Vladimir Aras

O HC 126.292/SP não foi julgado pelo STF com repercussão geral. Na sua implementação, caso a caso, pelos tribunais podemos esperar algumas consequências imediatas. Listo dez delas:
1. Valorização das instâncias ordinárias. Os tribunais de apelação, isto é, os tribunais de justiça, os tribunais regionais federais e os tribunais regionais eleitorais e os membros do Ministério Público que perante eles atuem devem aprimorar os seus julgados e manifestações, quanto à matéria de fato e de direito, para assegurar aos acusados o duplo grau efetivo, e não meramente simbólico, em harmonia com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (artigo 14.5), a Convenção Americana de Direitos Humanos (artigos 8.2.h e 25) e a jurisprudência da Corte Interamericana em San José.
Como terá mais força a jurisdição criminal ordinária (primeira e segunda instâncias onde se consuma o julgamento pleno dos fatos e do direito), será necessário prestigiar o direito ao duplo grau efetivo e será preciso adaptar a legislação processual brasileira aos precedentes da Corte Interamericana, especialmente:
Barreto Leiva v. Venezuela (1999): que cuida do princípio do juiz natural e do direito de apelar em caso de julgamento em primeira e única instância por tribunal superior
Herrera Ulloa v. Costa Rica (2004): que estabelece o direito a recurso de apelação com amplos efeitos e cognição plena, não sendo suficiente mero recurso de cassação
Mohamed v. Argentina (2012): que reconheceu violação do direito ao duplo grau de jurisdição, em virtude de condenação do réu em segundo grau por ter sido provido recurso da acusação interposto contra absolvição proferida em primeira instância, sem possibilidade de novo recurso amplo, acessível e eficaz em prol da defesa.
2. Haverá incremento da imposição e execução de sanções penais alternativas, nos termos da legislação vigente. Muitos juízes passarão a substituir com mais frequência penas privativas de liberdade por sanções alternativas não-prisionais, que também poderão ser executadas após o duplo grau.
3. O Ministério Público recorrerá menos em caso de condenações a penas consideradas "baixas", e por isto mesmo de elevado risco prescricional. Promotores e procuradores deixarão de recorrer para buscar incremento de sanções, estratégia que se destinava a evitar a prescrição durante as infindáveis fases recursais. Como o sistema anterior era disfuncional, o MP tendia a recorrer mais do que o necessário, mesmo quando obtinha condenações, exatamente para impedir que tais sentenças condenatórias se perdessem por prescrição durante a tramitação sem fim dos recursos defensivos, nas quatro instâncias.
4. A justiça penal pactuada sai fortalecida, na medida em que foi fechada a porta fácil da prescrição da pretensão punitiva. O abuso do direito de recorrer era e ainda é expediente usado em regra por réus culpados – condenados em duas instâncias ordinárias – para alcançar a impunidade pelo simples decurso de tempo. Naturalmente, como a busca desenfreada da prescrição não será mais tão vantajosa, réus – presos ou soltos – que estejam "cercados" por prova condenatória tenderão a considerar outra saída processual legal e legítima: negociar acordos de colaboração premiada, instituto previsto na Lei 12.850/2013, ou, antes, aceitar propostas de transação penal e de suspensão condicional do processo, na forma da Lei 9.099/1995, dadas às vantagens potenciais para investigados ou acusados em geral. De fato, os benefícios previstos nestas leis podem resolver a instância penal, em juízos abreviados que resultam em pagamento de multa ou na imposição de penas não privativas de liberdade. Nos crimes mais graves, o investigado pode beneficiar-se de acordos de imunidade, perdão judicial ou redução de penas privativas de liberdade. Em suma, as vantagens processuais e materiais para o acusado são relevantes e ponderáveis. Fecha-se a porta da prescrição estimulada; abre-se um novo caminho para a advocacia criminal.
Estando presa ou solta – não importa – o objetivo da pessoa acusada de um crime é livrar-se da ameaça de pena ou, ao menos, reduzir a repercussão da sanção sobre seu jus libertatis. Se a interposição de recursos sem fim em busca de prescrição e extinção de punibilidade não é mais uma opção auspiciosa, os réus culpados – condenados em duas instâncias ordinárias – poderão lançar mão mais rotineiramente de expedientes negociais para melhorar suas posições diante de iminente sujeição a legítima resposta penal.
5. Será mais rápida a recuperação de ativos, devido à possibilidade de confisco penal do produto ou do proveito do crime logo após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Uma decisão é "firme" após o esgotamento dos recursos ordinários, o que ocorre no duplo grau, conforme o direito comparado e o direito internacional. Para o conceito de sentença "firme" veja, por exemplo, o artigo 245 da Ley Orgánica del Poder Judicial da Espanha, e o artigo 1º, §3º da Convenção de Manágua (Decreto 5.916/2006). Como o perdimento é um dos efeitos automáticos da condenação (artigo 91, II, b, CP), se esta é executável após o duplo grau, também serão exigíveis o confisco e as disposições reparatórias em proveito da vítima ou de seus sucessores.
Art. 91 - São efeitos da condenação:
II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:
b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.
6. Será possível a execução civil imediata da sentença penal condenatória. Poderão as vítimas ou sucessores manejar a execução civil ex delicto para obter a reparação do dano decorrente do crime, na forma do artigo 91, I, do CP, consoante as disciplinas do CPP e do CPC. Se a sentença penal condenatória é exequível para sujeição a pena após o duplo grau, também pode instruir execução de sentença condenatória, título executivo judicial (artigo 475-N, inciso II, CPC):
Art. 91 - São efeitos da condenação:
I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;
7. Aumentará o número de habeas corpus contra decisões de juízes ou tribunais que determinem a expedição de guias de recolhimento de presos na esteira do HC 126.292/SP, com o objetivo de evitar o início a execução penal propriamente dita. O primeiro caso foi o do ex-governador Neudo Campos, que, em 20/02/2016, obteve liminar em HC nº 0000015-42.2016.4.01.0000, impetrado perante o TRF1. A competência para determinar ou, ao menos, autorizar o início da execução penal é do tribunal onde tramita o processo em grau recursal, na forma do artigo 637 do CPP ("Art. 637. O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença"). Segundo decidiu o ministro Edson Fachin, no caso do escândalo do TRT/SP, cabe ao juízo onde tramitou a ação penal (juízo do julgamento) decidir sobre a execução imediata da pena e expedir o mandado de prisão (RE com Agravo 851.109/DF, d. em 23/02/2016) e a guia para execução penal nos termos da Lei 7.210/1984.
Contudo, conforme a Resolução nº 113/2010 do CNJ, que dispõe sobre o procedimento para execução de pena privativa de liberdade e de medida de segurança, a guia de recolhimento provisória deve ser expedida pelo juízo da condenação e enviada ao juízo da execução penal. Se o processo estiver em grau de recurso, sem que a guia tenha sido expedida, caberá à secretaria do Tribunal expedi-la para remessa à VEP.
8. O número de execuções penais aumentará, mas isso não terá o impacto dramático que muitos imaginam, por três motivos: a) a decisão do STF deverá ser considerada em cada caso pelos juízes ou tribunais; b) muitas das pessoas sujeitas à nova regra já estão presas preventivamente por crimes graves na forma do artigo 312 do CPP, o que significa que para estes, na prática, pouco muda com o HC 126.292; e c) muitas condenações por crimes de pequeno e médio potencial ofensivo não resultam nem resultarão em prisões. Na maior parte dos casos criminais, continuará a haver sursis, cumprimento em regime aberto ou semiaberto e substituição por penas alternativas.
O novo posicionamento do STF permite que réus condenados em primeiro grau com condenação confirmada em segunda instância sejam intimados para cumprimento da pena. Tal sanção não será necessariamente uma pena de reclusão, com recolhimento prisional, dado que esta modalidade é reservada para os crimes mais graves, como homicídio, estupro, roubo, corrupção, narcotráfico, lavagem de dinheiro etc. Para a grande maioria dos outros tipos penais, a execução penal se resolve fora da cadeia, com regime aberto ou sanções alternativas, previstas na legislação penal.
No tocante aos direitos do réu na execução penal, nada muda, já que o acusado que estiver sujeito a prisão preventiva ou a prisão decorrente da sentença penal condenatória continuará a ter direito a progressão de regime e aos demais benefícios previstos na LEP, como a detração penal e a remição.
9. Veremos a redução do número de embargos de declaração perante os tribunais, especialmente os superiores. É notório que uma significativa parte dos embargos aclaratórios opostos nas jurisdições excepcionais (STJ e STF) tem finalidade meramente procrastinatória. O estímulo era a possibilidade de obter o reconhecimento da prescrição. Agora não mais como antes. A interposição de recursos especiais também tende a cair, uma vez que parcela significativa desses apelos tinha a finalidade exclusiva de impedir o início da execução penal, na esteira do antigo precedente (HC 84.078/MG).
10. Réus condenados por crimes graves em dois graus de jurisdição serão recolhidos ao sistema prisional. Isto exigirá do Ministério Público, da Defensoria Pública e do Judiciário, no âmbito de ações civis públicas, e sobretudo do Poder Executivo, medidas concretas para melhorar as condições carcerárias, de modo a que também esta parte do sistema de justiça criminal esteja em harmonia com o que se vê nos países civilizados. É premente o cumprimento da Constituição neste ponto, assim como dos tratados de direitos humanos, notadamente a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (Decreto 40/1991). Numa democracia, o Estado deve respeitar os direitos de todos, sejam vítimas, acusados ou condenados.
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JOTA

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