Fabiana de Menezes Soares

Felipe Lélis Moreira

Em 1985, o Canadá criou uma lei para regulamentar o exercício do lobby, pois reconheceu que diversos grupos da sociedade, do setor produtivo, plurais atores sociais podem participar dos processos decisórios.
A história do Canadá, marcada por tradições diversas — britânica, francesa, autóctone (e suas evidentes tensões) — ganhou um banho de sol e dificultou convescotes varridos para debaixo do tapete ou celebrados na calada da noite pois todos os lobbies querem ter voz e vez.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Naquele tempo, ainda distante de tudo que a sociedade da informação nos trouxe, a Lei do Lobby canadense elegeu seus princípios fundantes que justificaram a legalização dessa prática ancestral:
<ol>
<li>O livre acesso a um governo aberto é interesse público.</li>
<li>O lobby é uma atividade legítima.</li>
<li>Tanto o governo quanto o público em geral precisam saber quem está praticando lobby.</li>
<li>A existência de um sistema de registro dos lobistas pagos não pode impedir o livre e transparente acesso ao governo.</li>
</ol>
A pandemia de Covid-19 provocou no âmbito do Poder Público um dilema decorrente da necessidade de tomar decisões rápidas e ao mesmo tempo assegurar a participação de diferentes atores sociais na produção de políticas públicas eficientes, efetivas e eficazes, principalmente no caso das vacinas<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a crise escancarou as fragilidades em mecanismos de governança pública no tocante à prática do lobby, especialmente no que diz respeito à assimetria de influência e uso de práticas indevidas tais como uso de dados enganosos, informações enviesadas e outros artifícios de manipulação da opinião pública e dos tomadores de decisão.
“As primeiras observações confirmam que os países com regulamentação para aumentar a transparência das atividades de lobbying e a elaboração de políticas em geral, asseguraram um maior grau de accountability sobre as decisões políticas durante a crise.” (OCDE, 2021, p. 25)<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
A OCDE conceitua o lobby como a tentativa lícita de influenciar a concepção, implementação, execução e avaliação das políticas públicas e seus regulamentos, em qualquer esfera (nacional, regional ou local) dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
De forma similar, NOWNES (2006, p. 5)<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> conceitua a atividade de lobby como qualquer esforço concebido para afetar as ações dos governos. Estão incluídas nos referidos conceitos, tanto práticas diretas (como reuniões online e offline, ligações telefônicas, troca de mensagens e e-mails, etc), quanto indiretas (publicação de artigos de opinião na imprensa, a divulgação de estudos, campanhas midiáticas e publicitárias, mobilizações, protestos, etc.).
<blockquote class="jota-article__eye">O que importa é que independentemente da tática ou estratégia escolhida, o objetivo final visado pelos atores que fazem lobby é que o Estado tome ou se abstenha de tomar alguma decisão.</blockquote>
No contexto da pandemia de Covid-19, considerando que as decisões sobre se, como e quando vacinar a população são tomadas pelos agentes públicos em diálogo (amplo ou restrito) com atores da sociedade civil, é possível afirmar que sem lobby, não haveria vacinação, sobretudo na nossa federação tão cheia de assimetrias de uma pluralidade de gestores estaduais e municipais, ao lado dos mais variados setores querendo imunizar seus trabalhadores.
Boas ou más decisões podem ser tomadas, mas é importante compreender que acessar os espaços de decisão, atividade típica do lobby tem dois lados. Com efeito, uma visão maniqueísta sobre o lobby dificulta sua democratização e a compreensão de que cidadãos e organizações do terceiro setor podem utilizar de maneira estratégica o mesmo instrumental lícito amplamente explorado por lobistas profissionais do setor privado (MOREIRA, 2020)<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Ao lançar as palavras “lobby” e “vacina” nos mecanismos de busca, não é com surpresa que percebemos a veiculação de uma série de manchetes com conotações negativas ou pejorativas: “Lobby da vacina passa policiais à frente de pessoas com fatores de risco”; “Empresários e vacina: do lobby oficial à suspeita de doses ilegais”; “Anvisa vê pressão em lobby político de vacina russa para destravar liberação”; “Após lobby, caminhoneiros e motoristas viram prioridade e serão vacinados antes”.
Aqui cabe mencionar a crítica de LODI (1986)<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> no sentido de que “o lobby é sempre pejorativo quando outros são os beneficiados; quando somos nós os beneficiados, não se usa a expressão” (p. 19). Nesse contexto, ainda que possam eventualmente refletir a realidade, ainda estão para serem vistas manchetes como, por exemplo, “Lobistas enfrentam desafios regulatórios e políticos para aumentar o acesso às vacinas”.
Antes da pandemia, a indústria farmacêutica e os governos estavam entre as instituições com os menores índices de confiança perante a opinião pública. Entretanto, de acordo com a The Harris Poll/New York Times, a aprovação dos americanos sobre as farmacêuticas subiu de 32% (janeiro de 2020) para 62% (fevereiro de 2021).
Segundo instituição, “um ano de vida em meio ao medo criou heróis improváveis” <a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. A “popularidade” atual da indústria farmacêutica e a (im)popularidade dos governos é compreensível haja vista que o fim da pandemia depende das vacinas e de outros medicamentos aptos a auxiliar o tratamento, sobretudo nos casos que exijam intubação.<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>
Segundo a OCDE (2021), o lobby dos atores afetados pela crise é justificável e pode contribuir com a oferta de informação valiosa aos tomadores de decisão, incluídos os próprios legisladores que terão valiosas informações sobre o contexto dos afetados (SOARES &amp; SANTOS, 2006)<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
A Lei de Acesso à informação (LAI) impõe a toda Administração Pública dos três poderes e no âmbito da União, estados e municípios o direito de acesso  à informação, no qual o sigilo é exceção a ser devidamente motivada por todo gestor que classifique e/ou restrinja o seu acesso. O Estado conforme o “governo aberto” deve garantir a informação de modo que os pedidos de acesso deveriam também serem exceções.
Por fim, também a LAI exige que as informações veiculadas sejam compreensíveis: não é suficiente somente “publicar”, mas que as pessoas possam “compreender” o que está sendo comunicado.
Essa é a máxima da comunicação oficial do nosso tempo que somada aos dados de realidade, à publicidade quanto aos meios de difusão, às metodologias para extração de dados são a chance de um desejável e saudável dissenso. Assim, há possibilidades de superação  da escalada de intolerância típica da lógica nós x eles como se não existissem diversos tons de entendimentos políticos.
Opiniões, fatos e teorias da conspiração podem ser contraditados, reconhecidos ou ponderados, via debate público apto a aumentar a chance de ultrapassar superficialidades disseminadas nas redes, não só pelo conhecimento das ações de lobby, como por meio de uma devida avaliação acerca da oportunidade, necessidade, prejuízo ou responsabilidade dos lobbies para melhorar ou agravar os efeitos da pandemia.
Contudo, não são todos os interessados que possuem a oportunidade e capacidade de influenciar as ações governamentais. Por outro lado, percepções sobre a existência de conflitos de interesses em instituições que recomendam vacinas podem reduzir a aceitação dos imunizantes pelo público em geral.
Nesse cenário opaco, onde não é possível apurar como as decisões são tomadas, o risco de uma influência antiética e prejudicial para a sociedade como um todo é exacerbado. Diante desse quadro, a ampla regulamentação do lobby é uma necessidade republicana.
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Vide Relatório JOTA de Marcella Fernandes em 04 de junho de 2021- Ministério da Saúde começa a planejar a vacinação para 2022.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> OECD (2021), Lobbying in the 21st Century: Transparency, Integrity and Access, OECD Publishing, Paris. Disponível em: &lt;<a href="https://doi.org/10.1787/c6d8eff8-en">https://doi.org/10.1787/c6d8eff8-en</a>&gt;.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> NOWNES, A. J. Total Lobbying: What Lobbyists Want (and how they try to get it). Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> MOREIRA, Felipe Lélis. Lobby: análise de fronteiras conceituais para sua desmistificação e democratização no Brasil. Revista de Direito do Terceiro Setor - RDTS, Belo Horizonte, ano 14, n. 28, p. 149-180, jul-dez., 2020.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> LODI, João Bosco. Lobby: Os grupos de pressão. São Paulo: Pioneira, 1986.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Disponível em: &lt;<a href="https://theharrispoll.com/big-pharmas-covid-booster/">https://theharrispoll.com/big-pharmas-covid-booster/</a>&gt;.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Disponível em: &lt;<a href="https://theharrispoll.com/big-pharmas-covid-booster/">https://theharrispoll.com/big-pharmas-covid-booster/</a>&gt;.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> The Learning Legislator. Prof. Dr. Luzius Mader/Chris Moll, LL.M.(eds.). Proceedings of the 7th Congress of the European Association of Legislation (EAL), 31st May, 1st June 2006, The Hague, The Netherlands. Learning to divide the law’s contents: the lobby as a strategy for clearer Brazilian legislation. Fabiana de Menezes SOARES and Letícia Camilo dos SANTOS.

empresas podem exigir vacinação

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JOTA

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