Mércia Carmeline

Normalmente, em meus artigos, cito ou critico algum movimento do mercado financeiro, enfatizando aqueles em que se observa uma permissividade latente da exploração da ignorância. No sentido puro da falta de conhecimento, diante da escassez de estruturas de apoio e iniciativas de investimento. Principalmente, em relação a projetos de pequeno e médio porte – embora, nos últimos anos, até os projetos de grande porte tenham sido engavetados. 
O crowdfunding, tema do atual texto, entretanto, que só é novidade no Brasil, poderia ser uma alternativa interessante. Isso, caso repetisse aqui, pelo menos, uma parcela do sucesso que faz lá fora. Preponderantemente, nos Estados Unidos, onde movimenta bilhões de dólares.
O primeiro exemplo de sucesso de captação coletiva de recursos se deu em 1997, com uma banda britânica de rock, que recebeu doações online para custear a sua turnê. Mas somente a partir de 2009, essa modalidade de fund raising se consolidou com uma taxa de crescimento representativa, ano após ano, no exterior.
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A lógica do movimento sempre foi motivar o crescimento de novos mercados por meio da cooperação. Uma vez que os tradicionais mecanismos de financiamento não cabem em vários tipos de projeto. No Brasil, isso é um fato. Projetos de pequeno e médio portes não remuneram o suficiente para cobrir o serviço da dívida.
Assim, a ideia é viabilizar a captação de recursos da coletividade, por meio da força de integração da internet. Oferecendo, em contrapartida aos investidores/apoiadores, o reembolso da contribuição, se o projeto for bem-sucedido. Ou uma recompensa, representada pela entrega de produtos e serviços. 
No Brasil, uma modalidade de crowdfunding foi objeto de regulamentação pela Comissão de Valores Mobiliários. Isso ocorreu há pouco mais de um ano, em julho de 2017. Através da Instrução nº 588, que dispõe sobre o crowdfunding de investimento, definido como a captação de recursos por meio de oferta pública de valores mobiliários, realizada por sociedades empresárias de pequeno porte e distribuída a investidores, exclusivamente, via plataforma eletrônica de investimento.
Sociedade empresária de pequeno porte, para fins dessa Instrução, é aquela com receita bruta anual de até R$ 10 milhões. O valor alvo máximo de captação pelas plataformas eletrônicas é de R$ 5 milhões.
A CVM buscou proteger os investidores, limitando a R$ 10 mil por ano o montante aplicado nessas ofertas. Exceto nos casos de investidor líder (um tipo de investidor qualificado), investidor qualificado propriamente dito ou pessoas cuja renda bruta anual ou montante de investimentos financeiros seja superior a R$ 100 mil. 
Doações e retorno de capital, por meio de brindes e recompensas, não caracterizam oferta pública, nos termos da Instrução CVM nº 588.
Cabe às plataformas eletrônicas, autorizadas pela CVM, realizar a atividade de distribuição das ofertas públicas de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte. Seja através de página na rede mundial de computadores, programa, aplicativo ou meio eletrônico, que forneça um ambiente virtual de encontro entre investidores e emissores.
Não se trata, porém, de prestação de serviços gratuita, uma vez que as plataformas eletrônicas cobram um percentual bastante representativo (de 5% a 15%) sobre o volume arrecadado. O escopo do serviço abrange, entre outras obrigações: a avaliação dos projetos, a definição do prazo de captação, a meta financeira, as recompensas (produtos e serviços oferecidos aos apoiadores), os documentos jurídicos relativos à oferta, quaisquer informações que entenda relevantes à tomada de decisão do investimento e, por fim, a utilização da capilaridade da rede.
Algumas dessas plataformas, no Brasil e no exterior, abrigam iniciativas de captação de recursos destinados a causas sociais, coletivas ou individuais. Essas iniciativas, além do alento proveniente das doações, reforçam o sentimento de humanidade e mitigam a violência decorrente da falta de empatia com o sofrimento do outro. Sendo, portanto, importantíssimas, notadamente, nos tempos atuais.
No Brasil, porém, o volume captado não tem surpreendido em nenhuma modalidade, investimento, apoio ou doação. Por quê? Não me parece que o insucesso esteja vinculado ao risco de perda do apoio financeiro, que é intrínseco ao modelo, mas sim a dois fatores culturais preponderantes.
O primeiro é que para entregar dinheiro a desconhecidos, em troca de promessas, é preciso estar impregnado com a cultura de investimento – o que não ocorre por aqui e quando ocorre, normalmente, trata-se de estelionato. E, além disso, ter confiança na capacidade de fiscalização e proteção do Estado, notadamente nas relações de consumo – o que também não temos. 
À semelhança do que acontece no exterior, essas plataformas de investimento devem adotar políticas rígidas de governança, procedimentos claros para resolução de conflitos e instrumentos de contrato, com direitos e obrigações, redigidos de forma objetiva e em linguagem acessível. Conferindo segurança à relação jurídica que se inicia com cada um dos investidores/apoiadores, a partir do investimento/aporte do apoio.
Eventuais conflitos devem ser dirimidos de forma rápida e eficiente. A plataforma, embora eletrônica, deve facultar o diálogo com o investidor/apoiador, principalmente para dirimir dúvidas e prestar esclarecimentos. Essa relação se dá no âmbito do direito do consumidor e a responsabilidade solidária da plataforma será sempre apontada.
Uma vez que essa modalidade de investimento/apoio se dá, exclusivamente, em ambiente virtual, o Estado brasileiro também precisa estar capacitado para investigar e punir crimes cibernéticos. Capacidades essas que ainda estão longe de se verificar. 
Em 2017, o Brasil assumiu a segunda colocação no ranking dos crimes cibernéticos (ficando atrás apenas da China). Esses crimes afetaram, no País, cerca de 62 milhões de pessoas e causaram prejuízos de, aproximadamente, US$ 22 bilhões, segundo relatório da Norton Cyber Security.
<a name="_GoBack"></a> Enfim, e para tentar dar uma resposta à pergunta que originou este artigo: antes que a cultura de investimento esteja disseminada no País, a partir da classe média, e a confiança jurídica se estabeleça, essa nova modalidade de investimento e apoio aos projetos de pequeno e médio porte, incluindo os projetos filantrópicos, dificilmente se tornará realidade no Brasil.

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JOTA

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