Lucas Aluísio S. Pedroso

Recentemente, a Câmara dos Deputados <a href="https://congressoemfoco.uol.com.br/projeto-bula/live/camara-votara-prorrogacao-de-contratos-no-ministerio-da-agricultura/">aprovou</a> o <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2307548">PL 4059/2021</a>, que altera regras relativas às contratações de publicidade. Embora criticado na imprensa por mexer nos limites de gastos com propaganda em época eleitoral, o Projeto de Lei ainda suscita outro alerta.
O texto, que ainda passará pelo Senado, também tem como intuito submeter as agências de comunicação digital e de comunicação corporativa (relações públicas e relações com a imprensa) ao mesmo procedimento de licitação que as agências de propaganda. Não, “agência não é tudo igual”.
A situação não é nova, e desde o acórdão 6.227/2016, da 2ª Câmara do Tribunal de Contas da União (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">TCU</a>), existe a recomendação para a Secom (Secretaria de Comunicação) seguir as boas práticas da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12232.htm">Lei 12.232/2010</a> nas demais contratações.
Ocorre que tal lei foi pensada com base num modelo específico de agência de publicidade, a full service. É a agência que presta todos os serviços, desde a concepção da ideia até sua distribuição junto a veículos de comunicação, passando pela produção – neste caso, ainda que contratada junto a produtoras, é a agência que intermedia tais serviços.
O modelo consta do caput do art. 2º da Lei 12.232/2010 e pode ser rastreado até o art. 3º da quase sexagenária Lei 4.680/1965, quando a forma de fazer publicidade e se comunicar era bem outra.
Esse é o modelo que, aliado a outros fatores, permitiu que a publicidade brasileira alcançasse tantos louros mundo afora, abrigando campanhas e profissionais memoráveis.
No entanto, esse não é o único modelo. Mundo afora, houve uma progressiva separação entre criação e mídia, com uma empresa responsável por cuidar da criação e concepção da campanha, cabendo a outra empresa cuidar da sua distribuição junto aos veículos de comunicação (TV, rádio, jornal etc.). Além disso, novas tecnologias e tipos de comunicação indicam a emergência de ainda novos tipos de empresas, especializadas na comunicação digital, por exemplo.
No mais, privilegiando a especialização – e como uma das respostas ao escândalo do mensalão – a legislação separou atividades como relações públicas, assessorias de imprensa etc. (art. 2º, §2º).
É preciso cuidado, assim, para que, mesmo presentes na mesma lei, os diferentes tipos de agências não sejam interpretados como semelhantes.
As agências de comunicação digital e corporativa não deverão ser submetidas ao art. 4º da Lei 12.232/2010 e à necessidade de certificação pelo CENP (Conselho Executivo das Normas-Padrão), entidade de autorregulação do setor. Esta se presta apenas às agências de publicidade full service e preveem um modelo específico de estrutura e remuneração.
Tampouco significa que a forma de remuneração deva ser a mesma. Trata-se de modelos de negócios distintos e que exploram atividades e setores diversos. Anunciar na mídia tradicional (imprensa, rádio, TV) não é a mesma coisa que se comunicar no meio digital.
O alerta se dá porque parte do setor publicitário <a href="https://www.janela.com.br/2021/01/06/secom-vai-aumentar-a-remuneracao-por-acoes-em-midia-digital/">insiste</a> num modelo único, ignorando que o mundo e a forma de se comunicar mudaram muito desde os anos 1960.
Além disso, enquanto nos Estados Unidos o Departamento de Justiça, ainda nos anos 1950, firmou um <a href="https://www.aaaa.org/index.php?checkfileaccess=/wp-content/uploads/2020/01/4As-QA-settlement-anti-trust-action-consent-decree-1992.pdf">acordo</a> com a Associação Americana de Agências de Anúncios (4As), para esta não tentar limitar os tipos de agências e as formas de remuneração publicitária, no Brasil a autorregulação setorial virou lei, prevista no art. 4º da Lei 12.232/2010.
O Estado pode limitar, e constantemente limita, a concorrência para tutelar determinados valores e direitos fundamentais<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a>. No entanto, em caso paradigmático<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a>, o Cade já reconheceu que o modelo de publicidade brasileiro deveria ser objeto de advocacia de concorrência, merecendo maiores discussões e acompanhamento – o que não é fácil considerando suas especificidades.
Por último, considerando a tradição de parte do direito administrativo brasileiro de adotar modelos, regimes únicos, para casos tão díspares (“one size fits all”)<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>, é preciso que o PL 4059/2021 e os aplicadores do direito saibam distinguir as diferenças.
Por tudo isso, o PL 4059/2021 lembra mais a apropriação do Estado por certos grupos, e associações setoriais, do que uma restrição da concorrência em nome da eficiência ou da melhor prestação do serviço – sendo difícil encontrar alguém que seja apaixonado pelos vultuosos gastos de publicidade das diversas esferas de governo.
Em nome da consensualidade nas contratações administrativas, é imperioso rejeitar o PL e ainda revogar o caput do art. 2º e o art. 4º da Lei 12.232/2010, deixando que o gestor decida, em cada caso, como deve ser a contratação de serviços de publicidade, se por meio de uma agência full service, se por meio de uma agência de comunicação digital, pela separação entre agências de criação e de mídia ou por qualquer outro modelo de negócios que se revelar viável. Ou que se inicie o bom debate!
<hr />
<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1]</a> Como explica JORDÃO, Eduardo Ferreira. A advocacia da concorrência como estratégia para redução do impacto anticompetitivo da regulação estatal. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 7, n. 24, p. 127-153, jan./mar. 2009.
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[2]</a> Processo Administrativo CADE nº 08012.008602/2005-09.
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[3]</a> Criticada por MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Do contrato Administrativo à Administração Contratual, in Revista do Advogado, volume 107, São Paulo, AASP, dezembro de 2009, páginas 74 a 82. E também por: CÂMARA, Jacintho; SUNDFELD, Carlos Ari. Uma crítica à tendência de uniformizar com princípios o regime dos contratos públicos. Revista de Direito Público da Eocnomia – RDPE, Belo Horizonte, ano 11, n. 41, jan./mar. 2013, pp. 59 e 70.

Plenário da Câmara dos Deputados

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

É preciso cuidado para que o PL, se aprovado, não engesse ainda mais a contratação da comunicação pública

PL 4059/2021: Agência de publicidade não é tudo igual

É preciso cuidado para que o PL 4059/2021, se aprovado, não engesse ainda mais a forma de contratação da comunicação pública