Joaquim de Paiva Muniz

A comunidade jurídica assustou-se recentemente com a possibilidade de aprovação pela <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/camara-dos-deputados">Câmara dos Deputados</a> do <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2300144">PL 3293</a>, conhecido como PL antiarbitragem, diante do risco do instituto se inviabilizar com as mudanças legislativas propostas. Embora venha sofrendo algumas críticas, a arbitragem tornou-se o melhor mecanismo para resolver litígios empresariais no Brasil, por sua celeridade e da maior especialidade dos julgadores sobre certos negócios específicos, do que resulta uma maior qualidade nas decisões e maior segurança jurídica. Assim, o instituto precisa ser prestigiado, em vez de enfraquecido, podendo se implementar ajustes para seu aperfeiçoamento sem alterações legais. Trago aqui algumas reflexões a respeito do PL.
Em primeiro lugar, pretende-se limitar a dez a quantidade de arbitragens na qual cada árbitro poderá atuar ao mesmo tempo. A justificativa seria a de que alguns árbitros são muito ocupados e não estão sendo tão eficientes como deveriam. Embora se possa reconhecer que isso ocorra esporadicamente, o remédio proposto pelo projeto não faz sentido. 
Explico com uma analogia. Imaginem uma padaria premium, que fazia pães melhores do que as padarias normais. Com o tempo, a padaria premium fica sobrecarregada, caindo um pouco de qualidade. Mesmo assim, os consumidores a preferem do que as padarias normais. Imaginem, ainda, que o Congresso editasse uma lei limitando a quantidade de pães que o consumidor poderia comprar da padaria premium. Isso teria lógica? Não! A qualidade não se elevaria, mas pioraria, pois muitos consumidores ficariam privados dos melhores pães. Além disso, a ciência econômica ensina que, com o passar do tempo, surgirão outras padarias premium, equilibrando o mercado.
Na maioria das vezes, cada lado escolhe um árbitro. Se as partes exercem esse direito de forma a nomear árbitros ocupados, é porque ainda assim os reputam os mais competentes. Progressivamente, outros profissionais surgirão e tornarão o rol de árbitros mais diverso. 
Além disso, essa limitação a dez arbitragens mostra-se aleatória. Por que um advogado que cuida de 10 mil processos judiciais, mas nenhuma arbitragem, seria mais disponível do que um árbitro em tempo integral com 11 procedimentos arbitrais? De mais a mais, lembrando o ditado, “muitas vezes, para garantir que algo seja bem-feito, chame alguém ocupado”. A eficiência decorre mais de características de personalidade do que de quantidade de trabalho.
Há quem entenda que o limite vá contra o princípio da livre iniciativa. Se a moda pega, daqui a pouco poderão, por exemplo, passar leis limitando o número de pacientes com câncer de que um oncologista pode cuidar ao mesmo tempo, obrigando o doente, contra a sua vontade, a se atendido por um médico qualquer que esteja desocupado.
Qual seria o resultado da mudança legislativa? Os árbitros afamados ficariam com dez arbitragens grandes e as partes teriam que recorrer a profissionais menos renomados, talvez sem experiência, com queda da qualidade. Pior, certas áreas mostram-se muito específicas e poucas pessoas as dominam. Se surgirem arbitragens de menor expressão relativas a essas áreas, as partes estariam condenadas a nomear julgadores inadequados, só porque o legislador encasquetou com o limite “mágico” de dez arbitragens.
Não se pode negar que um árbitro demasiadamente ocupado pode atrapalhar o andamento da arbitragem. Mas as instituições podem mitigar esse risco: 
<ul>
<li>1) permitindo impugnações por falta de disponibilidade do árbitro, se realmente tiver atuando em uma quantidade excessiva de arbitragens concomitantemente e, sublinhe-se, uma das partes tempestivamente reclamar. Se todas as partes estiverem satisfeitas com o árbitro atarefado, não pode ser o legislador mais monarquista do que o rei, considerando que a vontade das partes é um pilar do procedimento arbitral;</li>
<li>2) e incentivando a nomeação de novos profissionais, para oxigenar as opções.</li>
</ul>
Em segundo lugar, o PL 3293 proíbe que duas arbitragens distintas tenham o mesmo tribunal, ou seja, os mesmos árbitros. O suposto motivo seria evitar o “Country Club”. Usualmente, as partes nomeiam dois árbitros, que escolhem um terceiro. Alguns reclamam que o terceiro quase sempre é alguém do “Country Club”.
Mais uma solução equivocada. Se aprovada, só uma arbitragem de direito civil poderia ter os três maiores civilistas brasileiros, só uma arbitragem com a administração pública poderia ter os três maiores administrativistas brasileiros etc.
Dá-se preferência à diversidade, em prejuízo da qualidade, o que não acabaria bem. Até porque, com centenas de arbitragens atualmente em curso, um cálculo de análise combinatória apontaria a necessidade de uma quantidade extraordinária de novos árbitros sem experiência.
Há melhores opções para ampliar a diversidade. Por exemplo, a cláusula arbitral, as regras da instituição arbitral ou até mesmo os árbitros por iniciativa própria poderiam fazer lista de dez nomes, alguns deles sugeridos pelas partes, para que os lados vetem alguns e ponham os demais em ordem de preferência, sendo escolhido aquele mais popular. As instituições arbitrais poderiam ter recomendações para que essas listas sigam certos padrões de diversidade e contenham o mínimo de “figurinhas repetidas”. Trata-se de iniciativa simples e muito menos traumática do que vedar os mesmos árbitros em mais de um painel.
Em terceiro lugar, o PL estabelece como critério de revelação pelo árbitro a existência de “dúvida mínima” sobre fato que possa afetar sua independência e imparcialidade, em lugar do critério de dúvida razoável. De cara, verifica-se que o novo standard não é razoável. O que é “dúvida mínima” para o árbitro revelar? Trata-se de conceito aberto e deveras subjetivo. A capacidade de um advogado que perdeu um caso de classificar questão irrelevante como “dúvida mínima” é quase infinita. Está se construindo uma máquina de ações anulatórias. 
Vamos falar a verdade: muitos advogados estão incomodados pelo fato de a arbitragem ser instância única, na qual “deve-se matar a fera com um só tiro”, e pretendem arrumar uma válvula de escape para anulação.
Decerto, ocasionalmente, alguns árbitros deixam de revelar fatos relevantes, que poderiam ter implicado na sua remoção. Mas o critério atual já torna nula a sentença nessa hipótese de não revelação. O sistema pode ser aperfeiçoado com a adoção pelas instituições de formulários mais completos aos árbitros sobre sua independência e imparcialidade. Ademais, o próprio patrono das partes deve ser diligente, fazendo perguntas adicionais aos árbitros sobre suas “dúvidas mínimas”, antes de sua confirmação.
Por fim, o projeto retira o segredo de justiça das ações anulatórias e obriga a publicação na internet da sentença arbitral. Procedimentos arbitrais frequentemente referem-se a temas interessantes ou assuntos relevantes, e a curiosidade é da natureza humana. Por conseguinte, pode parecer positiva a publicação da sentenças arbitrais, mas não é. Existe a necessidade de um meio de resolução de conflitos que não seja público.
Para início de conversa, nem toda a arbitragem é confidencial. Só o será se as partes assim convencionarem. E se o fizeram, presume-se haver motivo razoável. Além disso, as arbitragens com a administração pública não podem ser confidenciais. Portanto, não é verdade que toda a arbitragem é uma “caixa preta”.
Pode haver justificativa para confidencialidade. Cite-se, por exemplo, arbitragens relativas a fusões e aquisições, nas quais se discute temas sensíveis, como existência ou não de potenciais passivos fiscais ou ambientais. Várias dessas arbitragens não existiriam, se o processo fosse público e pudesse ser acessado por qualquer pessoa. Mas o conflito continuaria a existir, sem solução institucional adequada.
Qual o problema da confidencialidade? Em diversas áreas, como M&amp;A, construção, regulação de energia elétrica, dentre outras, o direito está sendo construído pelos árbitros, pois quase todas as divergências se decidem por arbitragem. Porém, os operadores de direito não têm acesso aos julgados dos casos de terceiros, o que limita o amplo conhecimento do público em geral. Isso se solucionaria com publicação das sentenças de forma anonimizada e com supressão de boa parte dos fatos, focando nas questões de direito. Dessa forma, respeita-se tanto a intimidade das partes, quanto o legítimo interesse dos jurisdicionados.
Aliás, diversas instituições arbitrais têm preparado compêndios de sentenças anonimizadas, bem como publicado os nomes dos integrantes de seus tribunais arbitrais. Vale dizer, de certa forma a preocupação do PL já está sendo tratada.
Em suma, parafraseando Churchill, a arbitragem pode ter suas questões, mas não há sistema melhor do que ele. O PL antiarbitragem prevê medidas que piorariam sobremaneira o procedimento arbitral, ao limitar a liberdade das partes para escolher árbitros e ampliar as hipóteses de anulação, além de desconsiderar o legítimo interesse das partes à intimidade ao discutirem determinados assuntos. Se hoje o Brasil é um dos países mais avançados do mundo em termos de arbitragem, retrocederemos substancialmente, o que será péssimo para áreas econômicas como M&amp;A, construção e investimento estrangeiro, que precisam de foro rápido e especializado. Provavelmente, a saída para os usuários da arbitragem será o aeroporto, ou seja, colocar sede no exterior. 
Por fim, registro o que mais me incomoda no PL: a sua mentalidade implícita de que todo problema deve ser resolvido com uma regra estatal inflexível e aleatória, como se os brasileiros não tivessem capacidade intelectual de encontrar eles mesmos as melhores soluções para seus problemas.

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JOTA

Projeto traz implícita a mentalidade de que todo problema deve ser resolvido com regra estatal inflexível e aleatória

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Arbitragem: o que mais me incomoda no PL é a mentalidade de que todo problema deve ser resolvido com uma regra estatal inflexível e aleatória