Nórton Luís Benites

A “responsabilidade tributária das pessoas jurídicas” cuida-se de tema complexo, rico, de muitas nuances, e que vem se mantendo no centro das discussões tributárias brasileiras ao longo do tempo. Sempre esteve, e continua estando, na pauta das discussões dos Tributaristas. O exame da responsabilidade tributária geralmente envolve discussões sobre o direito de propriedade, a sua função social, a liberdade econômica e o custeio do estado social e democrático de direito, dentre outros assuntos relevantes de matizes constitucionais. Um de seus aspectos mais enfrentados nos últimos tempos é o da possibilidade de redirecionamento da execução fiscal, ajuizada inicialmente contra a pessoa jurídica, em desfavor de seus sócios e administradores.
Por anos, discutiu-se a desconsideração da personalidade jurídica das empresas para que seus sócios e administradores fossem responsabilizados solidariamente pelos créditos tributários, o que tem disciplina nos arts. 134 e 135 do CTN, de 1966. Não se discutia a “existência” dessa possibilidade, prevista em norma com natureza de lei complementar, mas “como” ela devia se dar. A discussão foi aplacada com a edição da Súmula 435, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de 2010, mas, ainda hoje, muitos processos do cotidiano dos foros continuam a tratar de diversos aspectos desse assunto.<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Nesta oportunidade, todavia, foca-se outro tema da responsabilidade tributária das pessoas jurídicas, o qual vem ganhando relevância e atenção dos operadores do Direito Tributário brasileiro. Trata-se da questão da responsabilidade tributária do grupo econômico integrado pela pessoa jurídica originariamente devedora, ou, em menos palavras, da “responsabilidade tributária de grupos econômicos”. O cotidiano dos foros vem revelando casos nos quais a personalidade jurídica da empresa devedora original é desconsiderada ou ultrapassada para que a responsabilidade tributária seja estendida a outra empresa integrante de seu grupo econômico.
Os Fiscos municipais, estaduais e federal começaram a aplicar essa extensão de responsabilidade tributária. Os administradores e sócios das pessoas jurídicas sofreram o impacto dessa flexibilização dos contornos da responsabilidade limitada.
Seus advogados foram à Doutrina, à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) e à legislação tributária para construírem defesa a essa atuação fiscal. Levaram o tema às justiças comuns estaduais e federal. Tribunais de segunda instância o conheceram e passaram a construir um arcabouço jurídico a respeito de sua abordagem.
Em primeiro e segundo graus de jurisdição, muitas decisões vêm sendo proferidas no sentido de admitir-se essa possibilidade de responsabilização tributária. Faz alguns anos (desde 2005) que a questão chegou e vem sendo julgada pelo STJ, corte nacional que tem a missão de uniformizar a aplicação da norma infraconstitucional em nosso País. O STF vem decidindo que o exame do tema implicaria ofensa reflexa à Constituição de 1988, incidindo o óbice de sua Súmula 279. Assim, mostra-se relevante conhecer o atual entendimento do STJ, que é a Corte extraordinária brasileira que vem regendo os contornos da questão.
Em 2020, tivemos um livro publicado pela Editora Almedina que trata do tema: BENITES, Nórton Luís. <a href="https://www.almedina.com.br/autor/norton_luis_benites-8274" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Responsabilidade Tributária de Grupos Econômicos</a>. – São Paulo: Almedina Brasil, 2020. Nesse trabalho, que tem prefácio do Ministro Mauro Campbell Marques (STJ), examinamos os precedentes jurisprudenciais atuais e os entendimentos doutrinários tradicionais e propusemos uma abordagem pragmática a respeito da matéria.
Da pesquisa jurisprudencial realizada nesse trabalho, extraíram-se as seguintes definições já fixadas pelo STJ sobre o temário:
– A situação de empresas integrarem, de forma lícita, o mesmo grupo econômico não enseja a responsabilidade tributária solidária prevista no art. 124, I, do CTN (interesse comum).
– Verifica-se responsabilidade tributária de grupo econômico quando as empresas integrantes agem de forma ilícita com a intenção de praticar evasão de tributos. Esse quadro de ilicitude é representado pelos “vícios jurídicos” de “confusão patrimonial”, de “fraude”, de “abuso de direito” e de “má-fé”.
– Esses “vícios jurídicos”, de seu turno, são evidenciados na realidade por trinta “elementos fáticos” ou “pontos de contato” identificados na pesquisa. Por exemplo, citam-se cinco desses fatores: “continuidade da exploração da mesma atividade empresarial”; “pessoas jurídicas utilizadas apenas para blindagem patrimonial”; “sucessão de empresas no mesmo ramo de atividade”; “administração da empresa por procuração”; e “administração familiar das empresas envolvidas”.
– Esse quadro de ilicitude possibilitaria a utilização da “ferramenta jurídica” da “desconsideração da personalidade jurídica” para ir-se além da empresa devedora original, alcançando-se o patrimônio das demais empresas integrantes do grupo econômico.
– Esse quadro de ilicitude também evidenciaria o interesse comum do grupo econômico e de suas demais empresas integrantes no fato gerador do tributo evadido, caracterizando-se a responsabilidade tributária solidária do art. 124, I, do CTN.
A Doutrina de Direito Tributário posiciona-se, majoritariamente, de forma contrária à extensão da responsabilidade fiscal às demais empresas integrantes do grupo econômico da sociedade devedora original. Argumenta-se, em síntese, que o Direito Tributário está jungido ao princípio da legalidade, à tipicidade cerrada e à reserva de lei complementar, não havendo no CTN hipótese de responsabilização de grupo econômico.
Com relação ao posicionamento que vem sendo construído ao longo dos anos no STJ, tem-se reserva respeitosa e científica no que atine à utilização da “ferramenta jurídica” da “desconsideração da personalidade jurídica do art. 50 do Código Civil”. Quando aplica a responsabilidade tributária de grupos econômicos, o STJ, como relatado, perscruta a existência do “vício jurídico” da “confusão patrimonial”, que é uma das condições do também “vício jurídico” do “abuso de personalidade jurídica”, pressuposto maior e autorizador da utilização da “ferramenta jurídica” de sua “desconsideração”, tudo previsto no mencionado art. 50 do Código Civil. Todavia, entendemos que uma lei ordinária de fora do Direito Tributário não poderia ser utilizada para reger um tema de obrigação tributária, o qual é protegido pela reserva de lei complementar, prevista na CRFB/88, art. 146, III, “b”. Não se pode compreender o art. 50 do Código Civil como norma complementar dos preceitos tributários da CRFB/88. Não há compatibilidade com sua natureza. Igualmente não se pode interpretar o mesmo art. 50 do Código Civil como norma regulamentadora do CTN, recebido com natureza de lei complementar pela CRFB/88. Em resumo, o Código Civil não é norma tributária e nem a Constituição, nem o CTN preveem expressamente a responsabilidade tributária de grupos econômicos. Por outro lado, cremos que a utilização do grupo econômico de forma ilícita e com a intenção de prática de evasão tributária não pode ser admitida pelo Direito Brasileiro, exatamente na linha em que o STJ vem decidindo de forma admirável. Os direitos constitucionais de liberdade, de livre iniciativa e de propriedade e o próprio princípio da legalidade devem conviver harmonicamente com o princípio constitucional da solidariedade, que permeia a construção do nosso Estado Social e Democrático de Direito. O Estado Social gera políticas públicas, que exigem custeio. O Estado Social é pago pelo Estado Fiscal.
Frente a essa tensão de princípios constitucionais e de conceitos de Direitos Público e Privado, apresentamos uma abordagem científica e conciliadora, que preserva os primados de legalidade do Direito Tributário, mas que também reprime as situações nas quais agentes sonegadores utilizem indevidamente a figura do grupo econômico. Essa alternativa tem natureza pragmática, pois visa auxiliar os operadores jurídicos no seu cotidiano, de forma racional e colaborando com a construção de um ambiente de segurança jurídica no Direito Tributário brasileiro, que estimule a diminuição dos custos de transação no ambiente econômico.
O CTN sofreu alteração, em 2001, para receber uma regra que foi chamada de Norma Geral Antielisiva. Foi incluído um parágrafo único ao seu art. 116, o qual trata do fato gerador da obrigação tributária. Isso se deu por meio da Lei Complementar 104/2001. Essa nova regra brasileira foi inspirada na doutrina estadunidense do propósito negocial: The Business Purpose Doctrine. Essa linha teórica tem por finalidade rejeitar a aplicação de benefícios fiscais às transações realizadas simplesmente com o intuito de evitar tributação e sem nenhum propósito econômico ou negocial.
Mesmo antes da criação do parágrafo único do art. 116 do CTN, de inspiração norte-americana, a autoridade fiscal brasileira já podia desconsiderar negócio jurídico simulado (falso) para levar em conta o negócio jurídico dissimulado (verdadeiro), com fundamento legal no art. 149, VII, também do CTN. O parágrafo único do art. 116 não inovou. Ele pretendeu instrumentalizar o direito pátrio com uma ferramenta que já estava à disposição dos operadores jurídicos brasileiros.
A renomada Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) – também está preocupada com a substância econômica e o propósito negocial das transações internacionais e das políticas adotadas por seus associados em seus mercados internos. Em razão disso, criou o projeto “Erosão de base tributária e desvio de lucros”, ou, em Inglês, Base Erosion and Profit Shifting – BEPS. O G-20, com a participação do Brasil, é parceiro da OCDE no Projeto BEPS.
Sobre o tema da responsabilidade tributária de grupos econômicos, a questão da segurança jurídica é muito relevante. Os cidadãos e os operadores do Direito Tributário possuem o direito de receberem e de compreenderem os signos das relações jurídico-tributárias de uma forma racional, objetiva e compreensível, de modo a minorar e reduzir os custos de transação cotidianos de suas vidas.
<blockquote class="jota-article__eye">A segurança jurídica gera efeitos no desenvolvimento sócio-econômico da Sociedade, que precisa estar preocupada e organizada com o seu custeio. Na vida e no mercado, tudo depende de custos de transação.</blockquote>
Como as organizações e firmas se organizam, onde se instalam, como os arranjos contratuais são elaborados, quem são os fornecedores, como se dá a relação capital-trabalho ou se um investimento vai ser levado a cabo ou não. A tributação certamente é um custo de transação, que é levado em conta pelos empreendedores no momento do investimento.
Diante desse panorama, elaborou-se uma abordagem pragmática da responsabilidade tributária de grupos econômicos, nos seguintes termos:
– A sujeição passiva tributária e a responsabilidade tributária estão disciplinadas no Título II (“OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA”), Capítulos IV e V, do CTN, arts. 121 a 138. A revisão do lançamento tributário por dolo, fraude ou simulação está prevista no Título III (“CRÉDITO TRIBUTÁRIO”) do CTN, no seu art. 149, VII, como já visto. Mesmo não estando no seu Título II, a revisão do lançamento tributário por dolo, fraude ou simulação (art. 149, VII, do CTN) tem profunda ligação lógica e sistemática com o assunto da sujeição passiva tributária.
– Quando um grupo econômico, seja de direito, seja de fato, realiza negócios jurídicos, por meio de suas sociedades integrantes, com dolo, fraude ou simulação e com a intenção de evadir tributos, os lançamentos tributários respectivos gerados podem ser examinados e revistos de ofício pelo Fisco com base no art. 149, VII, do CTN. Constatados esses vícios jurídicos no lançamento tributário examinado, o Fisco deve fazer o consequente lançamento de ofício, registrando os fatos, os atos e os negócios jurídicos conforme se mostrarem à luz da realidade. Disso, no mundo fenomênico, exsurgem os verdadeiros sujeitos passivos da obrigação tributária. Se o verdadeiro sujeito passivo for alguma outra sociedade terceira que integre o grupo econômico de direito ou de fato, a autoridade fiscal possui o poder-dever de constatar tal situação e retratá-la fiel e objetivamente no novo lançamento corrigido. E tudo isso é feito com base no art. 149, VII, do CTN, que é, por natureza, lei complementar tributária.
– Essa possibilidade de sujeição passiva tributária coloca a sociedade terceira integrante do grupo econômico, revelada pelo trabalho do Fisco, como contribuinte diretamente ligada ao fato gerador. Logo, sua sujeição passiva tributária tem fundamento no art. 121, parágrafo único, I, do CTN. Também deve incidir o art. 124, I, do CTN, que trata da solidariedade das pessoas que tenham interesse comum no fato gerador. A sujeição passiva tributária ora desvelada tem o seguinte fundamento legal: art. 121, parágrafo único, I, combinado com o art. 124, I, e combinado com o art. 149, VII, todos do CTN.
– Com a utilização desse ferramental jurídico, pode-se dar o tratamento adequado que a questão da responsabilidade tributária de grupos econômicos exige. Não se utiliza nenhuma outra norma que não seja o próprio CTN. Especificamente, não se utiliza o art. 50 do Código Civil. Todavia, o resultado final e prático é o mesmo, mas com um suporte jurídico que nos parece mais sólido. Esta abordagem é compatível com o resultado final e prático que vem sendo gerado pelo posicionamento do STJ sobre o assunto.
Entendemos que, com essa abordagem, se diminui o espaço de dúvida ou de “zona cinzenta” a que estão submetidos os contribuintes e os operadores do Direito Tributário, pois tudo que não for dolo, fraude ou simulação (com intenção de evasão) é permitido, em favor da livre iniciativa e da segurança jurídica. Com isso, minoram-se custos de transação. Entretanto, por outro lado, não se permite que atos dolosos, fraudulentos ou simulados praticados por sonegadores criem prejuízos ao custeio do Estado Social e Democrático de Direito.
Por fim, em nosso livro mencionado, formulamos um protocolo escrito com passos práticos de como se avaliar a responsabilidade tributária de grupos econômicos. O protocolo sugerido corresponde à abordagem pragmática apresentada. Encadeia-se logicamente o exame de “elementos fáticos” (hauridos da pesquisa formulada nos julgados do STJ), que podem indicar a presença dos “vícios jurídicos” do dolo, da fraude ou da simulação, com intenção de evasão, os quais induziriam a utilização da “ferramenta jurídica” da revisão de ofício do lançamento tributário pela autoridade fiscal, tudo com fundamento normativo no art. 121, parágrafo único, I, combinado com o art. 124, I, e combinado com o art. 149, VII, todos do CTN.
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JOTA

Análise da possibilidade de redirecionamento da execução fiscal em desfavor do grupo econômico integrado pela pessoa jurídica originariamente devedora

Abordagem pragmática da responsabilidade tributária de grupos econômicos

Análise da possibilidade de redirecionamento da execução fiscal, ajuizada contra a PJ, em desfavor de seus sócios e administradores