Giovani Ravagnani

Algumas Legaltechs que facilitam as resoluções de conflitos no setor da aviação têm sido alvejadas, diuturnamente, com Ações Civis Públicas para impedir o seu funcionamento e processos disciplinares nos Tribunais de Ética da Ordem Advogados do Brasil para punir aqueles advogados que fazem uso de tais plataformas para trabalhar.
Decidimos escrever esse texto para colocar alguns pingos nos is e auxiliar a compreensão de todos sobre como funcionam tais plataformas, quais são seus objetivos e por qual motivo, razão ou circunstância é possível afirmar que os serviços prestados por elas diferem totalmente daqueles privativos e reservados por lei à advocacia.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Pois bem. Em sua grande maioria, tais Legaltechs se apresentam ao mercado como marketplaces - plataforma que conecta demandas e serviços - para facilitar (a) o acesso à justiça aos jurisdicionados que enfrentam problemas consumeristas gerais e no mundo aeroviário e (b) o acesso ao trabalho para advogados de todo o Brasil.
Essas startups não prestam nenhum serviço advocatício. Tal qual como o Uber, a 99, o Airbnb ou, outras empresas de tecnologia a serviço do mercado jurídico, como Jusbrasil, Jurídico Certo e outras tantas plataformas de economia colaborativa, elas são marketplaces que aproximam (a) consumidores que necessitam de consultoria jurídica e que frequentemente não possuem familiaridade  e facilidade com a busca por representação jurídica de (b) advogados que querem (e precisam!) construir sua carteira de clientes e que frequentemente não possuem o mesmo tipo de exposição e acesso natural a clientes como escritórios maiores e bem-estabelecidos no mercado.
Tais empresas também não prestam consultoria jurídica, como empresas de tecnologia, utilizam inteligência artificial, ferramentas e técnicas de Jurimetria que, por meio do seus algoritmos, conseguem constatar a probabilidade estatística do fato narrado por um consumidor poder vir a ser indenizado em um determinado local ou em uma determinada jurisdição, sem realizar análise de fundo sobre os aspectos jurídicos imediatos do caso, e servindo como uma mera ponte para a relação de confiança estabelecida entre cliente e advogado.
<blockquote class="jota-article__eye">Compreender os modelos de negócio das Legaltechs é imprescindível para entender a legalidade de sua operação.</blockquote>
Se acessar a solução de um conflito com uma empresa aérea não é fácil, tais empresas entregam um caminho menos árduo para tal fim, verdadeiras plataformas online de resolução de disputas, que amplificam o acesso à justiça e acabam o represamento de demandas reprimidas que sequer encontrariam soluções; consumidores que amargariam frustrações causadas pelas empresas aéreas agora podem enxergar uma luz no fim do túnel.
As ações civis públicas ajuizadas Brasil afora pela Ordem dos Advogados do Brasil foram suscitadas e embasadas por acusação levantada pela Associação Brasileira das Empresas Aéreas - ABEAR. Por óbvio, uma acusação setorial, enviesada e tendenciosa, endereçada pelas grandes empresas multinacionais do setor aéreo contra as pequenas e incipientes Legaltechs que apenas lançaram um produto para defender o interesse de pessoas comuns.
O ajuizamento de tais ações civis públicas significa uma derrota para a advocacia e para a coletividade, e uma vitória para o oligopólio das companhias aéreas, bem como um salvo conduto para que tais grandes empresas continuem desrespeitando os direitos dos consumidores livres de quaisquer consequências.
É muito mais fácil inventar um inimigo (imaginário?), chamá-lo de <a href="https://diariodoturismo.com.br/eduardo-sanovicz-presidente-da-abear-sites-abutres-colaboram/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">abutre</a> e ofendê-lo publicamente, do que fazer um exame de consciência e perceber que, na verdade, a qualidade de seus serviços é que tem de mudar, e não as atitudes de atores que procuram promover os direitos dos consumidores, conforme reiteradamente decidido nos tribunais. Nada pode ser pior para uma empresa do que tratar o seu principal ativo – os seus clientes – com descaso, procurando calá-los - ou a quem procure auxiliá-los.
A Ordem dos Advogados do Brasil precisa ser protagonista do movimento de inovação e transformação da prestação dos serviços jurídicos em nosso país, reconhecendo-se a tecnologia como uma ferramenta facilitadora e impulsionadora para o acesso à Justiça e para o trabalho de milhões de advogados brasileiros - na maioria deles recém formados, jovens profissionais do direito, que na precarização do mercado de trabalho, sofrem para conseguir construir sua carteira de clientes e que podem ter nas plataformas digitais uma catapulta em sua carreira.
A decisão do Juiz Federal Itagiba Catta Preta Neto, da 4ª Vara Federal da Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, proferida em ação civil pública ajuizada pelo Conselho Federal da OAB contra a Legaltech Resolvvi (processo nº 1014256-13.2021.4.01.3400), reconheceu a (i) inexistência de provas a respeito de um suposto exercício ilegal da advocacia e (ii) que os trabalhos facilitados pela plataforma são executados por advogado, o que também afastaria a ilegalidade.
A mesma decisão também pontua que, no contexto da sociedade virtual, não é crível que se possa, por meio do Judiciário, tolher ou tangenciar o acesso dos cidadãos à informação dos seus direitos. Impedir o acesso à informação jurídica prestada pelas plataformas também é impedir o acesso à justiça.
De outro lado, o Juiz Federal Adriano Saldanha Gomes de Oliveira, da 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro, <a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/aviacao-competitividade/liberfly-condenada-oab-01062021">proferiu sentença contra a inovação da plataforma Zamorfe Mediações Administrativas Ltda</a>., interferindo na ordem econômica, violando o Marco Civil da Internet e criando uma barreira de mercado artificial, por sentença; uma espécie de ativismo.
Caso a atividade da Zamorfe Mediações Administrativas Ltda., de fato, venha a ser proibida, também deverão ser proibidas todas as atividades de Serviço de Atendimento aos Clientes das Empresas, o Consumidor.Gov.Br, o ReclameAqui; a finalidade, a funcionalidade e objetivo delas é a mesma: a melhor solução do direito material do consumidor, hipossuficiente da relação.
Sentenças como a do caso da Zamorfe Mediações Administrativas Ltda. são pedras que se colocam no caminho do acesso à justiça. Na lógica do sistema multiportas de resolução de conflitos, o profissional do direito deve procurar sempre o caminho mais adequado para a solução da crise de direito material do jurisdicionado.
Na medida em que o Judiciário, a Ordem dos Advogados do Brasil e as entidades setoriais (como a ABEAR) decidem gastar energia para fechar essas portas, maior é a chance para a perpetuação de injustiças em nosso país.
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JOTA

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