Pedro Beretta

Gustavo Gomes

A Lei que trata da prática de Crimes Contra a Economia Popular é datada do ano de 1951. De lá para cá, sua aplicabilidade foi significativamente reduzida, consideradas as normais alterações sociais e evoluções tecnológicas ao longo do tempo.
Em virtude de tais mudanças, por óbvio, novas e diferentes modalidades criminosas nos chamados “crimes de colarinho branco” foram criadas, o que fez propagar esse tipo de conduta por meio das tecnologias atuais, com prejuízos financeiros cada vez maiores aos cofres públicos e à iniciativa privada.
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Por conta disso deve o Estado adequar sua legislação para, ao mesmo tempo, prevenir e reprimir esse tipo de conduta criminosa de forma efetiva. Entretanto, é dever do Legislador se atentar para que não sirva o Direito Penal como uma primeira forma de resolução de conflitos, fugindo de sua finalidade precípua.
Nesse sentido é o crime de “pirâmide”, que hoje ainda é tipificado pela já citada Lei 1521/51, em seu artigo 2º, IX<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Sua prática consiste em um esquema fraudulento que tem como objetivo o recrutamento de pessoas para ganhos, na teoria lícitos, rápidos e de altos valores, a partir da indicação de novos membros, formando-se uma espécie de cadeia, ausente qualquer garantia de retorno, o que facilita a realização de fraudes.
Considerado uma conduta de menor potencial ofensivo – com penas de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, de apenas detenção e multa –, sua repressão, hoje, é ultrapassada. Nem mesmo os paradigmáticos casos Madoof <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, nos Estados Unidos, e JJ Invest<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, no Brasil, foram capazes de fazer com que o Estado brasileiro melhor se debruçasse sobre esse tipo de delito e suas consequências.
Diante desse cenário e, com o objetivo de “endurecer” as penas do crime em questão a fim de que sua investigação e processamento pudessem ser efetivamente melhores, o Congresso Nacional decidiu se movimentar. Dois projetos de lei – um do Senado Federal e um da Câmara dos Deputados – buscam promover mudanças significativas no enfrentamento desse tipo de conduta.
O primeiro, o Projeto de Lei nº 4233/2019, que tramita no Senado Federal, é de autoria do senador Flávio Arns (Podemos). Este propõe a inserção de uma nova modalidade de estelionato no Código Penal, com especial causa de aumento de pena a depender do valor obtido com a fraude, revogando-se a lei atual.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
O segundo, por sua vez, o Projeto de Lei nº 744/2021, de autoria do deputado federal Celso Russomano (Republicanos), apresentado recentemente (em março deste ano), se propõe alterar, concomitantemente, a Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> e a Lei dos Crimes Financeiros<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. Como justificativa, afirmou o parlamentar que a atual tipificação é muito anterior “a massificação da rede mundial de computadores” bem como pelo tipo penal se mostrar “brando frente a potencialidade lesiva da conduta praticada mediante o uso da internet”.
Em que pese as elogiáveis iniciativas e proposituras, dotam os PLs, desde o seu nascedouro, de um eminente contrassenso em sua elaboração. Vejamos.
<blockquote class="jota-article__eye">A intenção das citadas alterações legislativas, pelo que se extrai da exposição de motivos apresentada de ambos os projetos, é reprimir com maior ênfase o crime, atualizando-se sua previsão legal de modo a abarcar o atual meio social e tecnológico em que vivemos.</blockquote>
Desse modo, por certo, esperava-se penas mais altas, menos benefícios processuais e possibilidade de prisão cautelar e outras medidas cautelares restritivas, a fim de desestimular a sua prática, certo? Errado!
Isso porque, ora, ainda que exista a previsão de um significativo aumento das penas ao possível novo crime de “pirâmide financeira”, grande parte das novas previsões legislativas podem ser abarcadas pelo chamado Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal.<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>
Incluído por meio do chamado “Pacote Anti Crime”<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>, pra aplicação de tal instituto exige-se, dentre outras coisas, (i) a confissão formal e circunstancial do crime pelo acusado em crimes sem violência ou grave ameaça, (ii) reparação do dano financeiro causado e/ou sua restituição, (iii) renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime e por consequência a (iv) a impossibilidade de processamento do agente, ausente qualquer possibilidade de prisão em caso de homologação e fiel cumprimento do acordo firmado, repita-se, em delitos cuja pena mínima seja inferior a 04 (quatro) anos de reclusão.
Por essa ótica, portanto, parece-nos que a real intenção do Legislador não é de prevenir e reprimir o delito em questão, tampouco se debruçar sobre o aumento desse tipo de conduta. Mas, sim, de apenas se utilizar da gravidade e seriedade da matéria criminal como um mero instrumento arrecadatório, a fim de que sejam realizados acordos financeiros reparadores, seja às vítimas seja ao Estado, em total dissonância com a ultima ratio em Direito Penal.
Ou seja, na prática, infelizmente, dar-se à a entender que será mais benéfico ao Estado “pressionar” o agente causador do dano a celebrar o ANPP - com o único e exclusivo fim de ressarcimento do valor obtido com a fraude perpetrada -, sem qualquer preocupação com a sua real finalidade: a proteção da ordem econômica e suas atividades, como seu bem jurídico tutelado.
Portanto, se a intenção de ambos os PLs é aumentar o combate ao crime previsto no artigo 2º, IX, da Lei 1521/51, com o máximo respeito devem ser eles revisitados e, se necessário, adaptados as suas reais intenções (ou até mesmo retirados de pauta), sob pena de se tornarem mais um dos inúmeros tipos penais absolutamente desnecessários à repressão criminal.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Art. 2º. São crimes desta natureza:
 IX - obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos ("bola de neve", "cadeias", "pichardismo" e quaisquer outros equivalentes);
 Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de dois mil a cinqüenta mil cruzeiros.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-politica/noticia/2021/04/15/esquema-de-piramide-de-bernard-madoff-atingiu-muitos-brasileiros-endinheirados.ghtml
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> https://veja.abril.com.br/brasil/a-queda-de-uma-piramide-financeira-que-deixou-um-rombo-de-r-170-milhoes/
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Art. 171-A. Obter ou tentar obter ganho em detrimento de número indeterminado ou determinável de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos e indicação ou afirmação enganosa sobre a existência, a natureza, a qualidade, o retorno ou o risco de produto ou serviço: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa. Parágrafo único. A pena do crime será de: I – reclusão, de dois a seis anos, se a vantagem ou prejuízo total for igual ou superior a cem salários mínimos vigentes ao tempo do fato; II – reclusão, de quatro a oito anos, se a vantagem ou prejuízo total for igual ou superior a mil salários mínimos vigentes ao tempo do fato; III – reclusão, de seis a doze anos, se a vantagem ou prejuízo total for igual ou superior a dez mil salários mínimos vigentes ao tempo do fato.”
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Lei nº 8137/90:
4° (...)
VIII – obter ou tentar obter ganho mediante plano ou operação de venda em detrimento de número indeterminado ou determinável de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos e indicação ou afirmação enganosa sobre a existência, a natureza, a qualidade, o retorno ou o risco de produto ou serviço:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.”
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Lei nº 7492/86:
“Art. 24-A. Estabelecer, operar, promover ou fazer com que seja promovido plano ou operação de venda, com repercussão interestadual ou mediante o uso da rede mundial de computadores, objetivando a obtenção de ganho em detrimento de número indeterminado ou determinável de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos e indicação ou afirmação enganosa sobre a existência, a natureza, a qualidade, o retorno ou o risco de produto ou serviço:
Pena - reclusão, de quatro a oito anos, e multa.”
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Com exceção ao inciso III, do artigo 171-A proposto na PL 4233/2019, qual prevê penas de 06 a 12 ano de reclusão e, portanto, não seria cabível o ANPP, o inciso II do mesmo PL citado, bem como o artigo 24-A, da PL 744/21, também devem enquadrar-se na possibilidade de aceitação do acordo, ainda que prevejam pena mínima igual a 04 anos de reclusão, uma vez interpretação da leitura do artigo 28-A, do Código de Processo Penal em benefício ao acusado.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente

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JOTA

É de 1951 a lei que trata da prática de Crimes Contra a Economia Popular

PL 744/2021: finalidade penal ou mero instrumento arrecadatório?

Deve o Estado adequar sua legislação para, ao mesmo tempo, prevenir e reprimir esse tipo de conduta criminosa de forma efetiva