Gianfranco Cinelli

A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n. 13.709/2018 ou simplesmente LGDP) não é de fácil compreensão, pois a preocupação com a privacidade é algo que começamos a ver brotar na sociedade brasileira apenas nos últimos anos. Até “ontem” voluntariávamos nos dados pessoais a terceiros em troca de nada ou de um pequeno desconto, sem ao menos questionarmos o que seria feito com eles. Além disso, um programa para adequação e conformidade com as regras da LGPD é complexo e requer tempo, recursos e dedicação.
Para completar as novidades, as multas e sanções da LGPD passarão a ser aplicadas a partir de agosto de 2021, sem falar de todas as regulamentações e definições que estão por vir, por parte da recém-instituída Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Este novíssimo cenário, cheio de incertezas, impõe a necessidade de compreensão da LGPD e dos riscos oriundos do não cumprimento de suas orientações.
Por outro lado, a LGPD trará diversos benefícios. Por isso convido a todos conhecerem mais sobre o seu contexto e oportunidades que a implementação de um programa efetivo trará para os negócios e para a sociedade.
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Esta moderna norma é um marco na legislação brasileira para tratamento dos dados pessoais, alinhada com os princípios constitucionais de 1988 e nitidamente inspirada na GDPR, sigla para Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, na União Europeia, que entrou em vigor em 25 de maio de 2018, dois anos após ser aprovada.
Em uma sociedade cada vez mais digital, os dados são uma das commodities mais desejadas e quanto maior o volume de dados tratados, maior a sua assertividade do marketing e por consequência maior poder em essa nova economia.
Neste contexto, os vazamentos de dados decorrentes de incidentes de segurança e de usos ilegais na deep web têm se tornado cada vez mais comuns. Uma pesquisa do Massachusetts Institute of Technology (“MIT”) publicada no Journal of Data and Information Quality da ACM (Association for Computing Machinery) aponta que vazamentos de dados aumentaram 493% no Brasil.
De qualquer forma, nem precisamos buscar ir tão longe, basta acessarmos os noticiários que certamente encontraremos chamadas sobre vazamentos expondo milhares, por vezes milhões e mais recentemente bilhões de dados pessoais, aqui no Brasil e no mundo, inclusive dados pessoais sensíveis, isso sem contar com os vazamentos que não vem a público.
Alguns vazamentos ganharam fama nacional e mundial, como por exemplo ANVISA (usuários de canabidiol), Ashley Madison (site de relacionamento extra conjugal), Facebook/Cabridge Analytics (milhares de dados dos usuários e seus amigos), Hotéis Marriott (500 milhões de clientes afetados), Sicredi (1Tb de dados), Google+ (500 mil usuários), Uber (196 mil brasileiros), Netshoes (2 milhões de clientes), os mega-vazamentos de dados de 223 milhões de brasileiros (maior que a própria população estimada em 212 milhões), outro de informações detalhadas de 140 milhões de pessoas noticiados este ano de 2021 pela empresa de segurança cibernética PSafe, e da recentíssima notícia agora em junho 2021 sobre a possibilidade de vazamento de 8,4 bilhões de senhas, considerado o maior vazamento da história noticiado pelo portal especializado Cybernews!
Diante de tantas novidades, incertezas e riscos, seja pelos frequentes ataques, nova legislação e novíssima autoridade, é se esperar preocupação e receio de todos aqueles que são afetados por estas mudanças.
<h3>Compliance em Proteção de Dados</h3>
Infelizmente essa realidade impõe a necessidade das empresas estabeleceram um programa de conformidade em proteção de dados, com a respectiva formação de uma cultura de governança de dados, e que não para aí, pois deverá adotar e comprovar todas as medidas técnicas e administrativas para assegurar a integridade dos dados pessoais tratados durante a execução de suas atividades, por exemplo elaboração de políticas de segurança da informação, standards e guias de procedimento, inclusive para notificação de incidentes de segurança, implementação de controle de contas e senhas, criptografia, cópias de segurança, ferramentas anti-malware, firewall e filtro anti-spam, segurança física de acesso a servidores e arquivos, etc.
Neste sentido, a gestão do tratamento de dados pelas empresa ocupará, e em alguns lugares já ocupa, uma posição de destaque dentro da estrutura de governança, inclusive em observância à conformidade da LGPD aos parâmetros de ESG (Governança corporativa, Social e Ambiental).
Além de garantir aos titulares o respeito à privacidade de seus dados, caberá ainda aos titulares de dados as obrigações de atenção e cuidado na contratação e ao uso de serviços online (por exemplo, recebimento de e-mails, realização de transações financeiras em aplicativos de banco no celular), no intuito de validar se aquela informação é verdadeira, não fornecer dados além do necessário e não navegar em sites que não sejam seguros.
A implantação do programa de Compliance em Privacidade de Dados é um forte aliado para construir uma cultura de privacidade de dados. Os processos internos e a atenção  diárias ao tema ajudarão a estabelecer essa nova rotina, que precisa ser vivenciada por todos dentro da organização.
Diante dos riscos de vazamentos, multas e sanções, perda reputação, quebra de confiança, entre outros, fica de fácil compreensão a relevância de um programa para estar em conformidade com a LGPD, que até poderá nascer como projeto, mas precisará evoluir para ser um programa que precisa ser adotado por toda a organização. Um ‘projeto’ tem começo, meio e fim e poderá até ser usado para iniciar a implementação do programa. Mas apenas o ‘programa’ será algo perene, que influenciará e ajudará a criar a nova cultura de respeito privacidade de dados pessoais nas empresas. Muito semelhante ao programa de compliance em anti-corrupção, a conformidade com a LGPD exigirá comprometimento da liderança e também de toda a organização, e reforço que não será tarefa fácil e nem rápida.
Neste sentido, não caberá somente a um ou dois departamentos envolverem-se diretamente na implementação. As empresas até podem engajar uma ou duas áreas como responsáveis para a implementação do projeto, por exemplo as áreas jurídicas e de tecnologia (TI), mas na prática será preciso o envolvimento de outros times, como por exemplo, recursos humanos, marketing, compliance, comunicação, comercial, e por fim todas as demais áreas da empresa deverão embarcar no programa.
Para ser a bússola do programa, a alta administração precisa ter uma participação ativa para dar o tom, garantindo o engajamento de todos. Os líderes devem viver o respeito à privacidade de dados como um valor cultural da organização.
Por isso, é importante manter a privacidade de dados no centro das atenções desde as ações cotidianas, passando por treinamentos, até o momento da concepção e desenvolvimento de novos produtos e soluções (privacy by design/by default). Serão exemplos como esses que irão influenciar os demais colaboradores na adesão ao programa.
<h3>Quais são os benefícios da LGPD?</h3>
Diante deste novo ambiente, todas as organizações que coletam, gerenciam e tratam dados pessoais precisam buscar a conformidade com a LGPD, bem como estarem atentas às prováveis atualizações e novas regulamentações.
Entretanto todo esse cuidado para lidar com dados pessoais não traz somente responsabilidades, mas também muitos benefícios que vão desde incentivar novos negócios ao país, até criação de novas oportunidades aos profissionais que se dedicarem à área e às empresas que se adequarem ao tema.
Com a implementação desta moderna legislação em proteção de dados, o Brasil poderá figurar na lista de nações que têm uma legislação compreensiva sobre o assunto.
Neste sentido, além de uma maior transparência no tratamento de dados pessoais imposta pela legislação, o seu amadurecimento ajudará a estreitar relações com outros países que também andam em conformidade com as boas práticas de coleta e tratamento de dados.
Isso pode tornar o país uma jurisdição de livre fluxo de dados pessoais com outros países, como por exemplo os membros do bloco europeu e fomentar novos negócios e investimentos.
Para estar em conformidade com a nova legislação, as empresas buscam implementar programas de compliance em proteção de dados e por consequência  passam a revisar seus processos internos, e trabalhar com maior transparência e consciência no tratamento dos dados pessoais, afetando positivamente sua reputação perante seus clientes, colaboradores, autoridades e a sociedade e geral.
E por consequência, a melhoria em seus processos internos de tratamento, a maior aberta e diálogo com os titulares e demais stakeholder sobre tratamento e privacidade de dados criará uma cultura de proteção de dados e uma sólida reputação no mercado.
<blockquote class="jota-article__eye">Esta nova abordagem será reconhecida não apenas pelos consumidores de seus produtos e serviços, mas também por seus parceiros comerciais, traduzindo-se em vantagem competitiva em relação às demais empresas que ainda não se adequaram à LGPD. </blockquote>
Assim, forma-se um círculo virtuoso onde as pessoas e clientes começam a confiar mais nas empresas que estão em conformidade e, por outro lado, passam a duvidar daquelas que não trazem o tema como valor, sejam elas empresas públicas ou privadas.
Cada vez mais, as pessoas estão sendo educadas de seus direitos  como titulares de dados pessoais e passam a entender o que é feito com suas informações. Hoje em dia já é possível assistir comerciais na televisão e internet onde grandes empresas como Banco Itaú e Apple trazem o compliance em privacy como diferencial competitivo de seus produtos.
Não menos importante, as organizações não apenas passam a “cumprir tarefas” para atendimento da legislação, mas elas começam a preocupar-se em desenvolver uma nova cultura interna em ESG, que passa inclusive pelo respeito à privacidade de dados. Quando os colaboradores, imersos em uma forma de trabalho organizada, com consciência de suas responsabilidades, realizarão as atividades de forma fluida e natural e não apenas para o cumprimento de ordens.
<h3>Oportunidade Profissional</h3>
Diante destas novas necessidades impostas pelo mercado e pela legislação surge no mercado a demanda por profissionais capazes de promover a mudança necessária, navegar neste novo ambiente de incertezas e que compreendam o contexto e os benefícios da conformidade com a LGPD, criando novas oportunidade de empregos, consultorias e prestação de serviços. Oportunidade farta para aqueles profissionais que conhecem as metodologias ágeis, com conhecimentos específicos em gestão de projetos e alta adaptabilidade.
A legislação europeia criou a figura do “Data Protection Officer” e a brasileira o “Encarregado”, ou seja, positivaram a necessidade de um profissional dedicado à privacidade de dados para cada empresa. Esta função aqui no Brasil poderá ser exercida por um colaborador contratado ou mesmo pela contratação de um serviço.
Uma das principais atividades do encarregado é a comunicação da empresa com os titulares de dados, tanto internos (colaboradores) quanto externos (clientes, fornecedores e terceiros), bem como com a Autoridade Nacional (ANPD).
<h3>Hora de agir</h3>
Em conclusão, devemos debater muito além dos riscos e incertezas amplamente divulgados, uma vez que restam claros os benefícios e oportunidades criados pela legislação, para aqueles que seriamente a encararem como oportunidade de melhoria de seus processos internos, de suas ferramentas de gestão e de governança.
As empresas que estiverem em compliance com a nova legislação serão reconhecidas pela sua transparência, pela maior retenção de talentos, pela confiança de seus consumidores, pelo respeito das autoridades e como consequência gerará valor ao acionista.
Não há tempo a perder, e não importa onde você se encontre nesta jornada, em uma companhia de capital aberto, uma pequena ou média empresa ou mesmo em start-up, a chamada é para ação. Estude a LGPD, planeje os próximos passos, busque bons parceiros e mãos à obra.
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JOTA

A LGDP não traz apenas riscos.Fique atento às oportunidades

Por que você deve compreender a Lei Geral de Proteção de Dados?

A LGDP não traz apenas riscos, fique atento às oportunidades