Caio Vieira Machado

Victor Durigan

<p>Há mais de um ano, os Três Poderes buscam soluções para o fenômeno da desinformação, coloquialmente chamado de fake news. No Congresso Nacional, o tema não é inédito. O Legislativo vem se debruçando, ao longo de mais de um ano, sobre o <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2256735">Projeto de Lei 2.630/2020</a>, apresentado em maio de 2020 pelo senador <a href="https://www25.senado.leg.br/web/senadores/senador/-/perfil/5982">Alessandro Vieira (Cidadania-SE</a>).</p>
<p>Este projeto ficou conhecido como PL das Fake News e, recentemente, motivou a criação do <a href="https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/grupos-de-trabalho/56a-legislatura/aperfeicoamento-da-legislacao-brasileira-internet">Grupo de Trabalho para aperfeiçoamento da legislação brasileira - Internet</a>, que recebeu a contribuição de cerca de uma centena de especialistas.</p>
<p><a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a></p>
<p>Sob a relatoria do deputado <a href="https://www.camara.leg.br/noticias/696749-orlando-silva-defende-alteracoes-no-projeto-de-lei-contra-fake-news/">Orlando Silva (PCdoB-SP)</a> e presidência da deputada Bruna Furlan (PSDB-SP), o colegiado encaminha-se para sua fase final, na qual deve apresentar um novo texto para o projeto de lei. Neste artigo, mapeamos quatro pilares temáticos que representam oportunidades e ameaças à eficácia da redação final do projeto, a partir dos aprendizados do Grupo de Trabalho.</p>
<h3>1) Transparência dos provedores de aplicações</h3>
<p>A proposta pode entregar um norte de obrigações e deveres que contribuirão para a redução da assimetria de informação entre provedores de aplicação, usuários e agentes públicos. Isso significa aumentar a transparência das decisões organizacionais e das soluções tecnológicas das plataformas, tornando os procedimentos de moderação de conteúdo mais compreensíveis e previsíveis.</p>
<p>A busca por maior transparência não deve se limitar a relatórios gerais, que contém números ilustrativos sobre a atuação dos provedores. Deve, também, apresentar informações pormenorizadas, que permitam ao cidadão e à sociedade entender o papel desempenhado na moderação de conteúdo. Ou seja, deve providenciar informações detalhadas aos indivíduos afetados pela aplicação dos termos de uso e deve também informar, no nível agregado, os impactos dessa atividade, contribuindo para o interesse coletivo.</p>
<p>Os termos de uso devem ser acessíveis e a aplicação deve ser suportada por critérios transparentes e inequívocos. Até mesmo a modulação do alcance de publicações, como a diminuição ou amplificação do alcance de publicações, deve oferecer justificativas suficientemente detalhadas para que possa educar o usuário, apontando também, caminhos para que o resultado seja contestado.</p>
<p>Esses são requisitos para que a produção e aplicação da moderação não sejam vistos como arbitrários, mas como fatores necessários à atuação legítima da organização em prol da manutenção da esfera de debate.</p>
<h3><strong>2) Uso de plataformas por ocupantes de cargos públicos</strong></h3>
<p>Atualmente, há uma profunda confusão entre a atuação pública e a vida privada de ocupantes de cargos públicos – em grande parte provocada e aproveitada por eles mesmos. É certo que o cargo público atrai garantias, prerrogativas e limitações com relação à liberdade de expressão. Esse enquadramento, assim como as garantias e limites, devem ser melhor delineadas pela legislação.</p>
<p>A nova legislação precisa ser capaz de traçar regras sobre permissões e vedações relativas à monetização de contas desses agentes em mídias sociais. Dinheiro público não pode servir de aporte que resultará em monetização privada de contas em plataformas, muito menos ser direcionado para impulsionar conteúdos privados que atentem contra direitos fundamentais, a democracia, a harmonia entre os poderes e a saúde pública.</p>
<p>Além disso, é preciso que regras possibilitem a responsabilização dos agentes causadores de danos associados à desinformação, sobretudo se o fazem empossados de cargos públicos.</p>
<p>É importante que a lei defina os agentes de estado e de governo e suas obrigações  em razão do cargo que ocupam. A delimitação destas regras deverá ser clara, assim como da consequente responsabilização dos agentes que abusem de seus poderes digitais ou que infrinjam determinações legais.</p>
<h3><strong>3) Brechas na proteção de dados</strong></h3>
<p>O texto atual, aprovado pelo Senado Federal, abre brechas para ferir a proteção oferecida pela criptografia à privacidade dos usuários. O registro massivo de metadados de mensagens em aplicativos de mensageria privada, criado para que seja possível rastrear correntes de desinformação, somado ao cadastro de usuários (art. 7º), criam um instrumento perigoso para a vigilância massiva e abusiva.</p>
<p>Ainda, imagina-se que os atores mal-intencionados responsáveis por provocar deliberadamente disparos e encaminhamentos em massa via aplicativos de mensagem, como ocorreu nas eleições de 2018, serão pouco afetados pela medida. Portanto, não aparenta ser razoável fragilizar a privacidade de toda a população em nome de uma solução que se mostra ineficaz.</p>
<p>Ao invés de se construir uma ferramenta eficaz para o combate à desinformação, teremos um dispositivo que, na verdade, debilita a privacidade da ponta mais fraca da cadeia, o usuário comum.</p>
<p>Essas propostas ferem direitos fundamentais, como o princípio da presunção de inocência ao tratar, de maneira a priori, qualquer usuário como um possível infrator, e o da proteção aos dados pessoais dos cidadãos, recentemente aprovado pelo Congresso Nacional por meio da <a href="https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/10/20/senado-aprova-pec-que-transforma-protecao-de-dados-pessoais-em-direito-fundamental.ghtml">PEC 17/2019</a>.</p>
<p>O último relatório apresentando por Orlando Silva avança nessa questão ao substituir a proposta de guarda de metadados <em>a priori</em> pela proposta baseada na legislação de interceptação telefônica. A opção é mais proporcional e garante direitos de maneira mais estruturada.</p>
<h3><strong>4) Tipo penal</strong></h3>
<p>Não é difícil compreender a origem da vontade política por trás da inserção de um tipo penal no projeto de lei das fake news. Inúmeros parlamentares, especialmente os que ocupam o espaço da oposição, já se viram no centro de furacões de notícias falsas que mancharam suas reputações e imputaram-lhes delitos nunca cometidos.</p>
<p>Neste cenário caótico e de ameaças constantes no ambiente virtual, é normal que o direito penal se apresente como uma solução rápida e fácil. No entanto, sabemos que ele não nasceu para isso. O direito penal existe para ser a última opção de intervenção estatal, aquela mais radical, que deve ser efetuada de maneira cirúrgica e minimalista. Em um debate tão recente e ainda não inteiramente desvendado como é o caso dos novos fenômenos da internet, optar pela solução penal logo de cara é equivocado. Ainda não foram tentadas outras saídas e estas deveriam ser priorizadas.</p>
<p>Ainda, sendo impossível a retirada do tipo penal por uma questão de vontade política da maioria, seria de extrema importância que o tipo recebesse redação a mais fechada possível, mirando condutas específicas. Mais importante ainda, que estas sejam as praticadas pelos profissionais da desinformação, pela indústria das notícias falsas, e não por usuários comuns que estão no meio da cadeia de desinformação e são, na verdade, vítimas do fenômeno. Em momentos de turbulência política e social, é preciso equilibrar a ânsia por soluções com direitos fundamentais e constitucionais.</p>
<p>Vale lembrar que esse <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/revogacao-da-lei-de-seguranca-nacional-momento-de-cautela-30042021">debate</a> já foi feito quando do projeto de lei que revogou a Lei de Segurança Nacional.</p>
<p>Para que se chegue a um desfecho promissor, a matéria precisa passar por um longo processo de amadurecimento. Não imaginamos que apenas um projeto de lei, feito às pressas, tenha a capacidade de resolver o fenômeno complexo da desinformação. Contudo, dado o debate amplo e multissetorial realizado no Grupo de Trabalho, entendemos que a incorporação dos pontos acima tornaria o texto do projeto mais eficaz. É preciso construir soluções inovadoras, que fortaleçam a intenção primeira deste debate: a proteção aos usuários da internet e à esfera pública. Feitos esses ajustes, o projeto de lei poderá contribuir para um ambiente digital brasileiro mais saudável.</p>
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fake news

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JOTA

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