
Em recente artigo publicado na Folha de S.Paulo, o secretário de Fazenda de São Paulo, Felipe Salto, endossou a posição do seu governador, criticando o modelo federativo brasileiro por devolver ao estado menos recursos que dele retira por meio de tributos federais. Congratulo o secretário por evocar o debate sobre a urgente necessidade de repactuação federativa no Brasil, ao tempo em que, acatando o convite a um diálogo tão relevante, gostaria de ponderar alguns dos números apresentados que alegadamente caracterizariam desvantagem de seu estado.
É verdade que São Paulo contribui com R$ 716 bilhões para as receitas da União e só recebe R$ 47 bilhões de volta? Não é bem isso.
Em primeiro lugar, porque a contribuição efetiva dos seus cidadãos aos cofres da União não corresponde ao total de tributos recolhidos pelas empresas do estado. Estas são intermediárias do pagamento de tributos que, em muitos casos, incidem sobre o bolso de consumidores de outras unidades federadas.
Se o estado fosse um país independente e os impostos federais hoje vigentes fossem de sua competência, essa hipotética nação não teria R$ 716 bilhões à sua disposição por um motivo simples: países desenvolvidos não tributam as exportações, mas apenas o seu próprio consumo, o que significa que a venda de bens e serviços para outros estados não geraria receita para São Paulo, e sim para o restante do Brasil.
Logo, dos R$ 170 bilhões de impostos federais sobre produção e consumo recolhidos hoje localmente, apenas R$ 115 bilhões ficariam com o estado. Além disso, o ICMS de São Paulo seria bem menor, visto que parte significativa dele deriva de venda para outras unidades federadas.
No lado das despesas, o valor de R$ 47 bilhões também está longe de representar todo o retorno de recursos federais para o estado. Em 2021, os repasses para o estado e seus municípios somaram cerca de R$ 60 bilhões, sem contar as chamadas transferências voluntárias, feitas principalmente para financiar investimentos.
Além disso, os seus cidadãos receberam no ano passado R$ 230 bilhões em benefícios previdenciários e assistenciais, além do Bolsa Família e auxílio emergencial. E outros R$ 30 bilhões foram gastos pela União para pagar servidores públicos federais que vivem em São Paulo.
É importante observar que a União paga servidores, benefícios sociais, subsídios e investimentos espalhados por todo país, além de repassar para estados e municípios cerca de 18% do que arrecada,.
Ou seja, a repartição de receita com estados e municípios é apenas uma das formas com que o esforço federal afeta a vida dos cidadãos das distintas unidades federadas. Talvez esse modelo centralizado não seja o mais eficiente, como apontam tantos estudos, inclusive os realizados no âmbito do Comsefaz em 2021, mas não nos parece adequado questionar o papel distributivo atribuído a uma parte das transferências da União para estados e municípios.
Nosso federalismo acentua desigualdades ao manter um modelo de repartição do ICMS baseado no princípio da origem (somos um dos poucos países do mundo com esse modelo), o que favorece São Paulo e outros estados produtores, em detrimento dos consumidores. O que elogiosamente o secretário Felipe Salto propõe ser revisto e já está materializado em PEC pronta para ser apreciada no Senado, com o apoio dos 27 secretários estaduais.
Por outro lado, o Fundo de Participação dos Estados (FPE) mencionado naquele artigo mereceria uma análise mais aprofundada em outro momento. A recuperação da função desenvolvimentista do fundo depende, antes, da correção de distorções federativas diversas entre as quais se inclui, a exemplo, a mencionada tributação na origem do ICMS que enfraquece as finanças de estados de economias menos dinâmicas.
Diante do atual quadro de centralização e desigualdade, não tenho dúvida de que nosso modelo federativo deve ser reformado, porém sem perder de vista o objetivo de “promover o equilíbrio socioeconômico entre estados”, conforme prevê nossa Constituição Federal.