Douglas Estevam

Tramita no Senado Federal o PL 3278, de 2021<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, para atualizar o marco legal da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Na proposição, o ministro Antonio Anastasia — à época senador — justifica sua reforma em razão da precariedade dos serviços de transporte público no Brasil, cujos efeitos perversos assolam nossos centros urbanos.
Dentre os acréscimos que o segundo artigo do texto propõe à Lei 12.587, de 2012, importa salientar dois dispositivos cuja redação é muito parecida, embora sua distinção seja essencial para entender o tratamento, conferido pela Constituição, à conurbação das cidades.
Destarte, o projeto de lei pretende acrescer, às atribuições da União (art. 16, da Lei 12.587, de 2012), um inciso nono, assim disposto: “liderar a implantação de estrutura de governança interfederativa na área de mobilidade urbana nas regiões integradas de desenvolvimento econômico”.
Por outro lado, quanto às atribuições dos Estados (art. 17, da Lei 12.587, de 2012), seria acrescido um oitavo inciso: “liderar a implantação de estrutura de governança interfederativa na área de mobilidade urbana em regiões metropolitanas e aglomerados urbanos”.
Uma rápida leitura, portanto, desses homólogos dispositivos, poderia levar a crer que as regiões metropolitanas (RMs) e as regiões integradas de desenvolvimento econômico (RIDEs) seriam instituições similares, afinal de contas, ambas as regiões têm o mesmo propósito: integrar Municípios.
Já mesmo na década de 1970, o professor Dallari afirmava que essas figuras estavam “afetando a própria estrutura do federalismo brasileiro”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, em face das novas condições político-administrativas e socioeconômicas do país, embora sua diferença também fosse clara para a doutrina jurídica, pois que as RIDEs sempre tiveram a precípua finalidade de corrigir:
insuficiências de áreas críticas, nelas injetando abundantes recursos captados na poupança privada ou pela transferência de dotações do orçamento da União, para acelerar o crescimento econômico de largas faixas territoriais de diversos Estados brasileiros. A região metropolitana nasceu de inspiração diversa. Não decorre das carências do subdesenvolvimento, mas, ao contrário, pode-se dizer que é fruto do desenvolvimento, da industrialização e da explosão demográfica.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
Isto é, as RIDEs exercem administração econômica federal de coordenação e planejamento, conforme os art.s 21, IX; 43; e 48, IV, da Constituição. Elas são autorizadas mediante lei complementar pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/congresso-nacional">Congresso Nacional</a> e instituídas por meio de decreto do Presidente da República, que organiza sua estrutura e atribui as respectivas competências.
Seu exemplo mais ilustrativo, e.g., é a Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE-DF), autorizada pela Lei Complementar 94, de 1998, e instituída pelo Decreto n.º 2.710, de 1998 (então revogado pelo Decreto n.º 7.469, de 2011).
Criada para articular as ações administrativas da União no Distrito Federal e em mais trinta e três municípios dos estados de Minas Gerais e Goiás, a RIDE-DF possui um conselho administrativo vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Regional, que coordena os serviços públicos comuns, dentre os quais transportes e sistema viário. Trata-se de uma região administrativa inteiramente voltada a investimentos federais.
Por outro lado, as regiões metropolitanas receberam tratamento diverso na Constituição Federal, cujo fundamento se encontra §3.º do art. 25. Em sua governança interfederativa, não há ninguém que possua prevalência sobre a condução de suas políticas públicas pois, nos termos da ADI 1.842/RJ, seria inconstitucional que o poder decisório se concentrasse nas mãos de um único ente federativo.
As regiões metropolitanas — ao lado das aglomerações urbanas e das microrregiões — são instituídas mediante lei complementar estadual e vinculam os Municípios compulsoriamente a suas decisões (ADI 1.841/RJ e ADI 796/ES). Os entes municipais, portanto, são obrigados a exercerem as competências conciliares<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> em cogestão com o Estado, em um órgão colegiado deliberativo, de modo integrado, para planejar, organizar e executar as funções públicas de interesse comum (ADI 1.842/RJ).
As unidades territoriais urbanas — termo do utilizado pelo Estatuto da Metrópole —, que surgem da intensa conurbação de nossas grandes cidades, incluem “funções públicas e serviços que atendam a mais de um município, assim como os que, restritos ao território de um deles, sejam de algum modo dependentes, concorrentes, confluentes ou integrados de funções públicas”, nos termos do acórdão do Supremo Tribunal Federal na ADI 1.842/RJ.
Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, por exemplo, é atribuição do órgão colegiado deliberativo “aprovar implantação ou mudança de traçado de linhas de grande capacidade inclusive as linhas de transporte rápido por ônibus (BRT), que interfiram ou atendam a Região Metropolitana”, conforme art. 11, inciso X, alínea “g”, da Lei Complementar n.º 184, de 2018.
Isto é, mesmo que o BRT circule apenas no Município do Rio de Janeiro, sua influência regional justifica a avocação daquela atribuição pela região metropolitana. Nesse sentido, a coordenação do interesse comum “é muito mais que a soma de cada interesse local envolvido, pois a má condução [...] por apenas um município pode colocar em risco todo o esforço do conjunto”, nos termos do acórdão da ADI 1.842/RJ.
Portanto, a região metropolitana é um procedimento de integração interfederativa muito mais coeso e sinérgico do que a RIDE (além de contar com mecanismos jurídicos muito mais eficazes para implantação de suas políticas públicas), não havendo, pois, nenhuma identidade entre elas<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Desse modo, sequer existe comparação entre a governança interfederativa dessas duas instituições, visto que a administração das RIDEs é essencialmente federal, enquanto as unidades territoriais urbanas se autogovernam pelo compartilhamento da gestão entre seus integrantes.
Por essa razão, o PL 3278, de 2021, acrescenta um terceiro parágrafo ao art. 17, da Lei 12.587, de 2012, determinando que a governança interfederativa das unidades territoriais urbanas obedeça aos princípios do Estatuto da Metrópole — ora inaplicável às RIDEs.
De um modo ou de outro, nosso federalismo de integração oferece diversos instrumentos de concerto de interesses intergovernamentais, devendo cada um deles ser distinto, para sua adequada aplicação no ordenamento jurídico brasileiro.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n.º 3.278/2021. Atualiza o marco legal da Política Nacional de Mobilidade Urbana; altera a Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012; a Lei n°10.636, de 30 de dezembro de 2002; e a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em: &lt;https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/149920&gt;. Acesso em 6 jul. 2022.
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A governança interfederativa de serviços públicos na Política Nacional de Mobilidade Urbana

PL 3278/2021 e as funções públicas de interesse comum

A governança interfederativa de serviços públicos na Política Nacional de Mobilidade Urbana e o PL 3278/2021