Rafael Marcondes

Victor Targino de Araujo

A Constituição Federal consagrou o principio da seletividade para o imposto sobre produtos industrializados, o conhecido "IPI", em seu artigo 153, inciso IV e parágrafo 3.º. O texto constitucional deixa muito clara a intenção do constituinte: produtos essenciais, IPI menor; menos essenciais, IPI maior.
Produtos menos essenciais, como videogames e perfumes, ou mesmo os nocivos, como o cigarro e bebidas alcoólicas, têm alíquotas de IPI maiores, de forma a atender à seletividade e a sinalizar as prioridades do Estado.
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Em 26 de outubro de 2020, porém, às vésperas do lançamento da nova geração de videogames (Playstation 5, da Sony, e Xbox Series S e X, da Microsoft), num afã populista, claramente voltado a agradar classes mais jovens, o presidente da República, por meio do Decreto 10.532, reduziu a alíquota de IPI da seguinte forma:
<ul>
<li> Consoles e máquinas de jogos de vídeo, exceto os classificados na subposição 9504.30 – Alíquota de 40% para 30%.</li>
<li>Ex 01 - Partes e acessórios dos consoles e das máquinas de jogos de vídeo cujas imagens são reproduzidas numa tela de um receptor de televisão, num monitor ou noutra tela ou superfície externa – Alíquota de 32% para 22%.</li>
<li>Ex 02 - Máquinas de jogos de vídeo com tela incorporada, portáteis ou não, e suas partes – Alíquota de 16% para 6%.</li>
</ul>
Alguns pontos dessa medida merecem atenção. O primeiro deles diz respeito à seletividade. E, com relação a esse princípio constitucional surge uma questão imediata: qual a relevância dos videogames para a sociedade?
É verdade que no momento completamente atípico em que vivemos – causado pela pandemia do Covid-19 – em que as pessoas passam grande parte do seu tempo em casa e sofrem com faltas de alternativa de lazer, os consoles ganham relevância ao funcionar como um dos poucos meios de entretenimento disponíveis, que não as expõem a riscos de contaminação. O incentivo ao lazer, vale lembrar, é um dever do Estado previsto no artigo 217, parágrafo 3º, da Constituição Federal.
Em que pese esse argumento, devemos considerar que os videogames têm uma menor relevância do que outros itens essenciais ao dia a dia do brasileiro. Por mais que dizer isso seja um incômodo – afinal, simpatizamos com os games como forma de lazer e temos plena consciência de que os brasileiros pagam altos tributos e não recebem uma contrapartida à altura por parte do Estado – é inegável que nesse momento de crise, milhares de pessoas sofrem com o desemprego e a impossibilidade de colocar comida na mesa de casa ou mesmo de comprar medicamentos.
Temos o Sistema Único de Saúde, o SUS, é verdade, que é referência mundial. Mas o fato é que o SUS, a despeito de todos os avanços que conquistou nos últimos anos, é insuficiente para atender a toda a população. Tanto é que quem tem condições mínimas de suportar o custo, opta pelo atendimento médico na rede privada.
Retomando a questão feita anteriormente, portanto: qual a relevância dos videogames para a sociedade? A relevância existe, especialmente quando muitos estão trancados em casa. Porém, não se pode dizer ser algo extremamente essencial.
Para a seletividade, os games perdem importância em comparação com outros itens, como alimentos integrantes da cesta básica, equipamentos de proteção individual, equipamentos médicos e medicamentos.
Assim, não teria sido mais apropriado ao invés de reduzir a alíquota do IPI sobre videogames, ter reduzido a alíquota do imposto sobre os itens acima mencionados? Parece-nos que sim.
<blockquote class="jota-article__eye">Ou, ao menos, a redução da alíquota do IPI sobre os consoles deveria ter sido acompanhada da redução de alíquota de alimentos, medicamentos e equipamentos da área da saúde (cuja essencialidade é maior), o que não ocorreu.</blockquote>
Com isso, se observa que a medida adotada pelo Governo Federal de reduzir em 10% (dez por cento) a alíquota do IPI dos videogames, apesar de agradar a determinados setores da sociedade, viola o princípio constitucional da essencialidade.
A situação é ainda mais grave, pois além de ferir norma constitucional, o contribuinte menos favorecido é prejudicado, pois está financiando, indiretamente, a renúncia fiscal em prol de produtos que, embora interessantes, são caros e não tão essenciais.
Com a redução das atividades econômicas, o Estado também sofre com a redução de receitas arrecadadas com tributos. Essa redução faz com que o Governo se veja obrigado a priorizar atividades mais essenciais, em detrimento das menos relevantes. Assim, em um momento de crise, a redução da arrecadação por meio de redução de alíquotas, deve ser muito bem pensada, para não impactar negativamente o orçamento.
Um segundo aspecto a ser observado é fático. O Governo Federal concedeu para diferentes categorias (videogames, consoles e programas) redução de 10% (dez por cento) na alíquota do IPI, respectivamente.
Com essa medida, o consumidor imaginou queda idêntica no preço dos produtos, mas não foi isso que se viu. Pouco após a publicação do Decreto, tanto Sony quanto Microsoft anunciaram as seguintes reduções nos preços praticados para seus respectivos consoles quando do lançamento no Brasil:
Playstation 5: 
a) Digital de: R$ 4.499,00 para R$ 4.199,00 (6,67%)
b) Com CD: R$ 4.999,00 para R$ 4.699,00 (6%)
Xbox:
a) Series S: de R$ 2.999,00 para R$ 2.799,00 (6,67%)
b) Series X: de R$ 4.999,00 para R$ 4.599,00 (8%)
Ainda, o videogame portátil da Nintendo, o Switch, não teve anúncio de qualquer alteração, mantendo-se o preço em R$ 2.799,00, a despeito da redução da alíquota de 16% (dezesseis por cento) para 6% (seis por cento).
Ou seja, o Governo Federal renunciou a 10% (dez por cento) do IPI em cada um dos produtos supracitados, de modo evidentemente proposital (às vésperas do lançamento de 2 consoles, como dito), mas o ganho ao consumidor variou de 0 (zero), no caso do Switch, a 8% (oito por cento), na melhor das hipóteses (Xbox Series X), não sendo o benefício integralmente repassado ao consumidor final.
Não fosse suficiente, é possível dizer que em razão da expectativa e da novidade, os preços, quando do lançamento dos consoles, são naturalmente altos. Gráficos relacionados a videogames de gerações anteriores demonstram queda vertiginosa de preços, em média, um ano após o lançamento, levando algumas pesquisas a estimarem queda de 62% (sessenta e dois por cento)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>:
Portanto, há estudos indicando que o Governo Federal não precisaria ter feito nada para que, daqui 1 (um) ano, os brasileiros pudessem adquirir os mesmos consoles pagando um preço aproximada e estimadamente 60% (sessenta por cento) menor em relação ao valor de lançamento, sem obrigar a sociedade menos privilegiada a financiar qualquer renúncia fiscal sob viés “populista”.
O que se percebe, na verdade, é que a medida se revela não só inconstitucional, por não atender à seletividade prevista no artigo 153, parágrafo 3º, inciso I, da Constituição Federal, mas pouco eficiente, seja porque o repasse da redução da carga fiscal não chega em muitos casos ao consumidor final, seja porque passado um ano do lançamento naturalmente os preços já estão em patamares substancialmente menores, sem necessidade de intervenção governamental.
A medida adotada pelo Governo Federal se mostra completamente contraditória, a ponto de tornar o Switch, videogame portátil da Nintendo, em razão da alíquota do IPI praticada, supostamente mais essencial à sociedade, do que telefones celulares, por exemplo, cuja alíquota do IPI é superior a 6% (seis por cento).
Enfim, parece que é chegada a hora dos governantes se lembrarem de algumas coisas bastante básicas em um Estado Democrático de Direito. Eles estão no comando por única e exclusiva vontade dos cidadãos. Assim, suas ações devem buscar atender as necessidades do povo, que foram consolidadas na Constituição Federal. Dessa forma, em hipótese alguma, pode um governante contrariar o texto constitucional, pois ao assim o fazer, estará indo contra a soberania popular.
O povo, por meio da Constituição Federal, requer no caso do IPI a observância da seletividade das suas alíquotas. As alíquotas do IPI sobre videogames são elevadas, isso é inegável, mas esse fato não permite tributar menos os videogames do que outros produtos mais essenciais.
O caminho aqui é, primeiro, rever as prioridades daquilo que é ou não relevante para a sociedade e, em um segundo momento, buscar enxugar a máquina governamental e seus elevados custos, o que permitiria baixar a carga tributária não sobre os videogames, mas também sobre diversos itens integrantes do nosso dia a dia.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: &lt;<a href="about:blank">https://www.infomoney.com.br/consumo/com-reducao-do-ipi-playstation-5-e-xbox-series-x-s-ficam-mais-baratos-e-hora-de-comprar/</a>&gt;. Acesso em 05 de novembro de 2020.

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JOTA

Faz sentido a redução da alíquota do IPI promovida pelo Governo Federal sobre videogames?

Playstation 5, Xbox Series e Nintendo Switch: são bens essenciais?

Faz sentido a redução da alíquota do IPI promovida pelo Governo Federal sobre videogames?