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Políticas de conectividade da Anatel e resiliência da Amazônia

Uma relação a ser desbravada

Anatel Amazônia
Crédito: Unsplash

Nas últimas décadas, aperfeiçoaram-se as tecnologias aplicadas para o monitoramento da Amazônia, cuja relevância singular para todos é indiscutível, seja para a preservação do equilíbrio hidrográfico da região, seja no que diz respeito ao quase infinito potencial de biodiversidade, que ainda se encontra inexplorado para os mais diversos usos e finalidades (medicina, genética, engenharia de materiais etc.).

É de conhecimento comum que a Amazônia é essencial sob muitos aspectos para as gerações atuais e futuras, e que desastres como secas e desmatamentos, dentre outros, colocam em risco a preservação dessa riqueza.

Tecnologias como a captura de imagens por satélites, com o protagonismo admirável do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), têm sido essenciais para a geração de informações síncronas a respeito da ocorrência de desmatamentos, incêndios e outros eventos adversos à integridade desse bioma, que demanda ações de proteção de todo o mundo e, especialmente, do Brasil, em cujo território ele se encontra majoritariamente localizado.

Diversas iniciativas têm sido empreendidas, governamentais ou não, tanto no nível interno como no internacional. Não obstante, os dados revelam que ainda há muito a ser feito para que se maneje adequadamente os riscos de desastres na região, que ainda continuam a comprometer a integridade de seu patrimônio, principalmente o imaterial, e a geração de conhecimentos associados à floresta, para as presentes e futuras gerações.

Desta forma, é necessário que se desenvolvam novas soluções para se protegê-la. Com as recentes ações da Anatel para levar conectividade ao coração da Amazônia, espera-se igualmente que ferramentas que viabilizem a sua preservação a partir de dados captados no seu interior sejam desenvolvidas.

Aliás, pode ser percebido que a Anatel tem participado ativamente desse debate, com ações concretas.

Com o desenrolar dessas discussões, já é possível se depreender que eventuais soluções poderiam envolver a captura de dados em alta frequência. Com efeito, a agência lidera iniciativas notáveis, como o Programa Amazônia Integrada e Sustentável (PAIS). Seu escopo abrange a instalação de aproximadamente 9.000 quilômetros de infovias em fibra ótica, com o potencial de impactar as vidas de cerca de 4 milhões de pessoas, sendo a metade composta por estudantes, além de mais de 2.000 instituições e organizações nos diversos setores, como saúde, justiça, meio ambiente e educação. A propósito, durante a COP 28, este autor participou do painel “Transição Verde Inovativa e Digital”, no qual, a partir do caso exemplar do PAIS, elucidou as intrínsecas relações entre as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU.

Ademais, em outro evento promovido durante a COP 28 pela União Internacional de Telecomunicações, intitulado “Green Digital Action”, este autor, representando a Anatel e a Delegação Brasileira, participou de debates voltados à implementação de sistemas de alerta antecipado, provenientes de iniciativas de conectividade digital aliadas a novas tecnologias. Segundo a ONU, esse esforço deve ser concluído globalmente até 2027, no âmbito da iniciativa EW4All (acrônimo para “Early Warnings for All”), o escopo de viabilizar a identificação de fenômenos adversos de forma mais acurada no tempo e no espaço, bem como de conceber novas medidas mitigadoras e reparadoras dessas adversidades.

Além disso, essas soluções poderiam compreender o desenvolvimento de um sistema de alertas desses riscos, que possa ser amigavelmente operado inclusive pelas populações locais. Isso, aliás, denotaria alinhamento com os chamados “Marcos de Sendai”, desenvolvidos pela ONU, em 2015, durante a Conferência Mundial sobre Redução do Risco de Desastres.

Anota-se que, nos anos anteriores à criação desses marcos, a humanidade vivenciou uma série de desastres de grande repercussão, e com as mais diversas nuances, tais como o grande tsunami de 2004, que atingiu contundentemente quatorze países do Sudeste Asiático, o furacão Katrina, ocorrido em 2005, chegando a fazer submergir mais de oitenta por cento da cidade de Nova Orleans, nos EUA, e o desastre nuclear de Fukushima, ocorrido no Japão, em 2011. Com essa miríade de catástrofes, o desenvolvimento de estratégias para prevenção, monitoramento e respostas adequadas a desastres tornou-se preocupação mundial.

Esses marcos são diretrizes para fortalecer a resiliência global contra eventos extremos, compreendendo aspectos relativos à devida compreensão dos riscos, ao fortalecimento de sua governança, ao investimento na sua redução e na capacidade de resposta à sua concretização, ao desenvolvimento de resiliência para novos desafios e à educação e conscientização sobre aspectos como os riscos em si, a importância da resiliência a desastres e a sustentabilidade das práticas adotadas.

Nesse cenário, o desenho de políticas públicas baseadas em evidências e associadas às vivências das diversas comunidades que se encontram na Amazônia pode emergir como um novo instrumento voltado a assegurar a sua preservação, a sua resiliência a desastres e, talvez, a sua própria recuperação.

Em princípio, essas políticas devem compreender os seguintes eixos:

  • ampliação de conectividade na Amazônia em associação com o emprego de tecnologias granulares (drones, sensores etc.) que sejam viáveis em escala, o que já se encontra em andamento a partir de uma série de políticas desenvolvidas pela Anatel, a exemplo daquelas relacionadas à construção de infovias;
  • o desenvolvimento de sinergias com o conhecimento tradicional acumulado das comunidades que se encontram localizadas em seu território – com emprego de plataformas de comunicação e de participação de seus integrantes, com abordagens multicanal que foquem principalmente na última milha;
  • a cooperação dos agentes do mercado em desenvolver soluções que busquem assegurar a origem certificada de seus produtos, com uma neutralização palpável de estratégias de greenwashing; e
  • o efetivo comprometimento das instituições governamentais das variadas esferas da Federação, especialmente no que diz respeito ao enforcement das diversas normas concernentes à temática em estudo e à mobilização de seus recursos humanos, financeiros e materiais para que ofereçam respostas rápidas e eficazes a eventos indesejados.

Dito isso, a promoção de políticas de conectividade na Amazônia revela-se propícia a uma maior efetividade dos Marcos de Sendai, desde que envolvam as comunidades potencialmente atingidas e compreendam um adequado plano de descomissionamento da infraestrutura de fibra ótica que vem sendo ofertada, de modo a não comprometer a integridade desse bioma, medidas estas que já seriam aderentes aos seus Marcos 01 e 02.

Com isso, e feita uma adequada contenção e administração das possíveis externalidades negativas que a estrutura de fibra ótica lançada nas infovias da bacia amazônica pode oferecer ao meio ambiente e às comunidades envolvidas, e em conformidade com os Marcos de Sendai 04, 05 e 06, essa conectividade tem o potencial de, como narrado anteriormente, reduzir sensivelmente os riscos associados a desastres na Amazônia, sejam aqueles que ocorrem de forma crônica e dilatada no tempo – como as ações de desmatamento – sejam aqueles que ocorram agudamente, como incêndios e secas, a exemplo do que tem se verificado nos últimos meses.

Assim, conclui-se que, ao integrar a conectividade por fibra ótica na Amazônia com os Marcos de Sendai, é possível promover o desenvolvimento resiliente e sustentável da região, a partir de ações que compreendam as necessidades de comunicação, o fortalecimento da a capacidade de enfrentamento e de recuperação de desastres na região.

Nesse cenário, as ações de ampliação de conectividade na região, capitaneadas pela Anatel, abrem caminho para novas e inéditas tecnologias e aplicações na preservação, resiliência e proteção do bioma amazônico, essencial à humanidade sob inumeráveis aspectos. As possibilidades parecem inúmeras e o importante é permitir que essa ampliação de conectividade fertilize as chances de inovação para lidar com esse desafio.

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O presente artigo é uma versão escrita a partir de insights decorrentes das exposições do autor nos painéis “Conectividade Digital e Tecnologias para a Iniciativa Alertas Antecipados para Todos” e “Transição Verde Inovativa e Digital”, que integraram a programação da COP 28, realizada entre os dias 30 de novembro e 12 dezembro de 2023 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.