Fabiana de Menezes Soares

O Regimento Interno das Casas Legislativas é a norma fundamental sobre produção de outras normas cuja validade advém diretamente da Constituição da República e tem sido objeto de diversos artigos aqui no JOTA.
As modificações nas regras do jogo que disciplinam a criação, alteração, revogação de leis (inclusive emendas constitucionais e às leis orgânicas) podem interferir no modelo de deliberação, coração da função parlamentar. Na prática, mudanças regimentais podem não garantir o pleno exercício dos mandatos, ao tocar no direito de fala, no equilíbrio da igualdade entre os parlamentares, na necessidade de aporte dos diversos contextos/cenários focos da futura incidência normativa. O princípio constitucional do contraditório dirigente e estruturante da sequência de normas próprias do processo legislativo brasileiro reforça o caráter plural, a necessidade de “simétrica paridade” entre os parlamentares, seus legítimos atores/partes. 
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>O contexto/cenário parlamentar espelha as assimetrias presentes na realidade cabendo à autonomia da função legislativa assegurar, processualmente, a paridade entre os parlamentares independentemente de estarem na maioria, minoria, de serem governistas, independentes ou de oposição.
Um dos instrumentos a equilibrar essa real assimetria entre parlamentares durante a deliberação, passa pela garantia da manifestação de opinião em simétrica paridade quando as convicções, a portada plural de insumos informacionais das mais diversas ordens e tipos necessitam da contradita pública só é possível se os partícipes do processo decisório legislativo puderem se manifestar e expressar as suas posições.
O texto clássico na literatura brasileira sobre o direito à obstrução datado de 1952 merece uma citação integral da fala de um jurista/parlamentar, Prof. Edgar Godoy da Matta-Machado ao denunciar uma chicana parlamentar na ALMG quando não havia ainda as regras de proteção à deliberação densificadas em Regimento<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>: “Ora, a história de todos os parlamentos refere-nos que sempre se exercitou o direito de obstruir; e o que se lhe contrapõe — o instituto do encerramento de debate — só recentissimamente surge nos regimentos das assembléias. É ver a vasta bibliografia sobre a vida e a prática dos corpos, de deliberação e de representação política (...). Eis o que se discute: a legitimidade da “ closure rule”, da chamada “guilhotina”, do encerramento de discussão, pois o direito de obstruir é pressuposto da ação parlamentar”.
<blockquote class="jota-article__eye">Nesse sentido, regras que criem obstáculos à manifestação da vontade parlamentar interferem no resultado do processo decisório sobretudo quando seu objeto concernir temas polêmicos, controversos, plenos de tensões de ordem moral, que tenham um potencial de alterar significativamente a experiência republicana brasileira, como por exemplo, o regresso ao voto impresso.</blockquote>
Na sociedade contemporânea, inclusive, conforme foi escancarado nas eleições majoritárias, as redes sociais vem ocupando um relevante espaço na formação da opinião pública, inclusive política, o que explica o avanço da ciência de dados ao criar ferramentas de inteligência artificial, de aprendizado de máquina e etc (seja oficial seja social)<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> aptas a cruzar um grande volume de informações sobre as opiniões expressas por parlamentares na documentação dos seus votos, nos seus discursos parlamentares, na sua atuação nas mais diversas plataformas virtuais na tentativa de evidenciar quem influencia o quê e quem, não importa de onde.
A contingência da pandemia levou o regime remoto aos trabalhos parlamentares, com aporte tecnológico que alterou o modo do regime de deliberação da Câmara dos Deputados disciplinados em março de 2020 por meio do Ato 123/20. O peso do regime presencial dos trabalhos parlamentares foi alterado e os debates passam a ocorrer por meio de plataforma de videoconferência, que por sua vez facilita um outro nível de publicidade das atividades legislativas.
Na fase decisória (votação), o aplicativo Infoleg instalado nos dispositivos dos parlamentares possibilita a manifestação da vontade dos parlamentares: “sim”, “não”, “abstenção”, “obstrução”. Assim, a tecnologia pode assegurar a celeridade dos trabalhos pois cria uma nova ambiência ao parlamento, no exercício de suas competências constitucionais, adaptado à virtualidade impulsionada pelos desafios impostos pela pandemia.
O Projeto de Resolução- PRC 35/2021 desconsiderando o potencial democrático da virtualidade no processo legislativo assegurada pelo Ato 123/20 propôs alterações que afetam a simetria entre parlamentares, modificando o tempo de fala, a duração das sessões, as manifestações de vontade e as opiniões<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Foi declarado prejudicado pela aprovação em Plenário da Subemenda Substitutiva Global ao Projeto de Resolução nº 84, de 2019 na Sessão Deliberativa Extraordinária Virtual de 12/05/2021 – 13h55 – 49ª Sessão.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
Se o escrutínio social sobre os agentes políticos e parlamentares inclui plataformas virtuais onde posições e opiniões seguem o fluxo contínuo e influenciam o debate parlamentar, se ferramentas tecnológicas otimizam o tempo e podem qualificar a deliberação e consequentemente, a celeridade, qual o sentido em amesquinhar a simétrica paridade da participação na deliberação parlamentar?
Dentre as ameaças expressas no texto do PRC 35/2020 configuraram-se gravosas as concernentes ao equilíbrio entre parlamentares, blocos, bancadas; à garantia da proteção à participação parlamentar equânime na produção normativa e portanto verifica- se  o desrespeito  à minoria, à colegialidade, uma vez que por meio de artifícios processuais é minado, por exemplo, o devido exercício da deliberação via votação em bloco que impossibilita destaques e esse culmina por interferir no exercício do direito à obstrução. Esse PRC recebeu duas emendas em Plenário<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> cujo conteúdo foca o reordenamento do uso da palavra em sessão, com o fim de preservar o amplo debate e permitir destaques.
A polifonia típica do Parlamento só pode ser assegurada pelo pleno exercício do contraditório, garantia constitucional assegurada ao processo legislativo e, portanto, modificações regimentais que vulnerabilizem o debate atentam contra a sua autonomia. Hoje, o processo legislativo remoto desenvolve-se em plataforma com recursos tecnológicos que podem otimizar não só a celeridade, mas a publicidade dos trabalhos parlamentares, a interoperabilidade entre sistemas informacionais com ganhos na qualidade dos debates. Nesse sentido, a manifestação das opiniões permite apurar a genética de um dado processo decisório: democraticamente, o processo torna-se mais auditável.
Modificações regimentais também fazem sentido quando a tecnologia aplicada ao processo decisório for dirigida por princípios da atividade parlamentar que qualifiquem o dissenso como a possibilidade de conhecer o maior leque de informações/contextos, ao mesmo tempo em que traz eventuais conflitos para a arena pública onde podem ser objeto de contestação, adesão, crítica, por todos os partícipes, inclusive, as minorias.
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}, 3000);
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Matta-Machado, Edgar de Godoi. Direito de Obstrução. &lt;  <a href="https://revista.direito.ufmg.br/index.php/revista/article/view/521">https://revista.direito.ufmg.br/index.php/revista/article/view/521</a>&gt; “Do tema especial que nos interessa ocuparam-se o clássico Bentham e mais Robert Luce, Lindsay Rogers, Redlich, Joseph Barthclemy, Harvey Walker e Joseph P. Chamberlain. Em seu exaustivo volume de mais de seiscentas páginas “Constitutional Government and Democracy”, traduzido para o espanhol sob o título de “Teoria y realidad de la organización constitucional democrática”, Çarl J. Friedrich afirma que a questão do encerramento de debate — isto é,  medida legal restritiva ao direito de obstrução — constitui “um dos problemas mais acaloradamente discutidos da política moderna” , (pág. 622)”. Vale lembrar que em 1952 os parlamentos brasileiros não tinham a envergadura dos seus desenhos institucionais atuais.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Alguns exemplos: PARLA da Câmara dos Deputados; ”Basômetro”, Estadão; JOTA conta com seu “Aprovômetro”, assim como a consultoria de Redes Sociais – Quest; “Parlametria”/Dado Capital; Monitor Nuclear” do Núcleo Jornalismo para identificar tendências de engajamento no Twitter.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> PRC 35/2021 Altera os arts. 9º, 10, 65, 66, 67, 84, 89, 117,122, 155, 157, 161, 162, 163, 177, 178, 185,186, 192 e 193 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados).
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a>PRC 84/2019 que propôs a alteração dos arts. 50, 72, 84, 117, 122, 155, 157, 177, 185, 186, 189 e 193 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Emendas de Plenário a Projeto com Urgência de autoria dos Deputados Celso Maldaner (MDB, Santa Catarina) e Alex Manente (CIDADANIA, São Paulo).

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JOTA

O direito à obstrução torna o processo legislativo auditável?

Polifonia e tecnologia no processo legislativo

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