Luma Poletti

O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa se a conta do presidente da República, Jair Bolsonaro, em rede social tem caráter pessoal ou institucional e, portanto, se ele pode ou não bloquear usuários. Até o momento, o relator do caso, ministro Marco Aurélio, votou a favor do mandado de segurança apresentado por um advogado que pede que o chefe do Executivo o desbloqueie no Instagram.
Advocacia-Geral da União (AGU) e Procuradoria-Geral da República (PGR) concordam que se trata de uma conta privada, portanto o presidente não estaria impedido de administrá-la seguindo orientações pessoais.
Em seu voto, Marco Aurélio discorda, e afirma que as publicações de Bolsonaro na plataforma “não se limitam a temas de índole pessoal, íntima ou particular”, mas “dizem respeito a assuntos relevantes para toda a coletividade, utilizado o perfil como meio de comunicação de atos oficiais do Chefe do Poder Executivo Federal”.
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Caso semelhante chegou à pauta da Suprema Corte de Justiça da Nação do México no ano passado. O episódio em questão tratava de um promotor do estado de Veracruz, na costa leste do país, que havia bloqueado um jornalista no Twitter.
Em seu perfil na rede social, ele se identificava como “promotor do Estado de Veracruz, pai e buscador constante da Justiça” e utilizava a plataforma para publicar assuntos de cunho institucional. Como qualquer figura pública, o promotor recebia comentários de usuários da rede social, com elogios ou críticas.
Em outubro de 2017, um jornalista percebeu que havia sido bloqueado pelo promotor no Twitter e contestou o ato na justiça. Disse que a postura do servidor público feria o seu direito de acesso à informação, uma vez que ele também tratava de temas institucionais por meio daquela plataforma. Em maio de 2018, um juiz de primeira instância deferiu o pedido do repórter, mas o promotor recorreu e o caso foi parar na Suprema Corte.
Em março de 2019, a segunda turma da Suprema Corte de Justiça da Nação mexicana decidiu que nenhum servidor público é obrigado a manter um perfil em redes sociais. Porém, uma vez que o faz e assume sua personalidade pública nesta rede, não pode bloquear o acesso dos cidadãos às informações difundidas ali. A corte entendeu que, nestes casos, tratam-se de contas institucionais.
Direito à informação X Direito à privacidade
Na disputa, o promotor reivindicava seu direito à privacidade, enquanto o cidadão bloqueado demandava seu direito de acesso à informação – ambos constitucionalmente garantidos no México. A versão pública da sentença proferida pela corte resume o dilema: “Pode um servidor público bloquear um cidadão no Twitter? Qual direito deve prevalecer?”.
O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que a liberdade de expressão inclui “a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras”. O art. 6º da Constituição mexicana reforça esse preceito.
Quando o caso ainda estava na primeira instância, foi feita uma inspeção no perfil do Twitter do promotor. Foi constatado que havia ali: “tweets com informações pessoais, tweets com informações relacionadas às atividades que exerce como promotor do estado e retweets com informações de outras contas”, relata a sentença.
<blockquote class="jota-article__eye">O juiz ponderou que autoridades não são obrigadas a manter perfis em redes sociais, porém, se o fazem, devem assumir o ônus decorrente da ação.</blockquote>
“Ao utilizar a sua conta pessoal para divulgar informações inerentes ao exercício da sua missão, o promotor decidiu comunicar-se com o público através dos referidos meios eletrônicos, pelo que assumiu voluntariamente as correspondentes consequências regulamentares”, entendeu o magistrado.
O promotor recorreu da decisão. Entre os argumentos apresentados, ele dizia que seu perfil na rede social fora criado em 2011, anos antes dele assumir a função pública, em 2016. Que a conta não era verificada – portanto não era possível presumir que se tratava de um canal de comunicação oficial de sua gestão com os cidadãos.
E, por fim, era uma conta utilizada para tratar de assuntos pessoais e privados, e que o cidadão bloqueado só poderia denunciar a restrição de seu direito à informação caso fosse bloqueado pelos canais de comunicação oficiais da instituição. O que não ocorreu.
O promotor chegou a dizer que os temas que trata em seu perfil na rede social não são os mesmos aos quais o jornalista se dedica em seu trabalho como repórter (segurança pública, direitos humanos, desaparecimentos e fossas clandestinas).
Isso porque o usuário bloqueado afirmou ao longo do processo que utilizava a rede social como ferramenta de trabalho. Aliás, o fato de ser jornalista pesou no julgamento, pois considerou-se que a profissão reforça o seu direito de buscar e receber informações.
Entre as decisões internacionais usadas pela Segunda Turma da Suprema Corte para fundamentar a sentença, existe um processo no qual o governo brasileiro é parte. O julgamento do caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil, cuja sentença foi proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2010.
O trecho citado pela corte mexicana destaca que o direito à liberdade de expressão contempla a garantia do acesso à informação mantida sob o controle do Estado. Além disso, salvo os casos em que se aplique uma restrição legal, as informações devem ser entregues sem a necessidade de comprovar interesse direto em sua obtenção, ou seja, sem a necessidade de justificativa.
De acordo com o entendimento da corte mexicana, quando há um embate entre o direito de acesso à informação e o direito à privacidade, é necessário considerar as atividades às quais se dedicam os protagonistas do embate e o interesse público em questão.
“Ou seja, o direito à privacidade dos servidores públicos é menos extenso do que aquele que atende o restante dos cidadãos por motivos exclusivamente ligados ao tipo de atividade que desenvolvem, visto que esta pode ser de interesse da comunidade”, diz a sentença.
Entendimento semelhante ocorreu nos Estados Unidos, onde a Justiça Federal proibiu Donald Trump de bloquear seguidores no Twitter. Em agosto deste ano, o atual presidente dos EUA entrou com uma ação para tentar derrubar a decisão na Suprema Corte – medida inócua, uma vez o republicano foi derrotado nas urnas e Joe Biden assumirá a presidência em janeiro de 2020.
Os casos em questão – seja nos Estados Unidos ou no México – não orientam necessariamente as decisões em âmbito nacional que tomarão os demais ministros do STF, mas merecem ser observados a título de ilustração de um imbróglio que envolve redes sociais, direito de acesso à informação e comunicação institucional.
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O episódio 45 do podcast Sem Precedentes trata de dois julgamentos que irão começar no Supremo Tribunal Federal (STF) e que interferem diretamente nas relações da Corte com o governo Bolsonaro e o Congresso Nacional. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=8vxcYqw2vRc&amp;feature=youtu.be

liberdade de expressão

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Pode um servidor público bloquear um cidadão no Twitter?

Experiências da Suprema Corte mexicana