Betânia Santos

O ano de 2022 foi difícil para a enfermagem. Após décadas de luta em busca de valorização, a Lei do Piso Salarial, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), foi aprovada por unanimidade no Senado e por ampla maioria na Câmara, unindo parlamentares de diferentes matizes em um momento de raro entendimento entre os espectros políticos que coabitam o parlamento brasileiro.
Sancionada em agosto, a felicidade de enfermeiros, técnicos, auxiliares e obstetrizes durou pouco tempo. No dia 4 de setembro, pleno domingo e um dia antes dos novos valores estabelecidos pelo piso salarial serem pagos, o Supremo Tribunal Federal (STF), em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida por entidades patronais, suspendeu a implementação da lei.
A decisão concedida na época pelo ministro Luís Roberto Barroso considerou o risco de inviabilidade de implementação do piso sob o ponto de vista puramente orçamentário e sob a falsa alegação unilateral de que a eficácia da lei põe em risco demissões e falta de leitos, razão pela qual o relator do tema no STF entendeu prudente estabelecer, via liminar, a suspensão da lei para entender os efeitos sistêmicos da mudança legal, antes da entrada em vigor.
A verdade é que além de constitucional, o piso é economicamente viável e vai trazer desenvolvimento ao país. Durante a tramitação no parlamento, o impacto orçamentário do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/piso-da-enfermagem">piso da enfermagem</a> foi exaustivamente discutido e a viabilidade econômica do projeto foi comprovada, conforme atesta o relatório do grupo de trabalho especial que analisou a matéria na Câmara.
Em linhas gerais, ficou demonstrado que o custo anual para cumprir a lei e erradicar os salários miseráveis na enfermagem representa somente 2,7% do PIB da saúde, 4% do orçamento do SUS, 2% de acréscimo na massa salarial dos contratantes e 4,8% do faturamento dos planos de saúde em 2020.
A Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde), responsável por ajuizar a ação de inconstitucionalidade, esqueceu-se de citar no processo, contudo, que os empresários da saúde ficaram ainda mais ricos durante a pandemia – com base na exploração máxima da força de trabalho dos seus empregados. Entre os 315 bilionários brasileiros, nove atuam no ramo e oito ficaram multibilionários em plena crise de saúde pública, segundo levantamento da revista Forbes.
Desde a suspensão da lei do nosso piso, seguimos em intensa mobilização com parlamentares e representantes do governo federal em prol da revogação desta suspensão. Ainda em setembro, o STF admitiu o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) no processo referente à ADI sob o status de amicus curiae. Também conhecida como “amigo da corte”, esta condição tem possibilitado ao Cofen atuar como um terceiro admitido com o papel de fornecer subsídios às decisões do tribunal.
Com o empenho do Congresso Nacional, foi promulgada em dezembro a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc127.htm">Emenda Constitucional 127</a>, responsável por garantir recursos do superávit financeiro de fundos públicos e do Fundo Social para financiar o piso do setor público, das entidades filantrópicas e dos prestadores de serviços com um mínimo de atendimento de 60% de pacientes do Sistema Único de Saúde (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/sus">SUS</a>).
Poucos dias depois da promulgação, o ministro Barroso proferiu um despacho solicitando ao Senado e à Câmara dos Deputados a criação de uma lei federal para regulamentar a aplicação dos recursos previstos na EC 127/2022. O ministro apontou que a redação da emenda prevê a necessidade de uma legislação regulamentadora que esclareça o processo de transferência dos recursos para o pagamento do piso.
É aí que entra a atual etapa em que a enfermagem se encontra nessa árdua batalha. Neste exato momento, para que os novos salários da categoria sejam efetivados, é necessária a <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/piso-da-enfermagem-governo-admite-que-medida-provisoria-sai-em-maio-23032023">publicação de uma Medida Provisória, elaborada por um Grupo de Trabalho do Ministério da Saúde, para normatizar a Lei 14.434/21 e remanejar recursos dos fundos públicos federais e colocar os valores no contracheque da categoria</a>.
O conteúdo da MP foi concluído, já com modificações solicitadas pelo Ministério da Saúde e, no momento, a medida está sob avaliação de um grupo interministerial, que conta com a participação não apenas da Saúde, mas também dos ministérios do Planejamento, da Fazenda, da Indústria, da Casa Civil, das Relações Institucionais e da Advocacia-Geral da União (AGU).
Apesar da morosidade nas etapas desse longo processo, sigo confiante. O comprometimento de representantes do alto escalão do governo federal com o piso, inclusive por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ministra da Saúde, Nísia Trindade, tem sido de fundamental relevância, especialmente neste momento decisivo em que a MP está perto de ser publicada.
Do lado de cá, a enfermagem continua assumindo seu protagonismo e cobrando ativamente com a diligência necessária, buscando solucionar o impasse para que enfermeiros, técnicos, auxiliares e obstetrizes sejam efetivamente reconhecidos e possam alcançar a tão sonhada valorização salarial.
De acordo com nossas expectativas, acreditamos que a Medida Provisória seja publicada o quanto antes. A partir dessa publicação, teremos um segundo momento importante que é fazer com que o STF suspenda a liminar que está neste momento impedindo o pagamento do piso. Esperamos, com esses dois movimentos, que até o final do semestre todo o impasse seja resolvido.
O Supremo Tribunal Federal já tem todos os elementos que precisa para afastar a medida liminar que suspendeu o piso da enfermagem. De acordo com levantamento feito junto ao Tesouro Nacional, o Cofen constatou que os fundos públicos federais acumulam superávit de aproximadamente R$ 28 bilhões, que podem ser destinados para o pagamento do piso imediatamente. Existem ainda recursos oriundos de royalties da exploração do pré-sal, que podem ser destinados à área da saúde e nunca foram utilizados.
Os recursos disponíveis são mais que suficientes para bancar o investimento no piso, que foi estimado em aproximadamente R$ 16 bilhões por ano. Além da regulamentação pelo governo federal de como esses valores serão distribuídos, há medidas já aprovadas e outras em andamento, como a destinação de verbas específicas para as Santas Casas e a desoneração da folha de pagamento do setor privado. Como é possível perceber, o dinheiro existe e estamos muito próximos de um desfecho para essa luta que já leva mais de 30 anos.
Como representantes dos conselhos da maior categoria da saúde no Brasil, o Sistema Cofen/Conselhos Regionais de Enfermagem apoia incondicionalmente as lutas dos nossos profissionais pela dignidade salarial. Tenho absoluta certeza de que o nosso protagonismo e o papel que desempenhamos ao longo de todo este período foram fundamentais para a aprovação e posterior sanção do piso da enfermagem.
Desde o início das discussões sobre o PL 2564/20, articulamos apoio junto ao Congresso Nacional para garantir celeridade na aprovação da matéria. Foram realizadas inúmeras reuniões com deputados, senadores, governo federal e lideranças estaduais, além de campanhas e atos nacionais. Com a suspensão da Lei 14.434, o Conselho Federal tem atuado incansavelmente para garantir as fontes definitivas de financiamento do piso.
É fundamental que a categoria também continue pressionando as lideranças políticas de todas as formas possíveis, nas ruas e nas redes sociais, para que esse processo seja concluído de uma vez por todas. As fases mais difíceis já foram superadas. Percebo que existe vontade política. Acredito que vamos concretizar essa conquista.

piso da enfermagem

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JOTA

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