Carlos Eduardo Sobral

A decisão da Justiça de bloquear o WhatsApp irritou os usuários do aplicativo de mensagens. É a segunda vez, em menos de seis meses, que o serviço acaba suspenso por uma decisão judicial de 1ª instância. Depois do episódio, fica a pergunta: podem milhões ser afetados em razão de uma postura empresarial considerada imprópria pela Justiça?
Na opinião de especialistas em segurança pública, sim. É importante notar que a suspensão do WhatsApp havia sido pedida pela Polícia Federal, com parecer favorável do Ministério Público, após o Facebook, dono do aplicativo, não cumprir decisão judicial de compartilhar informações que poderiam subsidiar investigação de tráfico de drogas em Lagarto, município do interior de Sergipe.
A punição, no caso de descumprimento de decisões judiciais, é prevista na legislação brasileira. Os detalhes do processo não são conhecidos, pois a ação tramita em segredo de Justiça. Mas algumas respostas podem ser encontradas na Lei 12.965/14, usada pelo juiz de Lagarto (SE) para fundamentar a decisão de bloquear o aplicativo.
Mais popularmente conhecida como Marco Civil da Internet, ela funciona como espécie de “Constituição” da grande rede, ao estabelecer direitos e deveres no intuito de garantir acesso de qualidade e privacidade a todos os usuários.
A medida cautelar que suspendeu o WhatsApp se baseou nos artigos 11, 12, 13 e 15 da lei, que prevê, entre outros pontos, que empresas estrangeiras com atuação econômica no território nacional se adequem às normas brasileiras.
Também estabelece que “provedores de conexão e de aplicações na internet deverão prestar, na forma da regulamentação, informações que permitam a verificação quanto ao cumprimento da legislação brasileira referente à coleta, à guarda, ao armazenamento ou ao tratamento de dados, bem como quanto ao respeito à privacidade e ao sigilo de comunicações”.
Há controvérsia, contudo, sobre o trecho que trata do armazenamento de conteúdo por parte dos aplicativos. O artigo 15 da lei menciona que as empresas devem manter, por seis meses, registros de acesso a aplicações na internet. O problema é que registros de acesso dizem respeito apenas a informações como IP, data, hora e, nesse caso, o terminal do qual se originou a conexão.
Não abrangem, necessariamente, conteúdo. É justamente nessa tecla que as companhias batem, ao alegar que não armazenam dados. Isto sem falar na incerteza de que, mesmo que os conteúdos fossem fornecidos, se poderiam ser desencriptados (ou “desembaralhados”) para servir à Justiça.
Esta condição foi reforçada após, no mês passado, o WhatsApp adotar a chamada criptografia end-to-end (ou ponta a ponta), na qual apenas as pessoas na conversa podem ler as mensagens. Na prática, a segurança padrão do aplicativo protege a privacidade do usuário até mesmo da empresa que o desenvolve, o Facebook.
Essa proteção inviabilizaria a recuperação dos dados. Seria como tentar interceptar uma ligação telefônica que já aconteceu. Cabe ressaltar que esse tipo de interceptação também está previsto na legislação brasileira. Ela é regulada pela Lei 9.296/96, a chamada Lei de Interceptação, que pode se dar em sistemas de informática e de telemática.
Existe uma polêmica, atualmente, sobre a criação de uma brecha intencional (ou backdoor), por meio de alteração no código fonte dos sistemas, que possibilitaria acesso ao conteúdo criptografado. Porém, a medida é rechaçada pelas empresas, que alegam que a mudança colocaria em risco a integridade e a segurança dos sistemas inteiros.
Aí se chega à questão: pode a lei obrigar que seja aberta uma brecha intencional que viabilize acesso ao tráfico de informações dos usuários? Esse é um debate que está sendo feito nos Estados Unidos, especialmente depois que a Apple se recusou a desbloquear o iPhone de um atirador do massacre de San Bernardino, na Califórnia, que resultou na morte de 14 pessoas, em dezembro.
O FBI (polícia federal norte-americana) acionou a Apple na Justiça para acessar o conteúdo do atirador. A empresa argumentou que a medida reduziria a segurança do iPhone. Mesmo se tratando de um caso de segurança nacional, logo delicado para os americanos, a batalha judicial só terminou depois que o FBI pagou um hacker para ter acesso aos dados do celular.
Quando o assunto é tecnologia, tudo é muito novo e dinâmico. Às vezes, a prática vem antes das leis. Quando há mudança de comportamento, é natural haver interpretações diferentes. Garantir a segurança no tráfego de dados em aplicativos como WhatsApp é essencial. Por outro lado, é importante que as empresas entendam que é preciso transparência e cooperação com as autoridades brasileiras.
Todos devem colaborar com o combate ao crime organizado, pois segurança é um direito e uma responsabilidade de todos. Preceitos, estes, tão fundamentais quanto a atenção e o respeito às liberdades individuais de cada brasileiro.

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JOTA

É preciso transparência e cooperação com as autoridades brasileiras

Por que a Justiça deve bloquear o WhatsApp

É preciso transparência e cooperação com as autoridades brasileiras