Maíra Villela Almeida

Julia Brand

Nas discussões do PL das Fake News (<a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2256735">PL 2630/2020</a>), a <a href="https://www.jota.info/legislativo/anatel-desenvolve-regulacao-de-fake-news-independente-de-aprovacao-do-pl-15052023">notícia</a> de que a Agência Nacional de Telecomunicações (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/Anatel">Anatel</a>) regularia as plataformas digitais no Brasil por meio de um modelo de blockchain compartilhado por uma comunidade de checagem parece-nos remeter a uma regulação conhecida e <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/rol-da-ans-e-possivel-falar-em-quarto-poder-22032023">já defendida</a> em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/antt-limites-legais-e-regulacao-20042023">momentos anteriores</a>.
Pelo que se pode afirmar até então, a Anatel contará com veículos jornalísticos, agências de fast checking, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Big Techs, dentre outros atores da sociedade civil na missão ao combate da disseminação de notícias falsas (fake news) e de discursos de ódio. Fato é que esse compartilhamento regulatório, essa rede regulatória que se propõe formar, coloca em evidência o modelo das Agências Reguladoras adotado no Brasil, sobretudo o que se convém chamar de democracia regulada.
Como <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-democracia-regulada-existe-31122022">anteriormente defendido</a>: a escolha do nome democracia regulada advém do próprio recorte feito quando da análise do modelo de agências reguladoras, tendo em vista que essas, quando do exercício do seu poder regulatório, sofrem influxos da mutabilidade econômica, política e social do próprio setor. Assim, torna-se possível enxergar os instrumentos estruturais da democracia deliberativa também na atuação das agências para com o próprio setor regulado.
Nesse contexto, 1) os sujeitos da deliberação, 2) o objeto da deliberação e 3) o processo ou procedimento de deliberação são os instrumentos da democracia deliberativa que quando trazidos para o recorte de atuação das agências reguladoras recebem o nome de democracia regulada. Os mesmos elementos também estarão presentes quando da atuação da Anatel com a rede de compartilhamento regulatório que a agência está se propondo a fazer, vejamos.
Tal como <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-democracia-regulada-existe-31122022">inicialmente levantado</a> quando questionado se a democracia regulada existe, os sujeitos de deliberação são, comumente, os agentes regulados e os experts do setor em questão. Já o objeto de deliberação é modificado a cada interesse público em jogo. Por fim, o processo ou procedimento de deliberação pode variar, a depender da regulamentação de cada agência.
Logo, a Anatel, a sua rede regulatória compartilhada e eventuais manifestações dos agentes regulados sobre as condutas regulatórias tomadas podem ser encaixados como sujeitos de deliberação. O objeto de deliberação é o compartilhamento da missão ao combate das fake news e discursos de ódio, já o processo ou procedimento de deliberação será aquele regulamentado pela agência caso realmente seja adotado o modelo de regulação em rede.
Diante do quadro acima, parece-nos pertinente esclarecer que o breve artigo não objetiva defender ou contrariar o modelo regulatório que poderá ou não vir a ser adotado. Mas, apenas demonstra-se que o entender sob o nome de pool de checagem, regulação em rede, democracia regulada, dentre outros que guardam semelhança, são manifestações que atestam uma certa legitimidade do que poderá ser adotado. Sobretudo porque permitir o compartilhamento regulatório aumenta a possibilidade da tomada de decisão regulatória razoável – aqui entendida como aquela que maior e melhor se aproxima dos fatos e problemas reais do setor regulado.
Por fim, uma ressalva: se o modelo das agências reguladoras permite deslocar as funções normativas, executivas ou judicantes para seu interior e, com isso, a responsabilização das agências pela tomada de decisão regulatória adotada, talvez o modelo que possa vir a ser adotado pela Anatel permita uma flexibilização (talvez solidariedade?) dessa responsabilidade até então individual das agências reguladoras.
Ainda, será que a “divisão” da responsabilização entre a Anatel e a rede regulatória poderia deixar mais claro que o deslocamento das três funções, na verdade, traria para a agência funções “quase” ou semi-executivas, semijudicantes e seminormativa<a href="#_ftn1" name="_ftnref5">[1]</a>?
Porque, se antes já se entendia que esses poderes concebidos nas agências reguladoras não eram tidos na sua plenitude, mas, sim, com o intuito de permitir o regime jurídico especial inerente a elas, com maior autonomia e independência técnica e financeira, agora com a flexibilização da responsabilização da Anatel a doutrina das quase funções parece, de certa forma, começar a encaixar no Brasil, ainda que inicialmente sob a ótica de um modelo de regulação compartilhada.
Pode ser que o compartilhamento regulatório traga novos desenhos sobre a responsabilidade da tomada de decisão regulatória, incluindo discussões sobre até que ponto as três funções acima deslocadas para a Anatel não poderiam começar a serem paulatinamente exercidas também pela rede regulatória, ponto esse que merecerá melhores balizas futuras caso aconteça.
Fato é que sem o modelo de agências reguladoras seria difícil legitimar, tal como se pretende pelo PL das Fake News, a atuação do poder público no combate a desinformação e discursos de ódio. Por fim, parece-nos que, cada vez mais, a tese da democracia regulada já defendida em artigos para o JOTA em outras oportunidades, mas levando em conta a atuação de outras agências, também encontra guarida no tema em questão.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Para um maior debate sobre as funções semi-legislativa, semi-executivas e semi-judiciais, vide: Almeida, Maíra Villela. Estado Administrativo Norte-Americano Contemporâneo: transformação permanente, diálogos de poderes e perspectivas simbióticas entre teorias e casos. Rio de Janeiro: Faculdade Nacional de Direito, Universidade Federal de Direitos, 2019. Tese de Doutorado em Direito.

checagem

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JOTA

O fast checking do PL das Fake News já é conhecido

Pool de checagem e democracia regulada

Sem o modelo de Agências Reguladoras seria difícil legitimar a atuação do poder público no combate à desinformação e discursos de ódio.