Marcelo Barros Gomes

Igor Pereira Oliveira

Em recente publicação, de agosto de 2022, intitulada “Contribuições para um governo democrático e progressista”<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a>, os eminentes autores Bernard Appy, Carlos Ari Sundfeld, Francisco Gaetani, Marcelo Medeiros, Pérsio Arida e Sérgio Fausto propõem uma contundente pauta e agenda de reformas e ações aos novos governos, especialmente o federal.
No documento é defendida, por exemplo, a revisão geral do sistema de controle de contas, partindo da premissa de que há uma politização e de que se deve evitar “recorrentes interferências em matérias alheias a suas competências constitucionais (ex.: regulação administrativa), impedir que crie por si interferências ex ante da ação administrativa (ex.: em processos de desestatização), que dispute competências com o Poder Judiciário (ex.: responsabilização de particulares, medidas cautelares de indisponibilidade de bens etc.)” e até mesmo ações supostamente casuísticas.
Ocorre que, em 2018, ao se debater “Eficiência da Gestão Pública e Instituições de Controle”, em que estavam presentes três dos seis autores supracitados, explicitou-se<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a> o papel mais contemporâneo e de práticas de controle em países democráticos e transparentes, bem como a premente necessidade de se criar no Brasil plataformas e agendas de diálogos e relacionamentos construtivos e transformadores, com foco em eficiência e resultados.
Com efeito, o controle externo e as administrações públicas federais, estaduais ou municipais devem identificar alternativas baseadas nas melhores práticas e evidências para resolução de problemas mais substantivos, crônicos e de alto risco, que vêm afetando de forma recorrente os resultados das políticas públicas, a eficiência da regulação, a sustentabilidade e a inclusão de pessoas e regiões. Essas plataformas, se bem desenhadas, teriam também o condão de aumentar a confiança e a previsibilidade dos investimentos, criando melhor ambiente de negócios e geração de valor público para vidas melhores aos cidadãos.
Nesse contexto, cumpre ressaltar que a preparação e o acompanhamento do processo de acessão do Brasil à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a> requer um governo mais accountable e transparente, em busca de melhores práticas internacionais. Compor a entidade permite obter “ganhos relacionados ao aumento do investimento direto estrangeiro, do crescimento do PIB per capita e, consequentemente, da elevação do bem-estar econômico e social dos brasileiros”, conforme estudo<a href="#_edn4" name="_ednref4">[4]</a> recente do IPEA.
Além disso, a OCDE, que defende em seus princípios a preservação da liberdade individual, os valores da democracia, o Estado de Direito, a defesa dos direitos humanos e economias de mercado abertos e transparentes, tem divulgado, em suas publicações oficiais, a relevância do controle externo em um papel de “foresight” e aconselhamento e sobre como os poderes executivos podem se beneficiar dessa atuação de forma mais contínua e integrada, valendo destacar<a href="#_edn5" name="_ednref5">[5]</a>:
<blockquote class="jota-article__citation">“(…) The results of SAI work are intended to promote improvement in governance and drive accountability. In this way, SAIs’ work contributes to different challenges that governments face in evaluating to drive results". (OCDE, 2016)</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">“Brazil’s Federal Court of Accounts, the Tribunal de Contas da União (TCU), is seeking to go beyond its traditional oversight role and help improve policy formulation, implementation and evaluation. (…) can help ensure that policies and programmes are forward looking and based on evidence". (OCDE, 2017)</blockquote>
Por exemplo, pode-se observar o que produz o U.S. Government Accountability Office (GAO, o TCU dos EUA) em seu plano estratégico e de antecipação de riscos sistêmicos, os quais podem ocorrer naquele país e em alguns em escala global. O documento traz em detalhes as áreas em que o órgão de controle deverá efetuar trabalhos prospectivos e de alta relevância<a href="#_edn6" name="_ednref6">[6]</a>.
Assim, as melhores práticas internacionais dispõem que o controle e a gestão integram, de forma indissociável, quaisquer ações que almejem consolidar a democracia e a transparência.
No caso do TCU, pode-se citar quatro produtos consolidadores realizados anualmente como referência para uma eventual e necessária estratégia de articulação e diálogo entre o governo federal, o Congresso Nacional e a Entidade Fiscalizadora Superior brasileira<a href="#_edn7" name="_ednref7">[7]</a>:
<ul>
<li>O Relatório de Fiscalizações em Políticas e Programas de Governo (RePP), que atende ao art. 144 da LDO 2021;</li>
<li>A Lista de Alto Risco da administração pública federal, que identificou riscos que podem comprometer tanto a qualidade dos serviços ofertados pelo governo quanto a eficácia das políticas públicas;</li>
<li>O Novo relatório de Obras (Fiscobras, mais sistêmico e calcado em questões estruturantes para boa regulação e melhor oferta de infraestrutura no país), também em atendimento à LDO; e</li>
<li>Os alertas e as recomendações apontados nas próprias análises e nos pareceres exarados nas Contas Anuais do Presidente da República.</li>
</ul>
Além disso, e não menos importante, o Tribunal tem fomentado uma melhor estruturação do centro de governo (CG), que inclui órgãos localizados próximos ao chefe do executivo e órgãos que desempenham funções governamentais de coordenação em temas transversais.
A OCDE lançou diagnóstico abrangente sobre essas funções de CG e o acompanhamento dessas recomendações deve ser pauta relevante para se alcançar os objetivos de maior integração dentro do governo e nas suas relações com outras instâncias, como, por exemplo, entre governo e controle. <a href="#_edn8" name="_ednref8">[8]</a>
Nesse sentido, os estudos do Acórdão TCU n.º 2.272/2019-Plenário destacaram a relevância de deliberações endereçadas ao CG devido à existência de “causas comuns à maior parte dos recorrentes problemas encontrados” na maioria das políticas públicas, “o que acarreta a baixa qualidade do resultado entregue à sociedade”.
Em relação às <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-controle-externo-tem-contribuido-com-as-desestatizacoes-06042022">desestatizações</a><a href="#_edn9" name="_ednref9">[9]</a>, a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13334.htm">Lei 13.334/2016</a>, que criou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), exige a articulação com os órgãos e autoridades de controle (inciso IV, art. 6º). A Lei 13.448/2017 (setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário), por sua vez, exige o encaminhamento dos estudos para contratação de novas parcerias decorrentes de relicitações e prorrogações antecipadas de concessões em andamento ao TCU (art. 11).
Dessa perspectiva, são inequívocas a estabilidade regulatória e a percepção de menor risco quando as parcerias entre controle e executivo ocorrem em prol da regular e boa realização dos certames e execução dos contratos decorrentes.
Obviamente, a agenda de relacionamento com o controle não é a força-motriz primária de governo, que deve vir do próprio poder executivo no seu relacionamento com o Congresso Nacional e a sociedade.
Contudo, um relacionamento estratégico, bem articulado e substantivo entre controle e gestão contribuirá para o desenvolvimento mais consistente do país, tendo o potencial de elevar a capacidade dos governantes eleitos (ou reeleitos) na formulação e implementação de políticas (mandatos eficientes e transformadores), com impacto, inclusive, na aceleração do processo de acessão do país à OCDE.
Portanto, seria muito oportuno que transições governamentais priorizassem a construção de uma agenda mais estratégica e sinérgica com os respectivos tribunais de contas, salutar para fortalecimento de nossas instituições e da democracia, sem perder de vista a observação, por todos os entes federativos, das recomendações sobre melhores capacidades de integração de centros de governo, notadamente as realizadas na peer review da OCDE sobre o centro de governo no Brasil, aproveitando legados já estabelecidos, mas, não raro, descontinuados.
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Eventuais opiniões são pessoais e não expressam posicionamento institucional do TCU
<hr />
<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1]</a> Disponível em <a href="https://sbdp.org.br/publication/contribuicoes-para-um-governo-democratico-e-progressista-agosto-de-2022/">https://sbdp.org.br/publication/contribuicoes-para-um-governo-democratico-e-progressista-agosto-de-2022/</a>
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[2]</a> Os esclarecimentos foram apresentados por representante do TCU em <a href="https://www.youtube.com/watch?v=yA1uOoyerQs">https://www.youtube.com/watch?v=yA1uOoyerQs</a>.
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[3]</a> O processo teve um avanço recente com a publicação do “Roadmap for the OECD acession processo of Brazil”, disponível em <a href="https://www.oecd.org/latin-america/Roadmap-OECD-Accession-Process-brazil-EN.pdf">https://www.oecd.org/latin-america/Roadmap-OECD-Accession-Process-brazil-EN.pdf</a>
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[4]</a> Estudo do IPEA disponível em <a href="http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/11230">http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/11230</a>.
<a href="#_ednref5" name="_edn5">[5]</a> Trechos de duas publicações da OCDE, disponíveis em <a href="https://doi.org/10.1787/9789264263871-en">https://doi.org/10.1787/9789264263871-en</a> e <a href="https://www.oecd-ilibrary.org/governance/brazil-s-federal-court-of-accounts_9789264279247-en">https://www.oecd-ilibrary.org/governance/brazil-s-federal-court-of-accounts_9789264279247-en</a>
<a href="#_ednref6" name="_edn6">[6]</a> Esses trabalhos podem ser acessados em <a href="https://www.gao.gov/assets/gao-22-1sp.pdf">https://www.gao.gov/assets/gao-22-1sp.pdf</a>.
<a href="#_ednref7" name="_edn7">[7i]</a> Esses trabalhos podem ser acessados em <a href="https://sites.tcu.gov.br/relatorio-de-politicas/">https://sites.tcu.gov.br/relatorio-de-politicas/</a>, <a href="https://sites.tcu.gov.br/listadealtorisco/">https://sites.tcu.gov.br/listadealtorisco/</a>, <a href="https://portal.tcu.gov.br/fiscobras.htm">https://portal.tcu.gov.br/fiscobras.htm</a>; https://portal.tcu.gov.br/contas-e-fiscalizacao/contas-do-presidente-da-republica/
<a href="#_ednref8" name="_edn8">[8]</a>Disponível em <a href="https://www.oecd.org/publications/centre-of-government-review-of-brazil-33d996b2-en.htm">https://www.oecd.org/publications/centre-of-government-review-of-brazil-33d996b2-en.htm</a>. Além disso, o Referencial para avaliação da governança do centro de governo foi confeccionado em 2016 pelo TCU.
<a href="#_ednref9" name="_edn9">[9]</a> O assunto já foi abordado no JOTA em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-controle-externo-tem-contribuido-com-as-desestatizacoes-06042022">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-controle-externo-tem-contribuido-com-as-desestatizacoes-06042022</a>

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JOTA

Maior eficiência do Estado em prol do ambiente de negócios e de vidas melhores

Por uma agenda mais integrativa entre os Poderes Executivos e os Tribunais de Contas

Maior eficiência do Estado para funcionar mais integrado aos Tribunais de Contas em prol do ambiente de negócios e de vidas melhores