Felipe Jim Omori

As contribuições ao PIS e a Cofins são dois importantes tributos federais, com relevante peso na arrecadação fiscal (mesmo com os efeitos da pandemia da Covid-19, este grupo de tributos representou cerca de 16% da arrecadação federal total de maio de 2020<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>), e que incidem sobre receita ou faturamento das pessoas jurídicas.
Seria razoável esperar que estes tributos tivessem uma estrutura simples e prática, visto que sua apuração dependeria apenas da verificação do montante da receita ou faturamento da empresa.
Não é esta a realidade que vemos, já há mais de 30 anos.
<a href="http://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos"><img class="aligncenter wp-image-259015 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/07/cta-jota-pro-tributos.jpeg" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Durante anos os contribuintes discutiram no Judiciário os controversos Decretos-Lei nº 2.445 e 2.449 de 1988, que alteraram a base de apuração do PIS (questão da apuração em bases semestrais). Posteriormente, foi a vez de se questionar os termos da Lei nº 9.718/1998, que alargou a base de cálculo do PIS e da Cofins (de faturamento para receita) no regime cumulativo e majorou a alíquota da Cofins. Em ambos os casos, os contribuintes obtiveram vitória no Judiciário (com exceção da majoração da alíquota da Cofins).
Nos anos 2000 a complicação na estrutura do PIS/Cofins ganhou novos patamares, com a instituição do regime não-cumulativo, que trouxe alíquotas maiores e uma base de cálculo mais ampla (receita bruta), mas possibilitou a compensação de créditos calculados sobre a aquisição de insumos, ativos e outros itens (Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003). Em seguida, a instituição do PIS/Cofins sobre importações também adicionou um novo elemento na estrutura já complexa destes tributos.
O que deveria ser um sistema racional e simples, que possibilitasse aos contribuintes o cálculo de créditos sobre as aquisições de itens necessários para a sua atividade, para o abatimento do PIS/Cofins devidos, tornou-se um monstro de Frankenstein, com uma legislação retalhada, extremamente casuística e por vezes contraditória ou irracional.
Não por outro motivo, boa parte dos grandes temas discutidos pelos contribuintes no Judiciário estão hoje relacionados com o PIS e a Cofins. Basta ver, também, a infinidade de artigos e publicações especializados da comunidade jurídica sobre tais tributos.
Um sintoma que também denuncia esta situação é o de que o Supremo Tribunal Federal possui nada menos do que 45 temas de repercussão geral relativos a PIS e Cofins, dos quais 17 ainda aguardam julgamento.
A repercussão geral é um mecanismo processual que possibilita que as decisões adotadas pelo STF tenham efeito vinculativo às demais instâncias do Poder Judiciário, podendo, também, influenciar a posição da Administração Pública, ao consolidar um determinado entendimento (na esfera federal, a Procuradoria da Fazenda Nacional, por exemplo, pode dispensar seus Procuradores de recorrer ou contestar ações que tratem de temas decididos em repercussão geral, podendo, também, recomendar que a Receita Federal deixe de cobrar tributos em razão de tal entendimento. Este mecanismo não é automático, contudo, e depende de deliberação interna de tais órgãos).
<blockquote>A existência de um número relevante de temas de repercussão geral que aguardam análise pelo Supremo, portanto, indica a multiplicidade de processos por todo o país que discutem tais temas, evidenciando que a estrutura atual do PIS e da Cofins gera conflitos de interpretação e dificuldades de aplicação, resultando em uma alta taxa de litigiosidade.</blockquote>
Por outro lado, a esperança de que o Judiciário traga respostas que confiram segurança jurídica aos contribuintes muitas vezes é frustrada com julgamentos que demoram a ocorrer e por vezes trazem decisões conflitante do ponto de vista lógico-jurídico.
Apesar disso, não podemos esquecer que o dever de editar normas coerentes, praticáveis e razoáveis é do Poder Legislativo e não do Judiciário, a quem, ao fim, cabe tentar interpretar e aplicar a legislação, seguindo os parâmetros jurídicos e à luz da Constituição Federal.
Chama atenção, de todo modo, a quantidade de temas a serem analisados pela Suprema Corte, alguns deles que dizem respeito à própria legitimidade e estrutura do PIS/Cofins, que já vigem há décadas! Vejamos alguns temas principais.
Um primeiro grupo de temas que aguardam definição pelo STF está relacionado com a base de cálculo e alíquotas do PIS/Cofins o que já evidencia a falta de clareza e estruturação da legislação de tais tributos, em temas fundamentais para a sua própria incidência.
O tema mais famoso atualmente é o 69, que discute a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, e que foi julgado no Recurso Extraordinário (RE) 574.706. Apesar de o STF já ter se pronunciado sobre a impossibilidade de se incluir o ICMS na base, o tema ainda aguarda julgamento de embargos de declaração apresentados pela Fazenda Nacional, principalmente para questionar o critério de cálculo do ICMS a ser excluído (questão do ICMS destacado x ICMS a recolher) e para requerer a modulação dos efeitos desta decisão, de forma que ela tenha aplicação apenas para o futuro.
Além dos milhares de processos que aguardam este julgamento, há outros tantos casos relativos à discussões similares e que envolvem o mesmo racional, como a da exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/Cofins (tema 118, RE 592616); da exclusão do PIS/Cofins de suas próprias bases de cálculo (tema 1067, RE 1233096); da exclusão de créditos presumidos de ICMS da base do PIS/Cofins (tema 843, RE 835818); e da exclusão do crédito presumido de IPI de suas bases de cálculo (tema 504, RE 593544).
No passado, o STF também já se pronunciou sobre a base de cálculo do PIS/Cofins na importação, declarando, no tema 01 (RE 559937), a inconstitucionalidade da incidência das contribuições sobre o ICMS-importação e o próprio PIS/Cofins-importação. Curioso notar que o primeiro tema de repercussão geral no STF já tratava de PIS/Cofins.
Também sobre o PIS/Cofins-importação o STF irá analisar o tema 79 (RE 565886), em que se discute a necessidade de lei complementar para viabilizar a sua incidência sobre as importações.
Em relação às alíquotas, o STF já há muito consolidou o entendimento de que elas poderiam ser alteradas por lei ordinária, não necessitando de lei complementar. Recentemente, o Tribunal também analisou a possibilidade de alteração de alíquotas por meio de medida provisória (mais especificamente, sobre a possibilidade da instituição do regime não-cumulativo do PIS originariamente pela MP 66/2002), em que decidiu pela legitimidade deste instrumento (tema 337, RE 607642).
Também pende de julgamento a questão sobre a possibilidade de a Lei delegar a alteração das alíquotas do PIS/Cofins para atos infralegais, no contexto do reestabelecimento da incidência dela sobre receitas financeiras feito pelo Decreto 8.426/2015 (tema 939, RE 1043313).
Sobre o regime não-cumulativo do PIS e da Cofins, há também todo um grupo de temas relativos a questionamentos e dificuldades de aplicação da legislação, que desde o início se mostrou complexa.
A exemplo, também tem sido muito divulgado o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça do recurso especial 1221170 em 2018, no qual o Tribunal analisava qual seria o conceito de “insumo” para fins do cálculo do crédito de PIS/Cofins.
É notável que quase 15 anos depois da entrada em vigor do regime, o Judiciário esteja definindo um tema basilar, qual seja, o conceito do principal item de geração de crédito da não-cumulatividade para o PIS/Cofins. Este julgamento do STJ não encerrou a questão, de forma alguma, ainda restando inúmeros embates entre fisco e contribuintes, caso a caso, para definir se os créditos apropriados são ou não legais.
No âmbito do STF, a própria legitimidade do regime não-cumulativo da forma como ele foi instituído pelas Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003 será julgado no tema 756 (RE 841979). Neste caso, o STF irá decidir se os critérios de apuração de créditos trazidos por estas Leis seriam constitucionais, ou se a não-cumulatividade do PIS/Cofins deveria ser lida em um sentido mais amplo, autorizando, por exemplo, o cálculo de crédito sobre outras despesas incorridas pelas empresas, que não estejam diretamente vinculadas a um processo produtivo ou prestação de serviço.
Só este tema tem o potencial de colapsar o regime que tem sido aplicado há anos no país, mas também há outros temas que se relacionam com as incertezas sobre o cálculo dos créditos de PIS/Cofins.
No tema 179 (RE 587108), julgado recentemente pelo STF, o Tribunal analisou a questão da apropriação de crédito na transição do regime cumulativo para o não-cumulativo, analisando se as mercadorias em estoque detidas pelo contribuinte poderiam gerar créditos quando da mudança de regime.
O Tribunal fixou a tese de que “em relação às contribuições ao PIS/Cofins, não viola o princípio da não-cumulatividade a impossibilidade de creditamento de despesas ocorridas no sistema cumulativo, pois os créditos são presumidos e o direito ao desconto somente surge com as despesas incorridas em momento posterior ao início da vigência do regime não-cumulativo”.
É curioso o trecho que considera os créditos de PIS/Coifins como “presumidos” e dependentes de sua concessão por Lei, em comparação ao que foi decidido também recentemente no tema 244 (RE 599316), no qual o STF decidiu pela inconstitucionalidade da vedação da apropriação de créditos sobre ativo imobilizado para bens adquiridos até 30/04/2004.
A Lei nº 10.865/2004 passou a prever tal limitação, que foi agora afastada pelo STF com base no princípio da não-cumulatividade, entendendo que a Lei não poderia vedar tal crédito. Ora, afinal, os créditos são presumidos (isto é, só se verificam se a Lei autorizar/conceder) ou decorrem da não-cumulatividade (e existiriam independentemente de uma previsão expressa na Lei)?
Noutro tema de nº 707 (RE 698531), o STF também julgou recentemente pela legitimidade da restrição ao crédito de PIS/Cofins em relação a operações com pessoas jurídicas domiciliadas no exterior, entendendo que apenas despesas incorridas e pagas a pessoas jurídicas brasileiras gerariam créditos.
Desse breve resumo dos principais temas, que com certeza necessitam de estudos individualizados, é possível se verificar a complexidade da legislação e as dificuldades que decorrem da sua falta de sistematização. Não por outro motivo, um consenso nas propostas de reforma tributária é a eliminação destes tributos.
Somem-se a estes temas outros milhares de processos que discutem outros aspectos decorrentes da aplicação da legislação do PIS/Cofins e que, um dia, ainda chegarão ao STF. O Judiciário, apesar deste importante papel, tem sido cada vez mais sobrecarregado com questões tributárias, muitas delas (mas não todas, frise-se) que decorrem da legislação retalhada que hoje temos.
O contribuinte acaba neste mar de discussões jurídicas, sem perspectiva de encontrar segurança jurídica em terra firme.
As propostas de reforma tributária que novamente ganham destaque (como infelizmente ocorre já há anos, momentos de crise reativam o debate sobre reformas, que nem sempre seguem adiante) buscam extinguir o PIS/Cofins, reconhecendo a monstruosidade que estes tributos se tornaram.
É preciso verificar, porém, como será a forma de transição entre os regimes, garantindo efetivamente o encerramento do PIS/Cofins e não criando uma sobrevida destes tributos que irão se acumular à uma legislação nova que com certeza trará novas incertezas interpretativas.
Também é importante ter cuidado para que os novos tributos a serem criados tenham uma estrutura mais objetiva e simplificada em sua natureza, sob o risco de, daqui a alguns anos, estarmos novamente na mesma situação, questionando e criticando uma legislação retaliada, casuística e contraditória.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: &lt;<a href="http://receita.economia.gov.br/dados/receitadata/arrecadacao/relatorios-do-resultado-da-arrecadacao">http://receita.economia.gov.br/dados/receitadata/arrecadacao/relatorios-do-resultado-da-arrecadacao</a>&gt;.

Cédulas de dinheiro. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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JOTA

Contribuinte está num mar de discussões jurídicas, sem perspectiva de encontrar segurança jurídica em terra firme

PIS e Cofins: dificuldade de uma tributação racional

Contribuinte está num mar de discussões jurídicas, sem perspectiva de encontrar segurança jurídica em terra firme