Patrícia Montagner

No início de junho, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou parecer favorável ao <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/947642">PL 399/2015</a>, que autoriza o cultivo da cannabis sativa para fins medicinais, veterinários, científicos e industriais. A tramitação do assunto, no entanto, foi suspensa por um recurso que agora precisa ser julgado em plenário.
É urgente destravar o andamento desse processo, de enorme interesse público. E, para isso, é indispensável acabar com o desconhecimento e diversos mal-entendidos relacionados à cannabis medicinal, além de combater com mais ênfase o estigma e as manipulações deliberadas que contaminam o debate sobre o assunto. Desconstruir, por exemplo, argumentos que relacionam a busca pelo acesso à saúde com uma suposta “legalização das drogas”.
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Ignorância e preconceito estão impedindo o alívio do sofrimento de milhares de pacientes portadores de doenças refratárias e incapacitantes e prejudicando também inúmeras oportunidades de geração de emprego e renda, e o relevante potencial de arrecadação de impostos pelo governo.
A cannabis medicinal demonstra ser segura e útil no tratamento de diversas patologias, como epilepsia, Parkinson, Alzheimer, esclerose múltipla, quadros de dor crônica, como fibromialgia, transtornos de ansiedade e múltiplos sintomas associados ao câncer, para ficar apenas nas mais conhecidas. Em muitos casos, é adjuvante para outros medicamentos alcançarem melhores resultados e, não raras vezes, é a única opção farmacológica que oferece algum efeito positivo ao paciente. Isso é fato comprovado, não é opinião.
Há décadas, publicações científicas respeitadas divulgam os benefícios de derivados canabinoides em tratamentos médicos. A Justiça no Brasil e a Anvisa, por exemplo, concordam com isso em sucessivas decisões, autorizando a importação e obrigando o fornecimento dos medicamentos à base da planta.
Por cinco anos, me aprofundei em estudos referentes à cannabis medicinal e ao acompanhar sua utilização em mais de mil pacientes, portadores de doenças graves e incapacitantes, presenciei resultados surpreendentemente satisfatórios, quando todas as demais alternativas haviam se esgotado.
É desumano impedir que esses benefícios cheguem ao sistema de saúde e beneficiem um número maior de pessoas, como parte considerável dos 60 milhões de brasileiros que sofrem com dor crônica. Hoje, infelizmente, pela ausência de um ecossistema próprio, poucos são capazes de solicitar a importação desses medicamentos e pagar por tratamentos que podem custar mais do que o salário da maioria dos cidadãos brasileiros.
As terapias serão acessíveis – inclusive com a incorporação ao SUS e ao rol da ANS – somente quando a questão regulatória for pacificada, e a tramitação do PL 399/2015 é fundamental para isso. É preciso avançar bastante nesse sentido, e mais rápido. E o principal obstáculo é a falta de informação ou abordagens equivocadas com argumentos distantes de ciência e racionalidade.
<blockquote class="jota-article__eye">Os extremismos, por exemplo, de grupos que entendem a cannabis como uma planta milagrosa ou totalmente venenosa turvam o cenário real. Insistir em relacionar uso medicinal com o uso recreativo e possíveis implicações na segurança pública é uma simplificação grosseira. E misturar ideologias com essa questão é ignorância ou má-fé.</blockquote>
É necessário garantir a qualidade técnica do debate, e os médicos devem estar à frente desse cenário, cumprindo a obrigação de proteger os interesses dos pacientes e da ciência. A medicina – profissionais e instituições de ensino – precisam se engajar mais na questão. Promover o conhecimento entre a classe e partilhar com a sociedade. Orientar as discussões no Legislativo e combater o que não é de interesse público. E estimular a criação de uma indústria nacional, com leis claras que permitam um mercado interno com cultivo, pesquisa, produção, controle de qualidade e comercialização. Assim teremos acesso a produtos mais seguros, mais qualificados e economicamente viáveis.
Neste momento, por conta do ambiente confuso e pouco saudável, milhares de pacientes que poderiam se beneficiar da cannabis medicinal permanecem desassistidos. Não podemos, principalmente nós, médicos, continuar assistindo a isso passivamente.

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JOTA

Insistir em relacionar uso medicinal com o uso recreativo e possíveis implicações na segurança pública é uma simplificação grosseira

PL 399/15, que permite cultivo da cannabis medicinal, exige argumentos técnicos

Insistir em relacionar uso medicinal da cannabis com uso recreativo e possíveis implicações na segurança pública é simplificação grosseira