Caroline Stéphanie Francis dos Santos Maciel

Dados são o novo petróleo. Em uma economia cada vez mais digital, quanto mais dados uma empresa trata e combina, para oferecer uma experiência personalizada ao usuário, maiores são o seu valor de mercado e a vantagem competitiva que possui em relação aos concorrentes. Nesse sentido, dados equivalem a lucro, havendo incentivos econômicos significativos para que empresas em posição de dominância abusem de seu poder de mercado, seja para realizar coleta excessiva de dados – que ultrapassa as legítimas expectativas do titular – seja para elevar as barreiras à entrada de novos competidores com condutas anticompetitivas (tais como self-preferecing e discriminação no acesso a plataformas essenciais, a dados ou a usuários).
Assim, autoridades de proteção de dados e antitruste no mundo inteiro têm adotado iniciativas para regular as plataformas digitais dominantes em mercados digitais estratégicos – por exemplo, o mercado de ferramentas de busca, de redes sociais e de mensageria instantânea. Um exemplo disso é o chamado Digital Markets Act (DMA), que visa a estabelecer obrigações regulatórias para essas empresas no âmbito da União Europeia<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. De um lado, busca-se promover concorrência e inovação em mercados digitais altamente concentrados. De outro, proteger os direitos dos titulares e evitar violações à legislação de proteção de dados. Desse modo, o compartilhamento de dados entre empresas por meio da interoperabilidade de plataformas e a garantia do exercício do direito de portabilidade do usuário, também previsto na Lei Geral de Proteção de Dados (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lgpd">LGPD</a>), têm sido as vias para lidar com essas duas questões.
Na perspectiva concorrencial, o compartilhamento forçado de dados pode ser aplicado como um remédio antitruste em caso de abuso de posição dominante, mais eficiente do que a fixação de multa<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Esse aspecto concorrencial se harmoniza com os ditames de proteção de dados, como bem demonstram Novais e Mourão, pois tem respaldo no legítimo interesse capaz de autorizar o compartilhamento forçado, o que afastaria a necessidade de consentimento do titular.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
Na perspectiva de proteção de dados, o direito à portabilidade assegura que usuários possam trocar de forma facilitada e gratuita de serviço, diminuindo a dependência de prestadores exclusivos e aumentando seu poder de barganha para negociar condições contratuais mais vantajosas. A implementação da portabilidade exige que haja comunicação entre sistemas, a partir da padronização de regras, procedimentos e tecnologias, permitindo-se o fluxo e compartilhamento seguro de dados entre diferentes empresas concorrentes.
No Brasil, assiste-se a um exemplo bem-sucedido nesse sentido: o chamado Open Finance, que permite o compartilhamento de dados transacionais e financeiros de clientes, conferindo-lhes melhores condições bancárias e de acesso ao crédito. Paralelamente, inicia-se a implementação do Open Insurance e já se fala em um Open Health. Os aprendizados desses modelos podem ser expandidos para a construção de um Open Data<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, no qual quaisquer dados possam ser compartilhados e os usuários possam trocar de serviços digitais nos mais diversos mercados, trazendo concorrência, inovação e maior proteção de dados.
Com isso em mente, é hora de o Brasil desenvolver ainda mais o tema e dar um salto para a implementação do Open Data, diminuindo a elevada dependência dos usuários de provedores internacionais exclusivos de serviços digitais estratégicos. No entanto, falta ainda vontade legislativa e política de realizar essa mudança legislativa, que exigiria investimentos na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) ou a criação de um novo órgão responsável pelo Open Data.
O debate precisa avançar, seja para serem evitados os elevados danos sociais com a discriminação no acesso dessas plataformas, seja para trazer o compartilhamento de dados, dando aos usuários liberdade de escolha e efetivando o seu direito à portabilidade.
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/europe-fit-digital-age/digital-markets-act-ensuring-fair-and-open-digital-markets_en">https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/europe-fit-digital-age/digital-markets-act-ensuring-fair-and-open-digital-markets_en</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> NOVAIS, Leandro; MOURÃO, Carlos. A proteção de dados pessoais à luz do direito concorrencial: portabilidade de dados, infraestruturas essenciais e Open Banking. Revista de Defesa da Concorrência, v. 8, n. 2, p. 31-53, dez. 2020.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Ibid.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Entende-se como Open Data uma estrutura na qual se compartilham dados abertos de usuários através da interoperabilidade de plataformas digitais concorrentes. Dados abertos são aqueles que “podem ser livremente usados, reutilizados e redistribuídos por qualquer pessoa - sujeitos, no máximo, à exigência de atribuição da fonte e compartilhamento pelas mesmas regras” (<a href="https://opendatahandbook.org/guide/pt_BR/what-is-open-data/">https://opendatahandbook.org/guide/pt_BR/what-is-open-data/</a>).

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JOTA

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