Serviço Público

Planejamento e Dimensionamento da Força de Trabalho no setor público federal

Prospectiva e redesenho do Estado para o século 21

servidores públicos reajuste
Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Crédito: José Cruz/Agência Brasil

O serviço público federal enfrenta desafios constantes na busca por atender de forma satisfatória às demandas crescentes da cidadania. Enquanto a disseminação das mídias proporciona acesso mais rápido e fácil à informação, permitindo que as pessoas conheçam melhor seus direitos, uma série de novos eventos e mudanças sociais trazem exigências mais complexas para o Estado. Nesse contexto, a administração pública deve ser capaz de adaptar e alinhar sua oferta de bens e serviços às necessidades reais da sociedade.

Um elemento crítico para o sucesso dessa adaptação é o corpo de profissionais que desempenham funções públicas, os quais precisam estar capacitados para entregar resultados esperados em áreas como educação, saúde, segurança e regulação. A gestão deve contar com quantidade e qualidade adequada de pessoas e respectivas competências para atender às demandas presentes e futuras de maneira tempestiva.

No entanto, a composição e a reposição da força de trabalho no setor público têm sido desafios cada vez mais exigentes para garantir a qualidade e a continuidade dos serviços públicos. Isso coloca a gestão de pessoas como dimensão fundamental para a inovação e a melhoria do setor público no enfrentamento dos problemas essenciais da sociedade, cada vez mais complexos e multi/intersetoriais.

Nesse cenário, o planejamento e o dimensionamento da força de trabalho são tarefas indispensáveis para o embasamento de decisões estratégicas em gestão de pessoas no setor público federal. O planejamento da força de trabalho, do qual o dimensionamento é um instrumento, fornece elementos para que os órgãos selecionem as pessoas certas, com o perfil adequado, na quantidade, lugares e momentos certos ao longo do tempo, para cumprir sua missão institucional.

Em outras palavras, envolve processos, práticas e tecnologias de gestão de pessoas que garantem a formação de equipes eficientes, eficazes e efetivas, alocando-as adequadamente para alcançar metas e objetivos organizacionais. Para que isso ocorra, o planejamento da força de trabalho deve permear toda a organização e envolver uma comunicação efetiva entre a área de gestão de pessoas e as demais áreas estratégicas da mesma. Esta não tem sido, infelizmente, a realidade da administração federal.

Até aqui, a discussão sobre força de trabalho na administração pública esteve posicionada em uma agenda quase que exclusivamente tecnoburocrática, alocada dentre o rol de atribuições jurídicas, logísticas e operacionais que cada órgão dispõe na administração de seus recursos para prover as políticas públicas a seu encargo. Estudo realizado pelo BID sobre a estrutura do sistema de gestão de pessoas do Brasil e demais países da América Latina aponta que o planejamento da força de trabalho no Brasil não tem derivado da agenda de prioridades e orientações estratégicas dos sucessivos governos em âmbito federal (BID, 2023).[1]

Assim como a organização de concursos públicos, o planejamento de pessoal nos órgãos setoriais esteve sempre relacionado a processos de trabalho protocolares e procedimentais, subordinado a negociações em torno do orçamento e ao poder de barganha de cada órgão. Por sua vez, a introdução da metodologia de Dimensionamento da Força de Trabalho (DFT) na administração federal, desde 2021, oportuniza uma nova fase para a gestão estratégica de pessoas.

O DFT é uma ferramenta de planejamento que busca definir as necessidades de pessoal em termos quantitativos e qualitativos para a execução de determinado trabalho, subsidiando políticas de gestão de pessoas com evidências sobre o ambiente de trabalho e as equipes envolvidas. Não se trata apenas de calcular quantos servidores são necessários para ocupar vagas devido a aposentadorias ou evasões, mas de avaliar o que a organização pretende entregar à população e alcançar no futuro, levando em conta as transformações da sociedade e do mercado de trabalho.

Nesse sentido, o DFT desempenha um papel crucial ao fornecer diagnósticos sobre onde os esforços dos profissionais de uma organização estão sendo concentrados, permitindo redirecioná-los de acordo com as prioridades de governo a cargo de cada órgão. Também influencia os processos de recrutamento, seleção e alocação de pessoal, fornecendo informações objetivas para negociações sobre recomposição da força de trabalho, concursos públicos, contratações temporárias e movimentações de servidores. Além disso, promove análises que contribuem para o aprimoramento das políticas de gestão de pessoas e o funcionamento eficaz do setor público.

O Modelo Referencial de Dimensionamento da Força de Trabalho, desenvolvido em colaboração entre o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) e a Universidade de Brasília (UnB), é uma ferramenta já disponível para todos os órgãos da administração pública, abrangendo diversos contextos e tipos de atividades. Esse modelo oferece uma abordagem flexível, levando em consideração as características específicas de cada órgão. Sua maior contribuição para o órgão em que é implementado é revelar de forma estruturada à alta direção o detalhamento das entregas consideradas essenciais em cada unidade gerencial.

A partir das entregas informadas pelos gestores das unidades é que o processo de dimensionamento é iniciado, tendo o Sistema de Dimensionamento de Pessoas (Sisdip),[2] como ferramenta para sistematização dos dados de servidores alocados e respectivas entregas esperadas de cada unidade. Para garantir a uniformidade e a eficiência do dimensionamento, o sistema oferece um banco de entregas em diversas categorias de serviços, compilado a partir da experiência de 80 órgãos que já utilizaram ou utilizam a ferramenta, que podem ser adaptadas pelos usuários às necessidades de suas equipes.

Isso permite uma análise abrangente, indo além dos dados quantitativos e considerando o contexto organizacional, tecnológico e as competências mais relevantes. É nesse ponto que a alta gestão tem a oportunidade de verificar a aderência das entregas informadas por suas unidades administrativas com suas metas e atribuições sob perspectiva estratégica; sua contribuição para os resultados almejados pelo órgão. A partir dessa análise, uma série de decisões pode ser tomada para uma melhor governança dos processos de trabalho, ações de planejamento e identificação de ações prioritárias a cargo de cada unidade, movimentação de pessoal, capacitação de equipes, etc.

Desse modo, o DFT não se limita apenas a fornecer informações sobre a quantidade ideal de pessoal; também oferece indicadores qualitativos e quantitativos para orientar decisões estratégicas sobre as próprias funções finalísticas dos órgãos. É, portanto, uma ferramenta que possibilita a efetivação do que se chama na literatura ‘gestão estratégica de pessoas’, tema caro ao atual debate da transformação do Estado para a oferta de mais e melhores serviços à população.

Hoje, a adesão ao Modelo Referencial de Dimensionamento da Força de Trabalho é voluntária, e vários órgãos já aderiram a essa abordagem, reconhecendo seu potencial para melhorar a gestão de pessoas e o planejamento estratégico da recomposição da força de trabalho. Entretanto, especialistas no tema reforçam a necessidade de institucionalização da prática como requisito essencial para análise de novas contratações, alocação e movimentação de servidores no setor público.

Até aqui o objetivo principal foi a difusão da metodologia aos órgãos interessados – 68 órgãos com transferência concluída e 12 em andamento. Agora o foco é impactar efetivamente o planejamento dos órgãos com a implementação do dimensionamento. A capacitação dos profissionais, essencial para a implementação bem-sucedida do DFT, foi o primeiro passo. A partir de agora o desafio é atuar juntamente com os órgãos para que o dimensionamento se torne prática institucionalizada, integrada ao planejamento anual de cada órgão, como forma de melhoria da governança de suas políticas e subsídio à gestão estratégica de pessoas.

O objetivo é, doravante, expandir a metodologia para outros órgãos, com prioridade para tornar o DFT procedimento padrão a ser adotado em toda a administração federal, como requisito para novas contratações e movimentação de pessoal. Uma das estratégias para viabilizar essa expansão é criar uma rede de especialistas e multiplicadores dentro da administração pública, formada pelos servidores já certificados como especialistas em DFT, para atuarem como facilitadores de equipes volantes a serem instituídas nos diversos órgãos federais.

A implementação bem-sucedida em cada um dos órgãos requer apoio da alta direção e uma comunicação eficaz com todos os envolvidos. A ideia de times volantes coordenados pelo MGI com uma agenda de trabalho pactuada com os órgãos, como parte do processo de provimento de novos servidores, parece um caminho promissor para a institucionalização da ferramenta. Essa abordagem não se concentra apenas na quantidade de pessoal, mas também nas competências necessárias para atender às demandas da sociedade em constante mutação. É uma ferramenta valiosa para melhorar a eficiência e a eficácia do setor público, garantindo que ele atenda de forma adequada às prioridades de governo.

Autores:

Pela Secretaria de Gestão de Pessoas (SGP) do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), participaram da elaboração deste artigo: José Celso Cardoso Jr (Secretário de Gestão de Pessoas), Lorena Fonseca de Medeiros (Chefe de Gabinete), Maria Aparecida Chagas Ferreira (Diretora de Provimento e Movimentação), Fernando Andre Santana de Souza (Coordenador Geral), Janice Oliveira Godinho (Chefe de Divisão)


[1] DRUMOND, F. Diagnóstico Institucional do Serviço Público na América Latina. BID, 2023.

[2] Sistema informatizado desenvolvido pelo MGI em parceria com a Universidade de Brasília como parte do arcabouço instrumental do Dimensionamento da Força de Trabalho proposto como modelo a ser aplicado em toda a administração pública federal.

Sair da versão mobile