Paulo Saldiva

Evangelina Vormittag

Caso procuremos um médico para tratar de uma hipertensão arterial sistêmica grave, ele prescreva um tratamento leve e nos informe que, na falência do tratamento, devemos aceitar a pressão elevada como normal, certamente iremos em busca de outro profissional. Pois é esta mesma situação em que nosso país se encontra ao legislar sobre os níveis legais de poluentes atmosféricos, que afetam a saúde de centenas de milhares de brasileiros.
A poluição atmosférica é uma grande ameaça, evitável e controlável, para a saúde e o bem-estar das pessoas e para o desenvolvimento sustentável. Estima-se que contribua com pelo menos 5 milhões de mortes prematuras a cada ano mundialmente, sendo 51 mil delas no Brasil. Ainda, seus efeitos adversos recaem mais fortemente sobre as populações vulneráveis de nosso país, notadamente os mais pobres, crianças e idosos.
Ela afeta a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/saude">saúde</a> da população, aumentando o risco para o desenvolvimento de doenças respiratórias, cardiovasculares, prematuridade e tumores, como sobejamente demonstrado pela literatura médica. A soma de evidências científicas relacionando o ar tóxico a efeitos adversos à saúde humana foi sólida a ponto de a <a href="https://www.who.int/">Organização Mundial da Saúde (OMS)</a> elaborar, em 2005, as primeiras recomendações globais de qualidade do ar – recentemente refinadas em 2021. A partir deste conhecimento, os governos definem os seus padrões de qualidade do ar, que representam os limites de concentração de poluentes aceitáveis para o território.
As evidências e estimativas do excesso de doenças e mortes decorrentes do excesso de poluição informadas pelo órgão internacional de saúde permite que cada governo conheça os custos diretos e indiretos decorrentes dos danos da poluição do ar em sua população, permitindo cotejar o custo de reduzir a poluição em relação aos custos de mantê-la acima dos padrões de segurança. Nesse quesito, estudos já indicam que os custos da redução da poluição do ar são menores do que os gastos despendidos ao mantê-la.
Face a essa situação, o Brasil vivencia o <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/andre-mendonca-interrompe-julgamento-de-duas-acoes-da-pauta-verde-06042022">julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 6148/DF pelo Supremo Tribunal Federal (STF)</a>. A discussão no STF, que começou no último dia 30 de março e deve se estender, tem como objeto a revisão da Resolução Conama nº 491/2018 que versa sobre os padrões nacionais de qualidade do ar. A ADI, movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), fundamenta-se na violação dos artigos 5º, XIV, 196, 225 e 227 da Constituição Federal, dada a proteção insuficiente, inadequada e ineficaz aos direitos à informação, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Voltemos à parábola da hipertensão arterial. Num malabarismo intelectual exótico, a norma elaborada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) profere uma interpretação insólita dos padrões de qualidade do ar da OMS, dizendo que assumirá como adequado um valor de padrão acima do recomendado para a defesa da saúde. Como não conseguimos atingir o padrão recomendado pelo órgão, tomamos como regra aquele que o Brasil tem hoje, sem definir um prazo para sequer atingir o ideal. Resumidamente, trocando em miúdos, o Conama aceita que se mantenha níveis acima do padrão recomendado pela OMS por tempo indefinido subsidiados com nossa saúde e também com muito dinheiro.
Isto porque a resolução supracitada prevê valores de padrões iniciais muito permissivos em relação aos valores seguros estabelecidos pela OMS, que, em outras palavras, resulta em: (a) uma permissão para poluir que comprovadamente é danosa à saúde e ao meio ambiente; (b) ausência de prazos peremptórios para o atingimento das sucessivas etapas de padrões de qualidade de ar intermediários pelos entes federados; (c) medidas ineficazes para a comunicação à sociedade; (d) na inoperância dos episódios críticos de poluição; (e) um procedimento decisório vago para fins de implementação da política pública de gestão da qualidade do ar e controle da poluição, como as regras para o licenciamento ambiental.
É disso que o julgamento do STF trata. Pobre política ambiental de nosso país. Um diagnóstico falacioso que resulta em um tratamento nocivo, omissão e mortes.
Como representantes da Iniciativa Médicos Pelo Ar Limpo, que publicou uma carta pública para que o STF considere a inconstitucionalidade da resolução do Conama, pedimos que o brasileiro seja beneficiado pelo tratamento correto à sua condição: a de um sujeito de direitos.

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JOTA

Resolução do Conama prevê padrões iniciais muito permissivos em relação ao estabelecido pela OMS

Poluição do ar e leniência: uma ameaça à saúde dos brasileiros

Pauta verde no STF: Resolução do Conama prevê padrões iniciais de poluição do ar muito permissivos em relação ao estabelecido pela OMS