Murilo Meneghetti Nassif

Saúde e medicamentos são assuntos que suscitam intensos debates de cunho científico, cultural, religioso, filosófico e social. São temas que estão ligados ao que o ser humano tem de mais sagrado, que é a vida! Os debates se intensificam quando saltamos dos princípios jurídicos que circundam os temas para a concretude e realidade do <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8080.htm">Sistema Único de Saúde</a> (SUS) e do ambiente público de contratação brasileiro.
Os recursos finitos e escassos, as licitações frustradas ou desertas, os desafios para cumprimento de ordens judiciais, o desabastecimento e a logística de distribuição de produtos, a mídia política e certas posições de órgãos de controle, às vezes míopes e longe da realidade de quem está na linha de frente da saúde pública, são alguns exemplos dos desafios vividos por gestores públicos na aquisição de produtos para saúde.
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Como o gestor público pode e deve enfrentar tais desafios é uma dúvida comum. A resposta está na implementação de boas práticas de planejamento de compras em conjunto com conhecimento técnico e prático, debate transparente e aberto com toda a sociedade, além da motivação dos atos e decisões. Nada díspar do que está na <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm">Constituição Federal</a> e na nova <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14133.htm">Lei de Licitações e Contratos Administrativos</a>, em vigor desde abril deste ano.
O planejamento, muito debatido nas escolas de administração, gestão e economia, nada mais é do que a preparação, organização e estruturação de uma atividade para se atingir um determinado fim e objetivo. Ou como diz os principais dicionários da língua portuguesa, o planejamento é uma ação e um ato ou efeito de preparar algo com determinado método e procedimento.
A relevância desta ação preparatória concedeu ao ato de planejar o status de princípio jurídico na <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14133.htm">nova Lei de Contratações Públicas</a> (artigo 5º), sendo o ato do planejamento referenciado em mais uma dezena de artigos da nova lei. Uma alteração frente à <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666compilado.htm">antiga Lei de Licitações</a>, ainda em vigor até abril de 2023, em que o termo planejamento é referenciado uma única vez ao tratar de serviços técnicos profissionais especializados.
No contexto das compras públicas, a recente lei é taxativa ao afirmar que o planejamento de compras deverá ser feito considerando a expectativa de consumo anual da demanda (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14133.htm">artigo 40</a>). Para a compra de medicamentos essa ação pode ser feita pela simples análise de histórico real de consumo e demanda de produtos e, ainda, através do cruzamento de diversos dados de saúde pública e utilização de modelos preditivos, estatística, matemática e inteligência artificial.
O bom planejamento de compra dos medicamentos não pode prescindir, também, do conhecimento técnico dos farmacêuticos e da atuação direta e escuta ativa das pessoas que atuam nas assistências farmacêuticas. São profissionais da linha de frente que possuem o conhecimento técnico e prático sobre os produtos, suas diferenças e cuidados especiais de guarda e armazenamento, garantindo o acesso dos produtos aos pacientes.
Quanto ao planejamento do orçamento da compra e a definição dos preços de referência para aquisição destes bens que salvam vidas – um dos principais focos de análise dos órgãos de controle e vilão de diversas licitações frustradas ou desertas –, trata-se de um tema que ainda tem muito espaço para aprimoramento e compreensão, tanto pelos gestores públicos quanto pelos órgãos de controle.
O primeiro passo deste aprimoramento está em conhecer melhor como funciona a precificação de medicamentos no Brasil. Em nosso país, a maioria dos medicamentos que são comprados pelos entes públicos possuem o preço máximo de venda já controlado e pré-estabelecido pelo governo federal, especialmente os de alto valor agregado e que estão na mídia e debates rotineiros sobre a <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/saude-no-stf-a-tese-do-tema-6-da-repercussao-geral-04122020">judicialização da saúde</a>.
O preço máximo de venda da maioria dos produtos já está estabelecido, divulgado e publicizado conforme nossa <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14133.htm">legislação</a> e <a href="https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/cmed/legislacao/arquivos/arquivos-resolucoes/6321json-file-1#:~:text=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20%E2%80%93%20CMED%20n%C2%BA%202%2C%20de%2010%20de,comercializa%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20C%C3%A2mara%20de%20Regula%C3%A7%C3%A3o%20do%20Mercado%20de">regulamentação</a>. Este preço, como regra geral, é reajustado uma única vez ao ano. Ou seja, medicamentos não ficam mais caro do dia para noite ou de uma licitação para outra. O preço teto já está definido! O que faz variar o preço das vendas são os descontos (ora para mais ora para menos), concedidos pela cadeia do produto.
E aqui existem dois tipos de descontos frente ao preço teto. Os descontos obrigatórios, que são aplicados para certas compras realizadas por entes públicos <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>; e, os descontos comerciais, que são concedidos por liberalidade de cada produtor e cadeia de comercialização, estando diretamente ligados à fatores externos, de mercado e de sustentabilidade das atividades empresariais (ex.: custo de insumos, produção, armazenamento, logística, tributos, lucro, empregos, inflação, variação cambial, risco de inadimplência etc.).
Conhecendo, no momento do planejamento, se o bem a ser adquirido é um produto nacional, importado, exclusivo, inovador, cópia, biológico <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, sintético, etc.; em conjunto com a regra de precificação de medicamentos já pré-estabelecida e de descontos, fica mais fácil ao gestor público planejar as compras e definir melhor o preço de referência de forma motivada, evitando licitações frustradas e desertas que poderão ocasionar a falta de medicamentos ao paciente-cidadão.
É neste processo prévio de planejamento (que é uma fase interna do órgão), que o gestor público deverá motivar e fundamentar as decisões técnicas e financeiras da compra e, com a justificação e motivação, garantir a segurança jurídica necessária aos servidores que estão na linha de frente das compras, além de permitir, por óbvio, a transparência de atos a ser fiscalizado pelos órgãos de controle da administração.
O bom planejamento da compra, o conhecimento técnico e de mercado, além da motivação dos atos garante a compra menos dispendiosa (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14133.htm">artigo 34 – Lei 14.133/21</a>) ou mais vantajosa (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666compilado.htm">artigo 3º </a><a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14133.htm">–</a><a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666compilado.htm"> Lei 8.666/93</a>) para todos. Em especial ao ser humano que não pode ter sua vida impactada ou ceifada pelo desabastecimento de produtos por falha de planejamento e/ou ideologias de certas pessoas e órgãos que, longínquos da linha de frente, esquecem que medicamentos existem para garantir o bem maior, que é a vida.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cmed/2006/res0004_18_12_2006.html">Resolução nº 4, de 18 de dezembro de 2006</a> - Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos. Dispõe sobre o Coeficiente de Adequação de Preços - CAP.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Sobre boas práticas de compra pública de medicamentos biológicos, vide <a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/inova-e-acao/boas-praticas-na-compra-publica-de-medicamentos-biologicos-2-20112020">Boas práticas na compra pública de medicamentos biológicos Parte II - JOTA</a> e <a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/inova-e-acao/boas-praticas-na-compra-publica-de-medicamentos-biologicos-27102020">Boas práticas na compra pública de medicamentos biológicos Parte I - JOTA</a>.

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JOTA

Relevância desta ação preparatória concedeu ao ato de planejar o status de princípio jurídico na nova Lei de Contratações Públicas

O planejamento na compra pública de medicamentos

Relevância desta ação preparatória concedeu ao ato de planejar o status de princípio jurídico na nova Lei de Contratações Públicas