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Por que juiz que assedia sexualmente é aposentado compulsoriamente e não demitido?

É preciso alterar a Lei Orgânica da Magistratura Nacional

código civil
Crédito: Nelson Jr./SCO/STF

A demissão deveria ser a punição para o servidor público que pratica assédio sexual no serviço público. Afinal, praticar assédio sexual é um crime em qualquer lugar e, no serviço público, é também desvio funcional gravíssimo.

A demissão é uma espécie de sanção aplicável às pessoas que possuem um especial vínculo com o Estado (os servidores públicos civis e militares). É do tipo administrativa e disciplinar. Pode ser aplicada pelo Estado a seus agentes nos casos previstos em lei, mediante prévia instauração de processo administrativo disciplinar (PAD).

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Para que um agente seja demitido por assédio sexual e definitivamente afastado de suas funções, o órgão ao qual ele está vinculado deve abrir PAD para apurar as possíveis infrações funcionais cometidas pelo servidor e, ao final concluir pela aplicação da sanção.

Mas, para qualificar os fatos e relacioná-los aos deveres dos agentes públicos, há alguma complicação. Além de as regras serem distintas para agente civil e militar, as normas que regulam os processos disciplinares, os deveres funcionais, infrações e sanções dos servidores públicos civis são próprias de cada ente federativo.

Ou seja, além do Estatuto dos Servidores Públicos da União, há leis sobre o tema nos estados e municípios. Para piorar a fragmentação, além das dezenas de leis gerais, as esferas federativas costumam ter leis específicas para carreiras específicas (como a Lei Orgânica da Magistratura, o Estatuto do Magistério Paulista e o Estatuto da Polícia Civil de São Paulo).

Em maio de 2023, um caso chamou a atenção da mídia. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reconheceu, após a tramitação de PAD instaurado a partir de denúncias de assédio sexual, importunação sexual e estupro, que as condutas atribuídas ao juiz trabalhista Marcos Scalercio, do TRT da 2ª Região, eram gravíssimas e passíveis de punição com a pena máxima.

No caso concreto, a pena máxima prevista em lei e aplicada ao juiz foi a aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais. À época, a ministra Rosa Weber lamentou que “a nossa legislação assegure vencimentos ou subsídios proporcionais ao tempo de serviço, mas é a nossa legislação e nós temos que aplicá-la”.

De fato, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman, lei complementar 35, de 1979) prevê que a demissão será aplicada em ação penal por crime comum ou de responsabilidade, ou em procedimento administrativo, se a infração for o exercício de outra função não autorizada, o recebimento de valores nos processos, ou o exercício de atividade político-partidária.

Logo, no caso do juiz trabalhista Marcos Scalercio, a demissão só poderia ser determinada por juiz penal no bojo de ação penal. A Loman não previu a demissão administrativa de juiz no caso de assédio sexual. A aposentadoria compulsória é a pena mais grave aplicável administrativamente a juiz nesse caso, e o condenado continua recebendo proventos proporcionais ao tempo de serviço.

Para mudar é preciso alterar a Loman. Somente uma lei complementar, de iniciativa do STF, poderá fazer a mudança, conforme o art. 93 da Constituição Federal. O caminho é longo, enfrentará resistências da corporação, mas necessário.

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