Luís Gustavo Faria Guimarães

Um dos temas mais polêmicos e menos compreendidos no direito constitucional brasileiro é o impeachment. A polêmica gira em torno dos duros embates político-ideológicos, dos traumas institucionais e da visão apaixonada que muitos têm em relação aos processos de impeachment vivenciados no país após a redemocratização.
A pouca compreensão sobre o tema, por sua vez, é fruto da escassa literatura doutrinária e da criatividade da jurisprudência que, em diferentes momentos históricos, se debruçaram sobre o instituto da responsabilização dos governantes.
O impeachment é um instituto político, jurídico ou misto? As condutas delitivas passíveis de impeachment são de natureza administrativa, penal ou política? São condutas descritas em tipos abertos ou fechados? Seus incisos são exemplificativos ou taxativos?
Há inúmeras questões passíveis de discussão a respeito da compreensão e aplicação do instituto do impeachment, que cabem, sem dúvida, em uma dissertação de mestrado ou tese de doutorado. Apesar disso, não se pode menosprezar o fato de que a regulamentação do impeachment no Brasil é feita pela <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l1079.htm">Lei 1.079, de 1950</a>, ainda sob a vigência da Constituição de 1946.
Quando se analisa o teor desta lei de 1950, é possível concluir, ainda, que a legislação traz, na maior parte de seus dispositivos, previsões muito similares às leis anteriores que regulamentaram o impeachment no Brasil: as Leis nº 27 e 30 de 1892 – sob a vigência da Constituição de 1891; e a Lei de 15 de outubro de 1827 – feita ainda no período imperial, sob a vigência da Constituição de 1824.
A descrição dos tipos de condutas passíveis de impeachment, as formalidades excessivas e o procedimento de responsabilização que constam na lei de 1950 são fruto, portanto, da influência que as leis anteriores – de 1892 e 1827 – exerceram sobre os legisladores na metade do século passado. Isso sem menosprezar o contexto da conturbada conjuntura política da década de 1950, quando da elaboração da referida lei.
Não por acaso, o próprio Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>) já reconheceu, em mais de uma oportunidade, que a Constituição de 1988 não recepcionou diversos dispositivos da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-do-impeachment">Lei do Impeachment</a> de 1950.
Contudo, sem ter sido revogada expressamente ou substituída por outra no regime constitucional atual, a lei de 1950 acabou sendo o esteio sob o qual se sustentaram todos os conflitos envolvendo a temática do impeachment nas últimas décadas.
Diante desse cenário de enorme insegurança jurídica – provocado por uma legislação defasada e descontextualizada para regular um dos institutos mais complexos e delicados do arranjo institucional pátrio –, coube ao STF, em 1992 e em 2016, balizar os processos de impeachment e fixar os ritos e o procedimento a serem adotados pelas Casas Legislativas, por meio de analogias com o Código de Processo Penal e os Regimentos da Câmara e do Senado.
É inegável, portanto, que a situação precária com que se operacionalizam os procedimentos relativos a impeachment, tanto em 1992 quanto em 2016, são fruto da flagrante incompatibilidade entre a lei de 1950 e a Constituição de 1988.
Por essa razão, é muito bem-vinda a iniciativa do Senado Federal em instalar uma comissão de juristas para elaborar um anteprojeto que possa estabelecer os crimes passíveis de impeachment, bem como especificar as normas do processo e o rito de julgamento.
Há que se destacar, desde logo, que não há qualquer casuísmo na iniciativa de revisão da Lei do Impeachment, pois, como mencionado anteriormente, a legislação atualmente vigente é antiquada, feita em outro contexto e sob outra ordem constitucional.
Além disso, a elaboração de uma nova Lei do Impeachment cumpre uma determinação do art. 85, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988, que vem sendo ignorada há mais de três décadas, pelo legislador brasileiro.
Nesse sentido, a iniciativa de se estabelecer uma nova Lei do Impeachment que revogue expressamente a legislação de 1950 é importante com o propósito de assegurar maior segurança jurídica e efetiva compatibilidade entre o instituto do impeachment e o arranjo institucional brasileiro.
Caso a missão seja bem sucedida e uma nova lei venha a substituir o texto de 1950, não tenho qualquer expectativa de que as divergências doutrinárias sejam amainadas. Pela complexidade e riqueza do instituto, ainda restarão ricos embates quanto à natureza do impeachment, a tipificação das condutas e as peculiaridades do seu rito procedimental.
Ainda assim, isso não diminui a importância e a necessidade de que o mandamento constitucional seja cumprido e uma nova Lei do Impeachment seja elaborada, para que possamos dar a esse instituto o vigor democrático da Carta de 1988.
Cabe-nos, por fim, uma última ressalva: com ou sem nova Lei do Impeachment, a prudência e a serenidade na aplicação do instituto ainda dependerão do senso de justiça, do valor democrático e das virtudes – ou falta delas – dos homens e mulheres, cidadãos, governantes e governados que compõem e constroem a vida política nacional.

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Senado acerta ao constituir comissão de juristas para revisar a lei de 1950

Por uma nova Lei do Impeachment

Senado acerta ao constituir comissão de juristas para revisar a Lei do Impeachment atual, que data de 1950