Etienne Jacintho

À primeira vista, confesso que tive um pouco de preguiça de ver The Crown, mais uma série sobre reis, rainhas, Igreja... Já imaginei as intrigas políticas e as cenas apimentadas de Os Bórgias ou Os Tudors, duas séries que eu adoro – como não gostar de qualquer coisa com Jonathan Rhys Meyers ou Jeremy Irons? –, mas estava com vontade de assistir a algo diferente. Porém, foi uma surpresa me deparar com uma obra tão única, com roteiro crível e nada apelativo. 
The Crown é, sim, única. Todos nós temos aquela fantasia da realeza, da vida glamourosa de rainhas, reis, príncipes e princesas, mas não paramos para pensar no peso que significa fazer parte da família real. Imagina ter de cumprir dezenas de protocolos seculares que não fazem nenhum sentido nos dias de hoje, mas precisam ser respeitados? É uma perda enorme de liberdade, pois todos esperam que você se comporte da forma mais quadrada possível. Sair do convencional, nem pensar! Esse é o peso da coroa. 
A série começa com o casamento da princesa Elizabeth e o príncipe Philip. Segue a doença do rei George VI que, aos poucos, foi passando algumas responsabilidades para o jovem casal, até a sua morte. Elizabeth assume o trono com apenas 25 anos e uma cabeça cheia de dúvidas. É muito interessante acompanhar os questionamentos da jovem rainha em relação à sua formação. Afinal, de que vale conhecer a Constituição e os deveres da família real, se você não sabe nada sobre ciências? 
The Crown também mostra o relacionamento da rainha com o seu primeiro primeiro-ministro, Winston Churchill, muito bem retratado, curiosamente, por um americano, o ator John Lithgow. A obra mostra ainda a derrocada deste político que marcou sua época. Trunfo da série é humanizar todos esses personagens que conhecemos pelos livros de História. A série optou por retratar todos os episódios que culminaram na renúncia de Churchill, em 1955, sob uma ótica bem mais pessoal e menos política. O episódio sobre a produção do retrato do primeiro-ministro é primoroso. 
Paralelamente à trajetória deste começo de reinado de Elizabeth II, The Crown evidencia esse peso da Coroa ao tratar da vida amorosa de dois membros importantes da Família Real britânica: o rei Edward VIII, mais tarde Duque de Windsor, e a princesa Margareth, irmã de Elizabeth II. O primeiro reinou pouco e decidiu abdicar do trono e da linha de sucessão da Coroa para poder se casar com a mulher que ele amava, lady Wallis Simpson, uma mulher divorciada duas vezes. A Igreja não permite o casamento de membros da realeza com pessoas divorciadas, cujos antigos cônjuges permanecem vivos. Edward foi banido da Família Real e se mudou para os Estados Unidos com sua mulher. 
Já Margareth, desistiu do casamento com um funcionário do Palácio de Buckingham, o capitão Peter Townsend, para não perder seus benefícios e mordomias por ser princesa. O caso foi muito noticiado na época e os súditos torceram muito para que o casal ficasse junto. A Igreja, no entanto, não deu permissão e a rainha ficou dividida entre seu amor pela irmã e seu posto de chefe da Igreja. Como sempre, sua obrigação para com a Coroa venceu suas crenças e até a promessa que fez à irmã, dois anos antes, de que ela poderia, sim, se casar com Peter.
Todos os fatos retratados na primeira temporada de The Crown aconteceram mesmo e os diálogos entre os personagens, por detrás das portas dos cômodos do Palácio de Buckingham, são bem realistas, sem dramas ou exageros. Até mesmo as discussões do jovem casal Elizabeth e Philip são totalmente críveis. Afinal, não são somente os súditos que imaginam como deve ser boa a vida de uma rainha. Os nobres, por mais que tenham títulos e regalias, provavelmente invejam a vida da soberana, sempre a atração principal aonde quer que vá. E sempre a dona de todas as decisões que afetam não só o rumo de um reino, mas também a vida de sua própria família.
A atriz Claire Foy, que vive a rainha Elizabeth II, ganhou o Globo de Ouro de Melhor Atriz Dramática. Ela vai voltar nas próximas temporadas. A série é escrita por Peter Morgan, que assina o roteiro do filme A Rainha (The Queen, 2006) e também da peça FrostNixon, que ganhou adaptação para o cinema. Morgan tem afirmado que The Crown terá seis temporadas. Cada uma delas cobrirá uma década de reinado da rainha Elizabeth II. A segunda temporada deve estrear somente mais para o fim do ano.

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JOTA

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