Daniela Sandoval

Reformas nos setores de energia elétrica (1996) e de telecomunicações (1997) trouxeram aumento sensível da cobertura dos serviços, melhoria da qualidade e redução de tarifas aos usuários. Por que a reforma do setor de saneamento (2007) não está tendo a mesma efetividade, depois de passados quase doze anos? Qualquer resposta razoável a essa pergunta passa, necessariamente, pelo grau de coordenação da gestão e da regulação dos serviços, assim como pela importância do papel desempenhado pelo setor privado em colaboração com os agentes públicos em cada setor.
Na energia elétrica, a reforma de 1996 envolveu introdução de participação privada sob regulação por agência nacional, a ANEEL. O setor passou por um processo de desverticalização, separando-se mais claramente as operações de geração, transmissão e distribuição. Nas telecomunicações, a reforma de 1997 envolveu introdução gradual de competição pelos mercados, sob a coordenação de uma agência nacional, a ANATEL. Nos dois setores, a fiscalização regulatória uniforme das metas contratuais é um ingrediente importante dos avanços já obtidos.
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A alegação de que a energia e as telecomunicações são setores integrados em amplos espaços geográficos é verdadeira, mas não constitui motivo suficiente para uma defesa da fragmentação do saneamento. Em primeiro lugar, por que muitos sistemas que oferecem serviços de saneamento são, na verdade, integrados entre municípios, principalmente no que diz respeito às infraestruturas de atacado, como a captação da água ou o tratamento da água e dos esgotos, assim como ocorre em telecom e energia.
Em segundo lugar, por que apesar da maior interligação nacional e até internacional da eletricidade e das telecomunicações em seus segmentos de atacado, esses setores também ocupam, em suas operações de varejo, o complexo ambiente urbano dos milhares de municípios brasileiros. Por exemplo, em telecomunicações, apesar da regulação nacional, há grandes desafios no que se depende das legislações municipais para instalação de antenas nas cidades, causando problemas de cobertura e encarecimento da telefonia celular. Já na energia elétrica, os fios da distribuição são praticamente paralelos às redes de água e esgotos, operando em ambientes similares, e a regulação dos fios é federal enquanto a dos canos é municipal.
Dessa forma, não há exagero em afirmar que os três setores – eletricidade, telecomunicações e saneamento – exigem integração no atacado, enquanto apresentam especificidades locais na distribuição. Em nenhum desses setores, a decisão ou a regulação local poderiam funcionar adequadamente como vetor de decisões de alocação de recursos. Não é por outro motivo que hoje o saneamento patina enquanto o desenvolvimento dos dois outros setores foi mais rápido e efetivo após a introdução dos marcos regulatórios respectivos. A descentralização regulatória do saneamento tem se mostrado um grande obstáculo ao avanço do setor, penalizando os indivíduos mais pobres.
Em setores de infraestrutura, como os três setores que são objeto deste artigo, há uma questão fundamental de escala que não se refere apenas à operação, mas sim ao financiamento dos investimentos. A captação de grandes volumes de recursos, para a realização de dispêndios de capital concentrados no tempo, dificilmente pode ser feita de forma individualizada entre as operações. Além disso, a segurança regulatória é um requisito crucial da financiabilidade dos sistemas. Para qualquer financiador, privado ou público, a complexidade regulatória é um fator impeditivo para a concessão de financiamento, mesmo quando envolve recursos públicos.
A configuração atual dos setores de telecomunicações e energia elétrica oferece melhores condições de financiamento por envolver grandes operadores, submetidos a uma regulação uniforme. Trata-se de uma questão mal resolvida no saneamento. Na maioria dos casos, no ambiente do setor de saneamento, o marco regulatório introduzido no começo de 2007 preservou uma fragmentação operacional e regulatória. A previsão de regulação foi efetiva apenas para algumas regiões. Hoje, operam no Brasil cerca de 50 agências reguladoras, sendo 24 estaduais e distrital, 22 municipais e 4 formadas por consórcios intermunicipais, que regulam em cerca de 3.000 municípios. Um contingente expressivo, de cerca de 2.500 municípios, sequer tem regulação estabelecida.
Com esta descentralização regulatória e heterogeneidade normativa, o setor de saneamento não vem conseguindo avançar. Fica claro que os avanços consistentes para a universalização do saneamento exigirão uma maior padronização, aproveitando-se as experiências do setor elétrico e das telecomunicações –
A oportunidade ímpar de aproveitar, no saneamento, as lições dos outros setores, veio com a Medida Provisória no. 844, de julho deste ano, que prevê a edição de normas de referência nacionais, pela Agência Nacional de Águas (ANA). A ANA não se tornará um regulador do setor, mas sim uma instância federal de coordenação, que oferecerá capacidade técnica e recursos para que os municípios possam exercer sua titularidade sobre os serviços de saneamento de forma plena e efetiva, considerando suas especificidades locais e respeitando suas decisões políticas.
Para que o papel do governo federal em coordenar a regulação seja efetivo, deverá envolver ampla participação dos municípios e dos reguladores já estabelecidos. Existem agências reguladoras estaduais, intermunicipais e até mesmo municipais que já desenvolveram capacidade técnica e que deverão contribuir efetivamente para as normas de referência nacionais. A oferta dessas referências beneficia, particularmente, os municípios que não dispõem de capacidade técnica para as complexas atividades que compõem a regulação técnica e econômica dos serviços. Na prática, o reforço técnico federal vai empoderar os municípios para que exerçam suas atribuições constitucionais com resultados melhores e mais uniformes.
A conexão direta entre a padronização da regulação e o esforço de universalização foi, por muito tempo, ignorada no setor de saneamento, gerando um quadro de inúmeros problemas e de proliferação de doenças ligadas à falta de saneamento que hoje verificamos. A fragmentação regulatória decorrente das regulações municipais espontâneas não trará o ambiente propício para o financiamento da universalização dos serviços de saneamento em todo o país. Respeitando-se as prerrogativas constitucionalmente atribuídas aos municípios, é preciso avançar neste ponto, imediatamente. Não é razoável manter os braços cruzados esperando que os municípios se preparem para um nível de capacidade técnica que dificilmente serão capazes de adquirir no horizonte previsível.

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JOTA

Oportunidade de aproveitar, no saneamento, as lições dos outros setores, veio com a MP 844

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