Alexandre Fragoso Silvestre

A modernização das relações de trabalho é um fenômeno recorrente em diversas partes do mundo e no Brasil não poderia ser diferente, como demonstra a força dos aplicativos e a própria <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm">reforma trabalhista</a>, que regulamentou as contratações em modelo de pessoa jurídica (PJ), por exemplo, bem como trouxe diversas outras medidas para desburocratizar a relação entre empregado e empregador.
Essa mudança pode ser reflexo do curso natural do mundo do trabalho, que demanda relações mais flexíveis, autonomia e a possibilidade de o trabalhador ser responsável pela própria rotina; assim como pela evolução tecnológica e suas novas possibilidades – a chamada Quarta Revolução Industrial, que engloba um amplo sistema de tecnologias que já mudaram as formas de produção e os modelos de negócios em todo o planeta. Um bom exemplo desta revolução é o que se chama atualmente de nômades digitais, mas isso pode ser objeto de um outro estudo.
Essa mudança no formato de trabalho é real e veio para ficar, uma vez que mudou a forma como as pessoas vivem, consomem, trabalham e realizam suas tarefas cotidianas. Essa nova realidade impõe a diversos setores a necessidade de modernização e adaptação, o que também vale para o campo do Direito do Trabalho.
Recentemente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou dados que mostram a redução do desemprego no país. No entanto, ainda existem <a href="https://www.ibge.gov.br/busca.html?searchword=desemprego&amp;searchphrase=all">mais de 10 milhões de pessoas desempregadas</a> no Brasil, e a taxa de empregados sem carteira assinada é a maior já registrada: mais de 20% dos trabalhadores – cerca de 38,7 milhões de pessoas – atuam na informalidade.
Por outro lado, de acordo com pesquisa desenvolvida pelo Instituto Locomotiva em março de 2021, 32,4 milhões de trabalhadores adultos estavam atuando em aplicativos digitais. Empresas como Uber, iFood, Rappi e outras de diversos segmentos se tornaram uma alternativa de emprego profissional ou de renda extra diante do cenário de desemprego ou de baixa remuneração. O caráter flexível dessas plataformas permite essa adaptação. Não há dúvida de que essas empresas mitigaram e muito os impactos negativos da crise que estamos vivendo.
Posto isso, a "plataformização" do trabalho, muitas vezes chamada de “uberização”, traz inúmeros desafios para se pensar a legislação trabalhista, uma vez que esse novo modelo de negócio não coaduna com o perfil estabelecido pela <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm">Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)</a>. Na prática, esse perfil de trabalho é marcado pelo rastreamento contínuo das atividades e interações, quantificado com base em métricas de performance, como a avaliação do motorista ou entregador, por exemplo. Neste contexto, o profissional atua como empreendedor nessa atividade, representando essa empresa maior. Essa conta oferece a este empreendedor a possibilidade de uma jornada flexível e de remuneração condizente ao seu desempenho e tempo de dedicação à atividade, por exemplo.
Por outro lado, uma vez como empreendedor, esse profissional já não conta com direitos previstos na <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/clt">CLT</a>, como férias, 13º salário, FGTS, proteção em casos de acidentes, entre outros. Além disso, decerto que existem muitos relatos que questionam o modelo de remuneração e se, de fato, este profissional realmente é um empreendedor ou um trabalhador que não está sujeito à subordinação, aos comandos ínsitos da relação empregatícia tradicional.
Em relação ao tratamento que será dado aos trabalhadores que dedicam sua mão de obra aos aplicativos – seja via nova disposição legislativa (e há projeto de lei neste sentido, vide o <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2257468">PL 3748/2020</a>) ou por decisão dos tribunais superiores, pois são eles quem dizem o que é direito, qual a interpretação da legislação diante do caso concreto – podemos apontar como caminhos: o reconhecimento da condição de empregado, despejando na relação todos os direitos previstos na Constituição Federal, CLT e outras normas que orbitam este ambiente, o que seria bem complicado se considerarmos o aumento de custos que será imposto às empresas e isso poderia, inclusive, levar ao encerramento das operações; a classificação como trabalhador autônomo e, portanto, à margem completamente da proteção celetista.
Neste último caso, podemos incluir a ausência direta da previdência social ou, como uma via alternativa, considerar estes trabalhadores como parassubordinados que terão, se não todos, alguns direitos tidos como mínimos, entre eles: remuneração mínima (ainda que previsse um salário mínimo hora), uma jornada máxima (o que já vem sendo praticado de alguma forma com o bloqueio dos aplicativos após determinada quantidade de horas trabalhadas), sindicalização, inclusão na previdência social, com cobertura inclusive contra acidente de trabalho.
Puxar o pêndulo para os extremos não nos parece a melhor solução, ou seja, nem considerá-los empregados (CLT), nem excluí-los totalmente da proteção social,  sendo assim, conferir determinadas garantias poderia aliar o afastamento das condições degradantes de trabalho com a manutenção da opção de trabalho oferecida pelas gigantes da tecnologia que, de alguma forma, permitem que uma grande parcela da população consiga o sustento trabalhando através das plataformas digitais.
Levando em consideração essas novas relações estabelecidas entre empresas, meios digitais e trabalhadores, torna-se imprescindível repensar a questão do Direito do Trabalho. É certo que esse novo modelo de negócios veio para ficar, há forte adesão dos consumidores e do mercado de maneira geral. Só que esse modelo depende de um formato mais flexível para conexão de seus fornecedores. Sem isso, essas plataformas se tornam impraticáveis, o que afastaria essas empresas do nosso país. Na outra ponta, é razoável considerar também seus pontos frágeis e, a partir daí, criar uma nova legislação que harmonize os interesses. O que não dá mais é para evitar esse debate ou pensar no impensável: retroagir para um modelo ultrapassado.

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JOTA

Puxar o pêndulo para os extremos não nos parece a melhor solução

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'Plataformização' do trabalho demanda modernização da legislação trabalhista

Puxar o pêndulo para os extremos não nos parece a melhor solução para lidar com a 'plataformização' do trabalho