances de boicotes contra produtos brasileiros, assim como a força de agendas agrícolas protecionistas e de defesa de subsídios em países desenvolvidos (por meio da Política Agrícola Comum da União Europeia, por exemplo).</p>
<p>Há também efeitos indiretos: eventuais compromissos ambientais são menos críveis em um contexto de pouco apreço por normas ambientais. Ou seja, em função de uma reputação ruim, a “palavra” do país perde valor, levando a que compromissos assumidos tenham maior probabilidade de serem objeto de desconfiança. E a reputação de um país é um de seus maiores ativos: ela facilita a cooperação internacional e reduz a necessidade de mecanismos complexos e caros de compliance. Alguns exemplos: após a Rússia questionar a quantidade elevada de agrotóxicos na soja brasileira, como fazer o governo russo acreditar que compromissos eventualmente assumidos são críveis e serão realmente adotados? Caso a União Europeia condicione um acordo comercial à mudança na política ambiental do Brasil, como convencer os europeus de que as promessas brasileiras são “pra valer”? Se o governo dos Estados Unidos se interessar em transferir recursos para a proteção da Amazônia, como demonstrar que os recursos estão ou serão bem aplicados?</p>
<p>Em síntese, ao se colocar a promoção do desenvolvimento como ponto central da política externa, abre-se um caminho para a melhoria das condições de vida da população, e deixa-se de lado a irracionalidade da “política do barulho”. Trata-se de uma política adaptada às necessidades de um país com as características do Brasil: em desenvolvimento e profundamente desigual, mas também democrático e uma das maiores potências ambientais do planeta.</p>
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JOTA

Política externa brasileira se transformou em justaposição de pautas que não cumprem requisitos mínimos de racionalidade

Por uma retomada da diplomacia do desenvolvimento

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